Afinal, Estilos Musicais Mais Atrapalham ou Ajudam?

Desmistificando um pouco dessa discussão, gêneros podem sim representar bem seu objeto, desde que parte do pressuposto de que ele não é uma verdade absoluta e sim um simples guia

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Essa é uma discussão que geralmente é vista como binária, mas quebrá-la em somente dois polos não mostra a vasta gama de analises a serem feitas sobre o assunto. Quando o tema em pauta é “estilos musicais” surge dele uma dicotomia interessante, em que cada lado se apega a um ponto de vista bem limitado. Em um dos extremos da discussão, está a abordagem didática sobre a música, uma maneira de agrupar semelhanças ou resumir características de diversas bandas, facilitando assim a compreensão por parte do ouvinte. Já o outro polo pega essa simplificação e a põe em cheque dizendo que essa estratificação na verdade acaba por não explicar eficientemente o conteúdo musical, além de limitar a compreensão do ouvinte ou ainda o predispor (ou pré-indispor) a receber algum novo som.

Por mais que os argumentos contra (e esse temos aos montes) sejam mais incisivos, os prós também carregam em si muitos benefícios. Mas, antes de nos aprofundarmos nesta discussão vale a pena tentar imaginar de onde surgiu esse conceito de divisão em estilos e como ele evoluiu até se tornar um ponto de discussões tão fervorosas nos dias de hoje. Mesmo antes do estabelecimento e da explosão do mercado fonográfico já existiam essas divisões. Ainda no século 19, Blues, Bluegrass e músicas tradicionais de diversos países (chamados de Folk), entre tantos outros, já existiam como termos para designar as particularidades do que depois de algum tempo ficaria conhecido “gênero” (ou “estilo”). Sem nenhum tipo de pressão mercadológica, pelo simples fato não existir de fato um mercado, elas cumpriam seu papel em fornecer informações aos ouvintes do que eles estavam ouvindo, não só sobre as semelhanças e pontos em comum, mas também um pouco de onde ela se originou e suas influências.

A partir do século 20, as coisas mudaram. E muito rápido. O surgimento da Indústria Fonográfica fez com que cada vez mais estilos novos surgissem. E isso se deve simplesmente a maior propagação e ao fácil acesso à música, seja por parte do ouvinte ou dos artistas. Isso, é claro, causou nos músicos o crescente interesse em misturar suas influências no processo criativo de desenvolver a sua própria. Rock and Roll, Country, Rythm and Blues, Rockabilly e outros tantos surgiram na época como variações de estilos previamente existentes. Repare que isso não é nada diferente do que acontece hoje em dia. Porém com todas essas fusões e neologismos estilísticos cada vez mais o nomes explicavam cada vez menos sobre o objeto, simplesmente porque eles já não eram mais tão simples como costumavam ser antes destas fusões. A tendência disso é continuar e talvez chegue um ponto em que classificar música (pelo menos nesse sentido de “estilificar”) não seja mais necessário ou interessante, mas ainda não chegamos a tal ponto e ainda há benefícios nessa classificação (tanto que temos uma coluna quinzenal dedicada a esses novos estilos).

”Definir o trabalho de um artista através de um nome é algo meio simplista”

Querendo ou não, gêneros são rótulos, etiquetas que ajudaram a organizar discos nas prateleiras. Delimitar ou restringir aspectos mais minuciosos é uma consequência, mas de certa forma a mesma coisa acontece também na anatomia e outros tantas ciências. O que importa é que o ouvinte possa, a partir desses aspectos mais amplos, possa se comunicar mais facilmente com os pequenos detalhes que fazem de cada música ou artista único. “No meu ponto de vista o nome dos estilos musicais servem mais para explicar para o ouvinte as origens e referências daquela banda ou artista, do que realmente definir a sonoridade”, nos contou Filipe C., dono de músicas que não são facilmente colocadas sob essa ou aquela etiqueta musical. “Definir o trabalho de um artista através de um nome é algo meio simplista”, acrescentou.

