Amor, imaginação e sonhos. Estes são os três elementos que regem a criação sonora do duo francês Air. O nome – sigla de amour, imagination e rêve, em francês – nos indica não apenas um caminho, mas um verdadeiro universo estético a ser explorado. Formada em meados dos anos 1990, em Versailles, a dupla Nicolas Godin e Jean-Benoît Dunckel ocupa um lugar entre a música eletrônica, o pop e toques de música clássica. Uma espécie de amálgama da cena eletrônica francesa emergente nos anos 1990 com a tradição clássica do pop Hi-Fi das décadas 1960 e 1970. Para além da sigla, o nome do duo acaba por simbolizar essa presença em diferentes cenários a partir do elemento ar –e percorrer sua discografia é como se deixar levar por um mistério fascinante e convidativo. Em seis discos de estúdio, além de álbuns especiais, trilhas sonoras e EPs de raridades, a obra do Air costuma vir acompanhada por elogios como “chique” e “Hi-Fi” e, além do refinamento musical, seu apelo vem da diversidade de propostas e das jornadas criadas por meio de som.
Desde o clássico Moon Safari (1998), o duo sempre compôs a serviço de uma narrativa. Há uma história interessante em cada canção, conduzida por muitos sintetizadores que se aliam à suavidade. Daí o casamento perfeito entre Air e cinema, resultando na trilha sonora de filmes como As Virgens Suicidas (2000). Durante os anos 2000, o duo não passou imune aos encantos da indietronica – redirecionando a distorção rumo a uma linguagem mais requintada. Um jogo de contrastes conduzido habilmente.
Esta seleção de 15 faixas é um mergulho pela versatilidade do duo, marcando alguns pontos-chave de construção e reinvenção, que, mais do que criatividade e sofisticação, evidenciam múltiplas pesquisas e linguagens musicais. Hits mais óbvios, como “Sexy Boy”, ficaram de fora para dar lugar a pequenas pérolas escondidas e subestimadas.
“La Femme D’argent”
Em meio a muito suingue, a dama de prata é a figura que inaugura uma densa – mas sempre prazerosa – viagem, alternando psicodelia e um jazzeado piano elétrico.
“All I Need” (feat. Beth Hirsch)
Mixada por Stéphane “Alf” Briat, a disposição dos instrumentos é um dos charmes desta parceria com Beth Hirsch – solidez e, ao mesmo tempo, suavidade.
“Ce Matin-Là”
Faixa instrumental inspirada em arranjos clássicos do pop francês dos anos 1960, é uma transição sutil da nostalgia para uma psicodelia contemporânea.
“Le Soleil Est Pres De Moi”
A faixa do EP Premiers Symptômes assegura uma atmosfera lounge, mas mantém brincadeiras experimentais, como o vocoder – tão marcante na cena francesa dos anos 1990.
“Playground Love”
Com a repercussão dos primeiros discos, veio a trilha sonora de As Virgens Suicidas. Aqui, temos uma extensão da estética Air para o audiovisual – em meio à melancolia e à beleza do filme de Sofia Coppola.
“People In The City”
Entre os destaques de 10,000 Hz Legend (2001), a faixa abraça uma psicodelia folk entrecortada – como um Pink Floyd em alta fidelidade e, se possível, ainda mais lisérgico.
“Cherry Blossom Girl”
Reunindo experimentação e fortíssimo apelo pop, é uma das canções fundamentais do duo – com refrão pegajoso e flerte com o indie rock crescente dos anos 2000.
“Surfing On A Rocket”
A divertida faixa de Talkie Walkie mescla drum machines e guitarras espaciais – como se estivéssemos, de fato, surfando em um foguete pelo espaço.
“Alone In Kyoto”
Parte da trilha de outro filme de S. Coppola, Encontros e Desencontros, é uma composição introspectiva e melancólica – mas de arranjos capazes de complexificar os sentimentos. Como uma felicidade atormentada.
“Once Upon a Time”
Como o próprio nome sugere, a canção de Pocket Symphony (2007) carrega uma sensação de fantasia, como um conto de fadas – porém com trilha psicodélica dos anos 1970.
“Mayfair Song”
Com percussão minimalista, é hipnótica tanto pela repetição das notas, como pelos elementos que se sobrepõem e geram novas percepções.
“Sing Sang Sung”
Um dos singles – e clipes – mais memoráveis do duo, é um escape completo da realidade. (Talvez como a bolinha que aparece durante o vídeo…).
“Missing the Light of the Day”
Com arranjo que bebe das noites eletrônicas de Berlim e da New Wave, a faixa de Love 2 (2009) reafirma o poder do duo de manusear diferentes humores a partir de sintetizadores analógicos.
“Love”
Acompanhada por um sequenciador emulando bossa nova, a faixa coloca os anos 1960 de volta ao protagonismo, porém revisto a partir de novos timbres.
“Moon Fever”
O último disco de inéditas do duo é uma homenagem a Viagem à Lua (1902), de Georges Méliès. Com tom misterioso, a faixa ressignifica uma das narrativas mais antigas do cinema por meio de uma trilha amorosa, imaginativa e sonhadora.