A textura de Flying Lotus

“Los Angeles” não é a primeira obra do produtor, mas o ponto de partida para desbravar sua complexidade

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Sabe aquele disco lançado há algum tempo que você carrega sempre com você em iPod, playlist e coração, mas ninguém mais parece falar sobre ele? A equipe Monkeybuzz coleciona álbuns assim e decidiu tirar cada um deles de seu baú pessoal e trazê-los à luz do dia. Toda semana, damos uma dica de obra que pode não ser nova, mas nunca ficará velha.

Los Angeles

Antes de se tornar um do nomes mais relevantes e “cultuados” da Música Eletrônica atual, Steven Ellison, mais conhecido como Flying Lotus, criava domínios musicais próprios e regressivos a sua história. Ouvir seu primeiro trabalho, 1983, nos mostra sempre um músico com espectro distinto: enquanto suas batidas são frescas, novas e (ao mesmo tempo) orgânicas (com pouca quantização), seus samples olham o passado em direção ao futuro através de sintetizadores espaciais e distorcidos.

Um elemento, no entanto, parece unir todas as referências do músico e colocá-lo sob a percepção de sua sonoridade: a textura. Se o tempo parece se tornar cada vez mais elástico com a Internet – podemos nos mover pela história e, simultaneamente, nos perder em nossa própria realidade – samples do passado e batidas do futuro grudam em texturas características de Elisson e parecem nos levar para a mesma perdição temporal. Quase invisível, o elemento é a estética que sempre tornou o seu som acessível apesar da inevitável percepção de experimentalismo correlacionado e foi através de Los Angeles(2008) que pudermos definir como o produtor vanguardista que conhecemos.

Dos ruídos da abertura Brainfeeder – poeira cósmica que transporta o ouvinte diretamente a essa nova realidade – até o seu Jazz sexy característico em Roberta Flack ou Testament, Flying Lotus demonstra constantemente a sua vontade em criar coesão a partir de texturas diversas (sujeiras, rudimentos e barulhos, semelhante aos encontrados em mídias materiais como vinil e fita cassete). Enquanto o segundo disco de Ellison pode até parecer simples perto do que veríamos posteriormente em You’re Dead!, não podemos dizer que a obra não é, no mínimo, extremamente autoral. É o estágio de desenvolvimento já lapidado pela experiência anterior em 1983 sendo expandido – se antes tinhamos faixas em sua estreia relacionadas ao Brasil, como São Paulo e Orbit Brazil, agora o mundo parece ser o horizonte de suas ideias. Tambores africanos em Melt!, música indiana em GNG BNG e a percussão do Oriente Médio em Riot são apenas alguns exemplos de sua produção musical excêntrica.

Sem se esquecer de suas origens jazzísticas, o sobrinho do mestre John Coltrane, trata de pensar no experimentalismo do gênero familiar como algo possível de ser feito de forma Eletrônica. Comet Course é puro Funk espacial, Breathe Something/Stella Star é o despertar para a música negra no disco e o Hip Hop experimental Begginers Falafel mostra outra característica marcante do produtor: o silêncio acompanhado de batidas quebradas em compassos menos rígidos. Outra aspecto marcante da obra e que, talvez, foi se perdendo ao longo do tempo na discografia de Lotus é o seu direcionamento às pistas – Los Angeles é um disco voltado aos clubes não redundantes que permitem que Parisian Goldfish te faça dançar assim como Golden Diva te faça viajar ao vivo.

Representando a vida do música em sua cidade de origem, Los Angeles é o disco ideal para entrar no campo sonoro diverso e espantador de Flying Lotus. Mostra um músico autossuficiente que criou os alicerces para que suas futuras parcerias fizessem sentido. O baixo do disco, por exemplo, é feito por Ellison e se mostra um estágio embrionário da viagem sonora que viria depois com a parceria com baixista Thundercat. Chega a ser difícil imaginar a Música Eletrônica e o Hip Hop de hoje sem esse disco, tamanha a sua influência em transformar esses gêneros muitas vezes estáticos, em estilos dinâmicos e inesperados (Flylo é o produtor executivo e “doador” de batidas ao disco mais chocante de 2015, To Pimp a Butterfly). Por fim, seu som foi rotulado de Future Beats e, sem percebermos, esse “futuro” se tornou o parâmetro para sons criados no presente.

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ARTISTA: Flying Lotus
MARCADORES: Fora de Época

Autor:

Economista musical, viciado em games, filmes, astrofísica e arte em geral.