A Tribe Called Quest em Seu Disco Atemporal

“The Low End Theory” ficará para sempre marcado como epítome do romantismo do Jazz Rap

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Sabe aquele disco lançado há algum tempo que você carrega sempre com você em iPod, playlist e coração, mas ninguém mais parece falar sobre ele? A equipe Monkeybuzz coleciona álbuns assim e decidiu tirar cada um deles de seu baú pessoal e trazê-los à luz do dia. Toda semana, damos uma dica de obra que pode não ser nova, mas nunca ficará velha.

The Low End Theory

Antes do gênero Jazz Rap se tornar lugar comum em muitas obras musicais dos anos 1990, A Tribe Called Quest lançou um disco que ficaria marcado para sempre na história. The Low End Theory é, antes de tudo, uma forma de expressão direcionada do grupo a si mesmo – não procurara aceitação do público ou simplesmente buscara o que parecia mais óbvio ao sucesso – e foi por isso que seu resultado não poderia ser mais espetacular.

Ao mesmo tempo, o famoso grupo pertencente ao coletivo Native Tongues (Jungle Brothers e De La Soul) não poderia ter acertado mais em sua escolha atmosférica e ajudou a impulsionar a importância lírica de seu movimento em Low End Theory, um disco que explora diversas facetas abstratas em suas letras. Não obstante, Q-Tip, o membro mais famoso do grupo, era conhecido como Abstract e os duelos travados com Phife Dawg se tornavam um verdadeiro fluxo de memórias, subjetividade e contos urbanos extremamente bem refletidos em batidas fluídas que usavam o Jazz como inspiração, sem deixar de lado outros gêneros, como o Funk em Rap Promoter ou o Rock Psicodélico em Butter.

Algumas de suas faixas se tornaram clássicos e serviram de inspiração para jovens produtores de Hip Hop, de Kanye West a Joey Bada$$. Casos explícitos de momentos marcados na história passam por Buggin’ Out, Check out The Rhime e Jazz(We’ve Got). A última, aliás, pode ter sido a epítome do que seria conhecido como Jazz Rap. Histórias se misturam às famosas inscursões de linhas de rima entre Q-Tip e Phife e fluem como nunca na faixa – nos passam a constante sensação de observação do mundo sob o retrovisor de um carro esfumaçado cheio de sucessos do Jazz. Acima dos samples do famoso gênero, o grupo tinha a direção certeira para seu som em seu próprio estilo improvisado e batidas marcadas em bumbos, caixas e baixos secos.

Isso pode ser notado, por exemplo, na abertura Excursions – faixa cinematográfica que poderia muito bem estar em um filme de perseguição montado em câmera lenta -, ou em Show Business, irônica música sobre o cenário que o grupo olhava à distância e que viria a se incluir e se desfazer justamente porque a indústria do Rap não era sua natureza: “Yo, I gotta speak on the cesspool/It’s the rap industry and it ain’t that cool”. A acidez nas línguas nativas, divididas com De La Soul, aparece na atemporal e cada vez mais evidente The Infamous Date Rape, que aborda ao mesmo tempo machismo e estupro em um poderoso e cru relato sobre sexo sem consentimento.

Menções a um jovem pupilo Busta Rhymes aparecem na suingada Verses from the Abstract, enquanto What? é um Jazz fusion que poderia aparecer no clássico disco de Herbie Hancock, Watermelon Man. Por fim, o sentido de The Low End Theory reside na obsessão do grupo em relacionar o poder de sua palavra com um fluxo de rimas – ambas se encontram e se deparam com batidas eternas feitas a partir do passado e transformadas em peças do presente. Sim, presente, pois, mesmo com seu ar histórico após 24 anos de seu lançamento, o segundo disco contém um trabalho minucioso do grupo (principalmente de Ali Shaheed Muhammad) e se acabou ser tornando um marco para o Hip Hop. Um disco acessível e, acima de tudo, delicioso para qualquer instante atual. Trabalho que pode até ser chamado de “romântico” por sinalizar uma época em que a criatividade vinha antes de um indício de sucesso comercial, e que deve constar em sua coleção, sem sombras de dúvidas.

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Autor:

Economista musical, viciado em games, filmes, astrofísica e arte em geral.