Lançado no final de agosto, Beirada, disco de estreia da banda Varanda mistura indie, MPB e pop oitentista em um repertório de letras que pintam paisagens solares e aconchegantes – de nuvens de algodão dançando no vento, como nos versos de “Bahia e Aviões”. É uma atmosfera que reflete o espírito colaborativo do quarteto de Juiz de Fora (MG), cuja sintonia ainda foi reforçada por Paulo Emmery, produtor de nomes como Jards Macalé, Letrux, Jadsa e TonTom.
Formada por Mario Lorenzi (guitarra), Augusto Vargas (baixo e vocais), Amélia do Carmo (voz) e Bernardo Merhy (bateria), a Varanda surgiu de encontros despretensiosos entre amigos, evoluindo para um projeto maduro quando Augusto apresentou suas primeiras composições. Depois de soltar singles e o EP Ode Ao Infinito (2022), a banda deu um passo rumo ao disco de estreia, com a pré-produção no estúdio LaDoBê, localizado em Juiz de Fora. Veio, então, a parceria com Paulo Emmery, que trouxe novas nuances e incrementou a dinâmica de algumas faixas. “Algumas músicas, como ‘P.Q.P.Q’, eram numa outra pegada, tinham outra vibe. Aquele refrão, meio gritado, era numa dinâmica mais baixa, por exemplo. ‘Cê Mexe Comigo’ também mudou bastante, por exemplo. Ele deu essa ideia de ser mais calma, com a mudança da harmonia. Tem vários lances. Ele foi essencial”, resume Mario.
“Cada um tem bagagens e gostos pessoais diferentes, mas quando somadas, permitiram criar algo maior. Todo o processo foi feito em conjunto, realmente como uma imersão. As composições do Augusto trazem uma característica forte para as músicas, mas cada um conseguiu colocar um pouco de si”
– Bernardo
Beirada foi resultado de um processo criativo marcado por um verdadeiro espírito de imersão e cooperação – um mergulho colaborativo em que cada integrante trouxe influências particulares para serem sintetizadas. “Cada um tem bagagens e gostos pessoais diferentes, mas quando somadas, permitiram criar algo maior. Todo o processo foi feito em conjunto, realmente como uma imersão. As composições do Augusto trazem uma característica forte para as músicas, mas cada um de nós conseguiu colocar um pouco de si”, reflete Bernardo.
Além da partilha de opiniões e referências entre os membros da Varanda, o público, por meio dos shows realizados antes do lançamento, acabou participando da compreensão a respeito da sonoridade final. “Os fãs tiveram influência na hora do ao vivo. Tivemos muitas músicas que levantamos antes no álbum. No decorrer do processo criativo, a gente testava elas ao vivo. Foi legal saber o que a galera estava curtindo, ou qual sonoridade estava pegando. Eles são sempre um norte”, comenta Amélia.
O título do disco expressa uma ideia de “primeiro capítulo” de uma história, de uma espiada inaugural pelo universo da Varanda – mas, ao mesmo tempo, o significado vem aliado ao ímpeto de perseguir um trajeto que ainda trará muito mais. “Beirada capta essa coisa de ser uma partezinha dessa primeira visão de uma banda, de ser a parte de um todo, dos contornos limiares. É uma palavra que soa muito bem. A gente pira em trazer a identidade toda, mas é impossível – ou seja, é ficar nessa beirada, mas ir avançando. O álbum conseguiu ter uma unidade, mas sem se repetir. ‘Beirada’ é o início de algo maior, uma parte dessa jornada que estamos construindo”.
Entre os destaques do repertório, “Cama de Vento” alterna as vozes de Augusto e Amélia, evidenciando guitarras que culminam em um desfecho intenso; já “Bahia e Aviões” tem arranjo delicado e vozes sutis, expandindo formosos horizontes ao longo da experiência do disco. Com guitarras leves e crocantes, “Vida Pacata”, um dos singles do trabalho, traz versos com metáforas futebolísticas para falar de relacionamentos (“Você marcou um gol – e isolou a bola”). Participações precisas colorem ainda mais o projeto: a suavemente groovada “Cê Mexe Comigo” ganha vocais belos e etéreos de Manu Julian (Pelados); e “Desce Já”, esplendorosa e ao mesmo tempo ruidosa, conta com a inconfundível voz de Dinho Almeida (Boogarins).
“O nome [Beirada] capta a coisa de ser uma partezinha dessa primeira visão de uma banda, de ser a parte de um todo, dos contornos limiares. É uma palavra que soa muito bem. A gente pira em trazer a identidade toda, mas é impossível – ou seja, é ficar nessa beirada, mas ir avançando”
– Amélia
Criada por Amélia, a arte visual do disco também expressa a identidade do grupo – uma mistura de colagens e cores vibrantes. “Sempre tento captar a energia da música de forma visual. Para esse álbum, a gente chegou muito nessa coisa da colagem, de juntar paisagens, morros, modernidade… A cianotipia também foi um recurso interessante, que traduz essa mistura toda. E eu tenho uma pira com 3×4, sabe? Sempre coloquei em cartazes, capas. Acho que traduz essa coisa de identidade, comunicar sem palavras”, explica.
Além da injeção de ânimo para seguir trilhando seu caminho, a ótima recepção de Beirada, segundo a banda, tem servido como incentivo para a cena de Juiz de Fora – o que é capaz de impulsionar novos desejos coletivos. “Conversei com um pessoal que comentou que o disco deu uma vontade da galera fazer mais músicas, de também continuar correndo atrás. Porque no final das contas é isso: uma banda ou um projeto vai puxando o outro. Rola uma influência nesse sentido de gerar um movimento”, conta Mario. “A cena deu uma parada, e a gente nota que agora tem mais trabalhos saindo, mesmo que tenha ficado cada vez mais difícil, burocrático e caro de seguir botando música no mundo. A gente percebe uma vontade, principalmente da galera mais jovem, de uma nova era da cena juiz-forana, complementa Amélia.