A Trajetória de Modest Mouse

Banda retorna após sete anos tentando manter o status de banda alternativa

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Mesmo sem se ausentar dos palcos, os integrantes do Modest Mouse não pisavam num estúdio para compor e gravar novas músicas há bastante tempo. O último álbum lançado data de 2007, o simpático We Were Dead Before The Ship Even Sank, o primeiro a chegar no topo da parada da revista americana Billboard. Ainda que a banda viesse numa esteira de sucesso de crítica, aumento vertiginoso de penetração popular, a transição do subterrâneo independente para as benesses advindas dos contratos com gravadoras maiores e aparições em vários programas legais da televisão americana poderia vitimar o grupo. Se muitas formações valorosas do passado falharam nessa troca de pele, o mesmo não pode ser dito do grupo de Issaquah, Washington.

O novo álbum de Modest Mouse se chama Strangers To Ourselves e será lançado no início de março, sob enorme expectativa de fãs e crítica e, claro, você lerá a resenha aqui no Monkeybuzz. Por enquanto, que tal sabermos um pouco sobre essa galera? Voltamos à cidadezinha de Issaquah, lá nos cafundós do estado americano de Washington. Fica a cerca de 30 quilômetros de Seattle, o que nos dá a pista de que trata-se de mais uma daquelas belas e tediosas cidades geladas e chuvosas, típicas da região e pródigas em produzir bandas. Explica-se: com tanto frio, chuva e poucas opções de diversão, resta quase nada para os jovens a não ser se trancar em garagens e porões e apostar qual guitarra chega no volume maior. Hoje talvez seja diferente, com laptops e aplicativos mil, mas, no início dos anos 1990, não havia outra opção para gente como Isaac Brock. Filho de pais católicos e hippies, Brock foi alfabetizado e ensinado em casa por um longo tempo e aprendeu a tocar guitarra e banjo no meio deste caminho. Logo vieram as composições e o desejo de formar uma banda. Não tardou a encontrar Eric Judy, baixista e Jeremiah Green, baterista. Foram ensaiar no galpão ao lado do trailer quem que Brock vivia com a mãe e que era ocupado por ele como uma espécie de quarto gigante. Em pouco tempo o espaço tornou-se o estúdio de ensaio oficial do grupo e escritório, ao mesmo tempo.

Após iniciar a peregrinação pelo circuito local de bares e espeluncas, a banda chamou a atenção da minúscula K Records, que topou lançar um EP chamado Blue Cadet-3, Do You Connect? no ínicio de 1994. A prestigiosa gravadora Sub Pop também decidiu apostar no grupo e lançou um single, Broke, o que abriu portas para a gravação do primeiro álbum, Sad Sappy Sucker, que ficou esquecido e arquivado até 2001. Descontentes com a espera, Brock e companhia foram para a Up Records e lançaram This Is A Long Drive For Someone With Nothing To Think About, seu “primeiro” álbum a chegar às prateleiras. A sonoridade vinha na mesma linha de bandas do tal Rock Alternativo Americano, um rótulo impreciso que abarcava grupos como Yo La Tengo, Mercury Rev ou o próprio Pavement, gente que seguia um fiapo de formato convencional de canção, mas que se dispunha a bagunçar qualquer sintoma de linearidade em algum momento. No caso de Modest Mouse, títulos como She Ionizes And Atomizes ou Dramamine entre as faixas do disco de estreia já mostravam que a banda não era, digamos, convencional. As influências notórias de Talking Heads e Pixies entregavam o bom pedigree sonoro. Restava conquistar o país e eles foram atrás.

