Agora Sim é A Hora E Vez De Onagra Claudique

Duo mostra com álbum completo que é muito mais do que apresentou em seu ótimo EP de estreia

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O fim de agosto se aproximava e o clima maluco de São Paulo permitia um calor intenso mesmo em uma tarde de inverno. Andando pelo bairro do Bom Retiro em meio a diversas lojas de tecido e restaurantes orientais, chego no número 155 da rua indicada e vejo apenas uma casa. Se não soubesse que era ali onde o primeiro disco do duo Onagra Claudique estava sendo gravado, teria passado reto. Após algumas mensagens trocadas com Roger Velença, sou recebido pelo músico na porta do estúdio. Não tarda e um cachorro, Lorde, também vem me receber na entrada, com toda a alegria do mundo.

Já dentro da casa, avisto no fundo do corredor um piano. Sou conduzido até lá e descubro que estou na verdade em uma cozinha que, além do instrumento, abrigava uma longa estante cheia de livros, discos e algumas peças de decoração – além dos aparatos normais de uma cozinha. Lá, me esperavam Diego Scalada, Mauro Motoki (membro do Ludov), Fabio Pinczowski e as namoradas de ambos os músicos. Depois de cumprimentar a todos, reparo na coleção de bebidas em cima da mesa, que me disseram ser o combustivel da comemoração que fariam ali mais tarde. O motivo? A finalização das gravações de Lira Auriverde, o tal primeiro disco do grupo.

Depois de um papo jogado fora sobre alguns discos atuais, os planos para as bebidas e a troca de algumas receitas de drinks, subimos ao estúdio em que a banda passou os últimos meses, junto a Mauro e Fábio, trabalhando em sua obra. Instrumentos, muitos cabos, uma grande mesa de som, sofás e alguns poucos quadros compunham aquele cenário que parecia ter sido a casa dos quatro por um longo periodo. E, de fato, todos pareciam realmente em casa. O clima era amigável e muito agradável, todos pareciam estar bem à vontade em finalmente mostrar aquilo que tanto trabalharam e agora estava prestes a ser concretizado.

Com todos acomodados na sala, começa uma breve discussão de qual seria a primeira faixa que revelariam – e que ouviriam após pronta, pois a audição da música finalizada era inédita mesmo para os dois músicos. Depois de algumas sugestões vindas da dupla e dos produtores, chega a mim a pergunta: “Quer ouvir Sagração ou três outras? Porque essa vale por três”. A escolha ficou ainda mais difícil quando os dois comentaram sobre sua longa duração (cerca de nove minutos) e brincaram dizendo que esse seria “uma éspecie de Ópera Rock” da banda.

O primeiro play veio com ela. Uma música composta por pequenos microcosmos dentro de si, partes distintas que formavam um todo e que se comunicavam muito bem – algo que realmente pode mesmo remeter a uma Ópera Rock, como os músicos brincavam mais cedo. Descrevê-la após só uma audição é um trabalho árduo, pois ela intercala diversas partes de um Rock mais brando, com outras de algo mais Pop, outras com um tom mais Folk e ainda alguma ambientação do Shoegaze, vinda principalmente pelo timbre e atmosfera que a guitarra criava em alguns momentos. Um som que, mesmo com tantos elementos diferentes, mostrava que eles foram muito bem entrelaçados e que cada segmento tinha seu propósito, parecendo chamar a próxima parte.

O impacto de ouvir esta faixa, vinha não só pelo quão diferente ela soa se comparada às de A Hora E Vez De Onagra Claudique, mas também ao mostrar o quanto a banda ambiciona para seu primeiro álbum, e soma-se isso ao fato de ver sua evolução nos dois anos que separam as duas obras. Instrumentalmente e liricamente, era visivel, já ali na primeira faixa, que muita coisa seria diferente em relação àquele primeiro trabalho – o que mais tarde Fábio e Mauro também apontariam em nosso bate-papo.

Onagra

Alguns segundos após o termino, eu, ainda atordoado e sendo observado pelos músicos, dou meu parecer mais que positivo sobre a faixa, ressaltando o quanto ela é grandiosa e diferente do que foi visto no EP. A partir daí, nossa conversa flui para o quanto será dificil adaptá-la aos palcos. “Começa agora outro proceso do começo, que é pensar o show para essas músicas. Tem umas do EP, como Mais Cinco Minutos, que a gente não consegue tocar mais por ser muito acústico [risos]”, comenta Roger, que ainda continua, “E agora a gente tem outro ‘problema’, porque tem muitas coisas no álbum, ele tá super floreado com sintetizadores e vários efeitos de guitarra”. O tal “problema” é na verdade um leque de possíbilidades ainda maior que se abre para as apresentações ao vivo do duo, o que nos deixa bem curiosos e ansiosos para o show de estreia de Lira Auriverde.

“A gente fez um arranjo se desapegando do tamanho do banda”, comenta Mauro. O produtor acrescenta dizendo que o poder das composições trazidas pelo duo era tão grande que o fato de tocar como uma dupla limitava o quão longe elas poderiam ir. “Acontecia muito isso, porque as músicas eram compostas sempre pelos dois em seus violões e eles alternavam, enquanto um cantava, outro fazia uma frase no violão, então a gente viu que não tava funcionando tão bem dessa forma. As músicas tinham um clima muito forte para ficar apenas nisso”, comenta Fábio. Assumindo, agora, o formato de banda (incluindo músicos que já tocaram com os dois em muitos dos shows), as canções teriam muito mais espaço para crescer e tomar maiores proporções que o formato anterior de dupla limitava.

