Alderan: uma história (sobre o fim) dos anos 1980

Produzido por Luiz Schiavon, do RPM, o único LP da banda, lançado há 30 anos, era recheado de canções prontas para as rádios da época – mas a realidade não foi bem assim

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Fotos: Reprodução

Na vida profissional, existe uma máxima de que para progredir na carreira é necessário “estar no lugar certo e na hora certa”. Aproveitar as oportunidades é fundamental. Você certamente já ouviu alguém proferir esse clichê, e é certo que todo clichê tem lá o seu fundo de verdade. Imagine só se Brian Epstein nunca tivesse assistido a um show dos Beatles no Cavern Club. Tá, fui longe demais. Vamos nos aterrar a uma realidade mais próxima da nossa. São Paulo, meados dos anos 1980, um grupo de garotos se reúne em um prédio na Zona Sul da capital paulista. O sonho: viver da música. Clichê, não?

A década de 1980 vinha sendo um momento dos mais frutíferos para a música jovem nas rádios do Brasil. Da Blitz ao RPM, inúmeros grupos dividiram o espaço das FMs com hits que variavam do Rock mais básico à New Wave dos sintetizadores, e a banda comandada por Paulo Ricardo era a grande epítome do sucesso oitentista. Tal como chegou ao topo, se descarrilou para um triste fim. Foi assim, com o término do RPM e à beira do surgimento do grunge, que despontou o Alderan. Um Pop Rock autoral e dos mais grudentos, influenciado por Duran Duran e Star Wars. Nada clichê, não?

“O Alderan já exista com outro vocalista, o Carlos, e eles estavam insatisfeitos com ele. Eu ia nos ensaios deles, e eles iam ver a minha banda Zeus tocar. Quando eles souberam que o Zeus acabou, demitiram o Carlos sem sequer falar comigo antes. Aí me chamaram para ir num ensaio. Fui, cantei, e eles perguntaram se eu não queria entrar na banda”, conta Luigi Carneiro, então Luis Henrique, o vocalista do Alderan.

Com novo cantor, a engrenagem formada por Ricardo Sdei (baixo), Carlos Arini (bateria), os irmãos Marcelo Ricardo (guitarra) e Edgard Junior (teclado), tinha na New Wave dos anos 1980 sua principal fonte de inspiração. Não só na música, diga-se. O visual da banda incorporava os excessos da moda na época: coletes, suspensórios, calças de cintura alta e, é claro, os mullets. O nome era uma homenagem ao planeta Alderaan dos filmes de Star Wars. Dono de suas próprias canções, o grupo passou meses à espera de uma oportunidade que os tirasse da garagem de ensaios, a “Alderolândia”. O que eles não esperavam é que essa chance viria de uma maneira tão improvável. “Tio Edgard (pai de Marcelo e Edgard Junior) era advogado e fez uma transação de um imóvel envolvendo o Luiz Schiavon, do RPM. Disse que os filhos tinham uma banda, depois perguntou se ele (Schiavon) não gostaria de assistir a gente tocar. Ele disse que iria. Nós ensaiamos, e aí no dia do show chegou o Schiavon em um muscle car americano na porta da casa do Junior. Fizemos o show ali mesmo, só para convidados. Ele viu, gostou e então resolveu produzir o álbum”, relembra Luigi.

Schiavon recorda a ocasião: “O que me impressionou muito foi o nível de desenvolvimento em que as músicas estavam. Eles estavam com as canções muito bem ensaiadas e preparadas. Todos tocando muito bem, e o Luis Henrique (Luigi Carneiro) era excelente, tinha uma voz muito boa. A qualidade de todos os músicos se destacou. As canções eram sólidas, muito boas, muito bem compostas e arranjadas, então isso me chamou a atenção dentro da cena musical da época, em que o pessoal estava tocando meio de qualquer jeito. As novas bandas não tinham a preocupação com a qualidade, com a forma de tocar, arranjo, detalhes”.