Após dois EP’s – Interstate 8 e The Fruit That Ate Itself e um novo álbum, The Lonesome Crowded West, lançados entre 1996 e 1997, Modest Mouse caiu nas graças dos críticos. Canções como Trailer Trash e Jesus Christ Was An Only Son conduziram a banda para a formação de uma base fiéis de fãs e ao status de “cult”. Mesmo assim, não chegando aos ouvidos de um público maior, o selo Epic, da toda poderosa Sony Music, decidiu apostar fichas no grupo, comprando seu passe e lançando o terceiro álbum de Brock e seus amigos: The Moon And Antarctica. Este foi o grande momento da virada na carreira do grupo. De sensação independente obscura, Modest Mouse foi conduzido ao ouvido de muito mais gente. A distribuição de uma grande gravadora era algo decisivo na indústria musical e as resenhas positivas não tardaram a surgir. Interpretado como um disco conceitual sobre mortalidade e o que pode existir após a morte, Moon levou cotação altíssima em grandes veículos como a revista inglesa Mojo e o site Allmusic.com. Ainda assim, o álbum fez bonito em listas de melhores de 2000, disputando ombro a ombro com Kid A (Radiohead) e Agaetis Byrjun (Sigur Rós).

A ascensão de Modest Mouse continuaria no álbum seguinte, Good News For The People Who Love Bad News. Lançado em 2004, o disco veio precedido pelo single Float On, que preparou o terreno para a aclamação total. O segredo sonoro da banda se tornara a aparente preocupação de Brock com a não-banalização em face da natural pressão de estar numa gravadora maior. Mesmo garantindo aos fãs que jamais abriria mão da esquisitice e dos traços básicos presentes nas canções, Brock sempre era visto com ar de desconfiança na hora de apresentar um novo trabalho. Com Good News o estouro da banca foi total e Modest Mouse chegou a disputar o Grammy de 2005 na categoria de Melhor Disco de Rock Alternativo. O disco também chegou ao patamar de Disco de Platina. Mais dois singles ainda vieram para reforçar a presença de Modest Mouse no cenário roqueiro americano: Oceans Breaths Salty e The World At Large.

Muita expectativa se formou em torno do sucessor de Good News, sobretudo com a presença de ninguém menos que Johnny Marr (ex-The Smiths) em algumas apresentações de Modest Mouse feitas em 2006. De fato, o novíssimo integrante foi confirmado na banda para o lançamento de We were Dead Before The Boat Even Sank, que chegou às lojas do planeta em março de 2007. A chegada de Marr não modificou a sonoridade da banda, mas compôs várias canções ao lado de Brock e conseguiu conferir alguma profundidade sutil, fazendo de Dashboard e Missed The Boat híbridos Rock’n’Pop de primeira categoria. Ainda que uma parcela reduzida de fãs jamais tenham perdoado a banda por “abraçar o Pop”, Modest Mouse conseguiu preservar sua aura independente e incongruente. A maçaroca sonora de Pixies e Talking Heads sempre esteve presente, ainda que pareça domesticada em alguns momentos, o que não chegou a comprometer o desempenho do disco junto a crítica e público.

A partir daí, Brock veio mantendo certa distância dos estúdios, experimentando com tranquilidade as turnês e aparições em festivais. A princípio com Marr a bordo, depois sem ele, Modest Mouse manteve-se vivo pelos palcos e teve tempo de sobra para compor e testar canções da melhor forma: diante do público. Assim foi com duas novíssimas composições, Lampshades On Fire e a sensacional The Ground Walks, With Time In A Box, ambas devidamente incluídas entre as faixas do novo trabalho, Strangers To Ourselves. A curiosidade é mesma desde 2000: será que Isaac Brock continua capaz de tornar palatáveis suas esquisitices, conceitos, influências e peculiaridades para um público cada vez maior? A conferir.

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ARTISTA: Modest Mouse
MARCADORES: Redescobertas

Autor:

Carioca, rubro-negro, jornalista e historiador. Acha que o mundo acabou no meio da década de 1990 e ninguém notou. Escreve sobre música e cultura pop em geral. É fã de música de verdade, feita por gente de verdade e acredita que as porradas da vida são essenciais para a arte.