Empirimístico foi a segunda faixa que me mostraram e a descreveram como “um dos extremos” do álbum. Logo os primeiros segundos já me prenderam a atenção por seu misto que apresentava um pé no Folk e outro no Jazz. Com boas linhas de baixo, letras bem “Onagra Claudique” e o vocal de Diego, a faixa segue uma linha mais “normal”, se comparada a Sagração, mas ainda assim com muito mais corpo e presença do que as músicas lançadas antes pelo duo. Com ótimos arranjos e letras que mantém a qualidade de suas antecessoras, ali ficava evidente o quanto a banda progrediu em sua obra.

“Agora, até como fã da banda, eu vejo que os dois evoluiram muito como letristas e como compositores. É realmente admirável. A gente já gostou desde o começo, desde que começamos a trabalhar no EP, mas esse disco tem músicas que vão além”, diz Mauro, também apontando esse desenvolvimento do duo. “E sem contar que é bem legal trabalhar com eles. A gente conheceu o Fábio e Mauro no EP e voltar agora para esse estúdio para gravar o disco é outra pegada, você já vem conhecendo os dois. É um astral que acho que não existe em mais nenhum estúdio de São Paulo. Um negócio de você se sentir bem, se sentir em casa… tem uma cafeteira ali [risos]. Isso faz toda a diferença.”, completa Diego.

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E falando sobre isso, o músico ainda complementa dizendo que os produtores foram fundamentais no processo de feitura do álbum, colaborando para realmente dar forma às faixas que compuseram. “A participação do Fábio e do Mauro foi muito importante. Eu e o Roger fazemos as músicas e temos um processo de composição que é encerrado e às vezes não conseguimos encontrar exatamente o que a gente procura. Nessa parte que entram os dois, para propor soluções para essas composições”.

“Acho que a gente trabalhou muito os arranjos”, disse Fábio. “Com o EP, nosso tabalho foi mais de receber as músicas, chamar um pessoal e gravar. Sem menosprezar o resultado, mas aquele foi um processo pouco mais superficial em relação a esse” completa o produtor. “Acho que aquele foi um trabalho mais intuitivo, de pegar a composição e traduzir no estúdio. Esse, além de todo o lance da intuição, teve muito cérebro, muita elucubração”, salienta Mauro antes de me mostrar mais uma faixa do novo álbum.

Mais um “extremo” viria com a faixa Abafado. Tudo o que disseram dos arranjos mais grandiosos e com mais elementos foi repensado para esta faixa, que, ao contrário dessas, segue um clima mais Folk e “minimalista” se comparado ao restante do disco. À base de voz e violão, a canção se apresenta quase no mesmo clima de Mais Cinco Minutos com sua base acústica e uma vibe “Kings of Convenience”. Os músicos ainda brincaram que estavam me mostrando somente os pontos mais extremos do álbum para que tivesse um pouco mais de trabalho na hora fazer a matéria – e sim, eles estavam certos.

Foram quase cinco meses trabalhando no álbum, desde o processo de apresentar as músicas à dupla de produtores, até rumarem ao estúdio para retrabalharem essas composições e aí sim gravarem. Um processo, segundo eles, “a muitas mãos” e que pode ser ajudado também pelo fãs através de um financiamento coletivo (também conhecido como crowdfunding) pelo site Catarse – lançado na primeira quinzena de agosto.

“O Catarse tá indo bem. Aquela história de sempre, todo mundo meio desconfiado; ‘Será que vale a pena?’, ‘Será que o pessoal vai ajudar?’, ‘É legal pedir dinheiro pros outros?’”, comentou Roger sobre o “crowdbegging”, como brinca Fábio. A dupla ainda comentou que é gratificante ver as pessoas se envolvendo naquilo e querendo ajudar a fazer acontecer, algumas vezes sem nem mesmo pedir as recompensas que a plataforma oferece em troca.

O tópico ainda rendeu alguns comentários sobre como essa nova ferramenta tem sido abraçada por novos artistas – e ainda comentaram de Ludov, que conseguiu recentemente viabilizar um lançamento desta forma. O choque de gerações nesse momento revelou que, mesmo vindo de épocas diferentes, as novas tendências e o novo panorama da indústria, faz com que cada vez mais os artistas independentes procurem novas saidas ou novos meios de conseguirem produzir sua arte. “Você sempre acaba pedindo dinheiro para alguém, mas dessa vez você elimina quem não está interessado”, diz Roger.

Com três faixas novas mostradas e um bom bate-papo com o músicos, saí do estúdio pensando nas coisas que me disseram lá, mas, mais que isso, no quanto a banda evoluiu desde o primeiro contato que eu tive com o EP e desde o primeiro show, no SESC Pompeia. E por falar nessa apresentação, ela, agora, me parece capturar melhor o espirito da dupla. Ali, se via algo bem distinto da clausura Folk de A Hora E Vez de Onagra Claudique, mostrava uma banda que buscava em sonoridades diversas o caminho para dar vazão às suas composições. Pelo que pude ouvir do álbum, ele seguirá bem neste caminho de não se delimitar em um ou outro gênero, o que sem dúvida alguma tornará a experência de ouvir a obra muito mais completa. Se posso afirmar algo com certeza, é que agora sim é A Hora E Vez De Onagra Claudique.

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MARCADORES: Novo álbum

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Apaixonado por música e entusiasta no mundo dos podcasts