Descobertos pelo tecladista do RPM, os membros do Alderan tiveram em 1989 a chance de transformar o material tão ensaiado ao longo de dois anos em um álbum de estreia. “O trabalho no estúdio foi relativamente simples, pois eles estavam muito bem ensaiados. A gravação foi bastante tranquila. Fizemos no meu estúdio, que tinha bons recursos para gravação, mas, pela complexidade do disco deles, sugeri que a mixagem fosse feita em um estúdio maior e com mais recursos, o Transamérica. Gravamos e mixamos o álbum em coisa de um mês, foi bem rápido”, lembra Schiavon.

Lançado em 1990 pela gravadora Esfinge e produzido por Schiavon, Alderan foi promovido em muitos dos programas de auditório da época. Do Matéria Prima, de Serginho Groisman, ao Milk Shake, de Angélica, a banda se aventurou por playbacks obrigatórios e entrevistas constrangedoras. “Super bonitos, uma ótima música, um ótimo visual. Só tem que dar certo mesmo. Vai arrebentar a boca do balão”, disse a apresentadora do SBT Mariane Dombrova, certa vez.

“Eram todos playbacks, a não ser o Matéria Prima, do Serginho Groisman. Era mais complicado, mas muito mais legal. Tocar na TV Cultura era um tesão. O nível de respeito com o artista era incrível. Eles mandavam até ônibus para buscar a gente em casa. Já na Angélica (gravado no Rio de Janeiro), por exemplo, fomos de avião na primeira vez. A gravadora pagou a ponte área. Na segunda e na terceira vez, já começamos a ver que alguma coisa estranha estava acontecendo, passamos a ir de busão mesmo”, conta o vocalista.

Apesar dos simpáticos elogios de Mariane ao grupo, o Alderan não arrebentou a boca do balão como se esperava. Problemas de distribuição do álbum nas lojas, além da falta de foco da gravadora, minaram o alcance da música do quinteto paulistano. Apesar do bravo esforço de alguns funcionários de Esfinge em fazer o Alderan decolar, sem disco na loja não havia chances nem de prospectar uma turnê pelo país. “A primeira tiragem vendeu rápido, foi de 5 mil cópias. A gente recebia cartas de fãs do Nordeste, do Sul, perguntando onde achar o disco. Só que o disco não tinha distribuição nenhuma, a não ser pela região da cidade de São Paulo e do Rio. A minha percepção é a seguinte: quem ouviu o Alderan na época, gostou pra caramba. Mas quem foi atrás de comprar o disco, não teve como comprá-lo. ‘Tô procurando e não acho em lugar nenhum’, era o que a gente ouvia. Não adianta produzir se você não consegue distribuir”, lamenta.

A crítica musical também não ajudou. Em resenha da saudosa Bizz, a estreia do Alderan foi colocada como uma tentativa da gravadora de reavivar o fenômeno do RPM – “O Alderan está fora de sincronia”, escreveram. Em 1990, o mercado já era dominado por boybands  como Dominó e Polegar, e uma banda com músicas próprias e instrumentação ousada e apurada já parecia fora de escopo. Sinais da época. “Houve, de certa forma, uma falta de ‘educação musical’. Os caras falaram ‘o disco é produzido por um ex-RPM’, logo ele está tentando compensar o fim do RPM trazendo uma nova banda que seja suplente’. O Schiavon gosta muito do Brian Eno (Roxy Music). O Nick Rhodes (Duran Duran) gosta muito do Brian Eno. Talvez venha daí uma semelhança (entre Alderan e RPM). Só que o Paulo Ricardo tem uma formação musical completamente diferente da minha. Em termos de musicalidade, também acho o Sdei muito superior ao que o Paulo fazia no baixo”, comenta Luigi.

Schiavon entende as comparações com a própria banda, mas acredita que as propostas dos dois grupos eram diferentes. “As comparações com o RPM eram inevitáveis. Primeiro, pois era uma influência deles. Eles gostavam do RPM, como de Duran Duran. A estrutura musical era parecida, especialmente por eles terem um bom tecladista, com uma considerável parcela de trabalho em cima de teclados. Mas eram bandas distintas. A proposta musical do Alderan era até mais Pop que a do RPM, eles trabalhavam as canções de uma maneira mais clássica. O fato de eu ter produzido fez com que os jornalistas associassem uma coisa a outra. Isso não se tornou um obstáculo na carreira deles, pelo contrário, chamou a atenção de uma maneira positiva”, afirma.

