Absolute Cinema: Zé Manoel e “Coral”

Em entrevista, o músico pernambucano realiza o exercício de pensar seu novo álbum como se fosse um filme

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Fotos: Wendel Assis

“O nome Coral me veio por um sonho”, conta Zé Manoel. “Tanto a palavra, quanto a melodia vieram por Caymmi, que sonhei que cantava ‘Coraaal…’. Fiquei pensando no que ele queria me dizer, e entendi que, se Dorival estava me dando essa canção, não era para eu fazer o que ele faria, porque não sou Caymmi – era para fazer do meu jeito”.

Criado a partir da interpretação do sonho, o quinto álbum do músico pernambucano apresenta a leveza com que ele trabalha sua criatividade e também sua excelência. É uma obra com liberdade para mesclar idiomas, ritmos e estéticas em função do que Zé quer contar.

“Sempre tive a vontade de contar histórias, de ter uma narrativa com meus discos”, comenta o músico. “Insisti em uma linha narrativa em Meu Coração Nu (2020), mesmo sem botar muita fé que as pessoas ouviriam o disco na ordem. Para a minha surpresa, elas escutaram, sim, e entenderam”.

Aproveitando o aspecto lúdico com que Coral nasceu e também sua intenção narrativa, Zé Manoel aceitou o convite do Monkeybuzz para o exercício criativo de pensar o álbum como se ele fosse um filme. Eis o que ele contou.

Roteiro

Ao escutarmos Coral na ordem proposta, a faixa-título (a penúltima) parece ter a função de clímax da obra. “Ela é a mais introspectiva de um disco mais solar. Ela não passa exatamente a aura do disco, mas o representa pelas simbologias e por ter vindo de Caymmi”. Assim como os jangadeiros de Dorival, a obra apresenta histórias em movimento, entre o sertão e a cidade grande.

“Não sou muito das figuras de linguagem, tenho até dificuldade de entender quando elas são muito complexas. Então, minhas [letras] são mais objetivas, construo as imagens como elas me aparecem mentalmente. [O disco] começa falando do amanhecer. Estou vindo da madrugada, do céu estrelado do sertão ficando vermelho. ‘Golden’ começa após esse céu vermelho, o sol clareando tudo”.

Personagens

São muitos os nomes citados ao longo do disco, a começar por Johnny Alf (na faixa “Canção de Amor para Johnny Alf”). “Ele é referência de uma música urbana, do Rio de Janeiro, misturando jazz e samba”, conta Zé. “É um cara que não só dá a bênção, como ajuda a ambientar [a obra] na cidade”.

“A ‘Menina Preta de Cocar’ é um personagem daquele universo do sertão. Aí vem a poesia de Lubi Prates [em ‘Lubi Prates – Interlúdio’], que fala de territorialidade – quantos continentes e mares a pessoa atravessou para chegar até aqui? – e também passa essa ideia de deslocamento. Depois, tem a ida à África com ‘Malaika’”.

Roteiristas

As composições de Coral passam por diversas colaborações. Em muitos casos, Zé Manoel escreveu as músicas para as letras que recebia dos parceiros. Alguns deles, como Gabriela Riley e Alessandra Leão, estão também nas gravações, não apenas nos bastidores. Dentre os “roteiristas” desse filme, estão nomes como os de Arthur Nogueira, Bruno Capinan e Liniker.

“Bruno Morais está na produção e é parceiro em duas faixas. Já Capinan é alguém com quem eu queria muito trabalhar há muito tempo. Ele é maravilhoso e já éramos amigos. Ele poderia ter uma visibilidade maior por tudo o que faz, que é muito bem cuidado e bonito. Assim como Morais também, um cara que está aí há muitos anos. Queria trazer essa excelência com a presença dos dois na composição de ‘Above the Sky’”.

“Quando trago Liniker como letrista de ‘Deságuo para Emergir’, estou trazendo o universo que conhecemos de Liniker ali”, explica Zé. “Inclusive, queria que ela estivesse cantando nessa faixa, mas ela já estava muito envolvida na produção de seu disco novo. Depois, tudo fez sentido para mim, porque ver o que ela está vivendo e cantando em Caju ia destoar um pouco dessa canção mais introspectiva. A gente compôs essa música antes da pandemia, tem muito tempo. Liniker vivia outro momento, de outras angústias, e agora ela desabrochou. Acho que faz todo sentido ela estar como roteirista, mas não estar atuando [risos]”.

Elenco

As participações são marcantes na audição de Coral, e alguns dos nomes são familiares para quem conhece a obra de Zé Manoel. “Se eu sou Almodóvar, Luedji Luna é minha Penélope Cruz”, brinca ele. “Quando me identifico e crio laços com as pessoas, gosto de repetir o trabalho”.

“Alessandra Leão é uma artista que eu já admirava há muito tempo, e nos aproximamos e viramos amigos. Já tinha muita vontade de fazer algo com ela, e chegou o momento desse encontro. Caetana é uma menina da periferia de Recife, de uma região onde eu sempre passava indo pra praia. E nos encontramos aqui em SP. É uma figura importante também na última música (‘Siriri’), mas também em ‘Malaika’, que ela faz coro com Isadora Melo e Rafaela da Silva. São mulheres pretas cantando comigo. Estamos falando de amor e de África, sobre conexões, e tudo na perspectiva de diferentes corpos negros. Cada uma ali tem sua importância”.

Direção

Ao comentar a estética de Coral, Zé Manoel diz: “Queria que ele tivesse essa cara um pouco mais urbana, meio propositadamente preta norte-americana, mesmo que as canções tenham a minha característica de compor. É o mesmo tipo de música que sempre fiz, mas menos regional – no sentido de ‘de onde eu vim’ – e mais urbano”

Para acompanhar a narrativa expressada entre as faixas, ele propõe uma audição dinâmica que passa a ideia de trânsito pelos cenários propostos – a cidade grande e o sertão. Como ele mesmo pontua, “há muito movimento até na capa do disco”.

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ARTISTA: Zé Manoel

Autor:

Comunicador, arteiro, crítico e cafeínado.