Voltando ao debate sobre a sacralização ou vilanização deles. Estilos por si só são ideias, estéticas ou meios usados por artistas para dar vazão sua arte – não muito diferente do que o Cubismo, Impressionismo ou Dadaísmo representam à pintura ou que Comédia, Horror e Drama, ao cinema. Elas nada mais são do que alicerces sob as quais novas obras podem ser construídas – o resultado depende sim dessa base, mas não inteiramente dela, afinal duas obras dentro de um mesmo gênero raramente soam exatamente iguais, por mais que guardem muitas semelhanças. Veja bem, eu disse raramente. Existem sim bandas ou artistas que se apegam tanto a uma ou outra vertente que acabam se tornando extremamente genéricos dentro dos paradigmas de tal estilo, exercitando de maneira prodigiosa os preceitos de um determinado gênero, porém esquecendo-se de dar sua própria cara ao trabalho – dando forma, mas nenhum conteúdo a ele. Nesses casos, o resultado geralmente soa sem alma e muitas vezes desinteressante por parecer não serem autorais ou mesmo sinceros, por soarem demasiadamente mecanizados.

“Infelizmente, vejo que muita gente hoje em dia se diz mente aberta para o novo, mas na verdade é totalmente fechada”

É claro que a culpa não está na ideia em si, mas em quem decidiu segui-la tão cegamente. Porém, isso não é uma exclusividade dos artistas. Muitos ouvintes se pautam por esse ou por aquele gênero e se enclausuram em uma bolha estilística. “Infelizmente, vejo que muita gente hoje em dia se diz mente aberta para o novo, mas na verdade é totalmente fechada. É comum eu ver um pessoal que abraçam um estilo só – ou no máximo seus subgêneros- e não procuram o novo, ou pior, não aceitam ouvir o novo”, comentou nosso colunista de estilos Vitor Ferrari. Essa quebra de amarras em gêneros é uma bandeira que erguemos desde sempre e incentivamos nosso leitor a perder seus preconceitos e a experimentar livremente a Música Nova.

Outro ponto onde muitas opiniões convergem é quanto à validade desses termos no dia hoje. Se “Indie” ou “Alternativo” tinham um significado há 20 ou 30 anos atrás, hoje em dia já não o representam, ou melhor, não transportam a mesma essência do que o gênero foi naquela época para a atualidade. Esse desgaste em rótulos é natural e fica evidente não só por esse motivo, mas também quando vemos surgindo a todo o momento novos nomes para designar certo tipo de sonoridade. A partir daí surgiram incotáveis disignações como Beat Scene, Minimal, Math Rock, Acid Jazz, Nu-Disco. Essa é uma verdadeira salada de nomes que diretamente comunicam pouco e que faz mais sentido para quem é um “estudioso de música” do que para o ouvinte regular.

“A música Pop em 2013 não tem mais estilos separados. Os rótulos são frágeis, não se sustentam”

O ponto principal desse acelerado surgimento de novas tags foi mais uma vez a explosão do acesso à música, mas dessa vez não por discos e sim pela Internet. Se fusões já eram comuns no começo do século 20, neste novo elas acontecem com uma frequência assustadora. Bons (felizmente, há muitos deles) ou não, os resultados já não conseguem mais ser explicados pelo mesmo nome que os originou e o que implica na criação de novos (e mesmo com tantos novos nomes, algumas bandas ainda conseguem se distanciar de qualquer rótulo). “A música Pop em 2013 não tem mais estilos separados. Os rótulos são frágeis, não se sustentam”, nos disse o jornalista Carlos Eduardo Lima, que ainda acrescenta “Estamos caminhando para um momento em que os rótulos não servirão para distinguir nada, e tenderão a desaparecer”.

Próximos da extinção ou não, rótulos ainda hoje nos ajudam não a definir categoricamente o que a música representa (o que de fato nunca fez ou pretendeu fazê-lo), mas a encaminhar nossa busca ou a orientar nossa percepção do que é uma obra batida ou inventiva dentro de algum estilo. Mais do que delimitar algo (isso ouvintes e artistas fazem por si mesmos), eles nos ajudam a nos organizar, como se fosse uma espécie de gramática musical com a qual podemos explicar (bem como entender) melhor o invólucro sonoro de uma obra. É claro que o entendimento subjetivo ainda desempenha um papel fundamental em como lidamos com elas, mas isso é assunto para outro dia. No final das contas, vale ressaltar que ideias por si só não são perigosas, o que fazem com elas, essas sim podem ser.

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MARCADORES: Estilos

Autor:

Apaixonado por música e entusiasta no mundo dos podcasts