Frustrados com o descaso da gravadora, os integrantes do Alderan tiraram o pé do acelerador. Músicas para um segundo álbum chegaram a ser compostas, algumas até gravadas em demos. Luigi, inclusive, confirma que existe a intenção de que essas canções sejam regravadas, agora de maneira profissional. A banda, recentemente, se reconectou por meio de um grupo de WhatsApp criado pelo baixista Ricardo Sdei. “O segundo disco que a gente fez, e que nunca foi lançado, é muito mais animal do que o primeiro. Letras muito mais conscientes, mais relevantes para o cenário brasileiro da época. Estávamos enveredando para uma coisa que não tinha no Brasil, que era um lance Europop, na pegada de Pet Shop Boys e Depeche Mode. Devemos regravar uma que chama ‘Mal me quer tão bem’”.

O grupo tentou apresentar as músicas novas para as gravadoras, mas não houve interesse. Com contas a pagar, cada integrante passou a buscar uma alternativa à banda. Luigi, que já tinha aberto portas no mercado publicitário, dedicou a carreira nos anos 1990 aos jingles. Ele também foi a voz de temas de televisão de seriados japoneses como Solbrain e Yu Yu Hakusho, ambos transmitidos pela extinta TV Manchete. O Alderan se desfez pouco depois da demissão do baterista Carlos Arini, uma ideia que partiu de Luigi. O vocalista carregaria consigo essa culpa por anos a fio. “Eu vivi 30 anos com uma percepção. Em 1992, nós chegamos em um situação de: O que está acontecendo com o Alderan? Por que não estamos indo para frente?’. Só que a gente não conseguia identificar qual era o problema. Alguém de fora, não lembro quem, disse que a gente tinha um puta baixista, mas que não tinha onde se sustentar. O Arini não acompanhou a evolução do Sdei. Na minha cabeça, achei que era verdade. Sugeri o Cezar Belmonte (ex-Zeus) para substituir o Arini, e os outros concordaram. Foi ali que a banda acabou”.

Reunidos virtualmente neste ano, Luigi e Arini tiveram, enfim, a primeira conversa em quase três décadas desde a separação. “O Arini entrou no grupo (de WhatsApp) e falou: ‘Primeira coisa, eu não sei de onde que você tirou essa ideia de que eu culpo você de ter me chutado da banda. Mesmo que a ideia tenha saído de você, o Sdei e o Marcelo eram meus brothers, e todos concordaram com a decisão. Te amo, cara. Você é o melhor cantor do rock nacional’. Isso foi a melhor coisa que aconteceu para mim nesse ano tão terrível”, conta emocionado

Em 2020, o Alderan completa 30 anos desde o lançamento do álbum autointitulado. Para comemorar a data especial, a banda disponibilizou o disco completo nas principais plataformas de streaming. Luigi Carneiro também aproveitou a oportunidade para apresentar uma nova versão de “Mágoas”, um dos singles lançados em 1990. Um videoclipe segue a reinventada canção, acompanhada de cenas nostálgicas de um sucesso breve, mas intensamente aproveitado. Agora, a banda reunida, mesmo que por meios tecnológicos, se prepara para lançar uma nova versão de “Velhos”, também presente no disco original. “O sonho é fazer um show no ano que vem quando a pandemia acabar”, conclui Luigi.

O Alderan subiu ao platô do estrelato, o saboreou momentaneamente, mas sem se lambuzar. Fim dos anos 1980. Lugar certo, hora certa: conjecturas de espaço e tempo que não trabalharam para que a banda tivesse a oportunidade de decolar, menos ainda de cair. O destino fez com que o o grupo não se expusesse ao risco de viver um ostracismo. O destino prendeu o Alderan a um recorte temporal ainda acessível em memórias e indefinidamente presente em canções. A arte aceita essa loucura.

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ARTISTA: Alderan, RPM
MARCADORES: 80s