Animal Collective: A Revolução dos Bichos

Banda norte-americana mostra carreira respeitável e apreço pelo novo

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Fotos: Mike Massaro

Eu imagino que os quatro integrantes de Animal Collective conheçam, entendam e gostem de A Revolução dos Bichos, romance político e distópico de George Orwell, o mesmo cara que escreveu 1984, antecipando em décadas a sociedade refém da mídia, oprimida por um governo massivo e perdida entre delírios de opressão e liberdade. Dá pra ver que o quarteto americano de Baltimore, uma das cidades mais violentas da terra do Tio Sam é gente diferente, mas como a gente. Em algum momento, lá no site da banda, há um chamado para a “AC Family”, se referindo aos fãs com este carinho de amigo para amigo, de igual, de, bem, coletividade. Essas pequenas pistas falam muito sobre o artista e elas servem sob medida para falarmos dele e de suas realizações.

Em primeiro lugar, o praxe: Animal Collective é formado por Avey Tare, Panda Bear, Geologist e Deakin. De vez em quando um deles deixa o grupo por um tempo, faz um trabalho solo e volta. E segue tudo numa boa. Alguns discos saem desfalcados, mas o som segue o mesmo: aventuroso, estranho, intrincado, psicodélico e, em alguns casos, com uma inequívoca pegada Pop gloriosa, do tipo que faria gente como Brian Wilson sentar, ouvir e sorrir. Na verdade, o som de Animal Collective está muito mais para a matriz psicodélica/experimental com pitadas eletrônicas que foi desenvolvida no início dos anos 1990 por gente do calibre de Flaming Lips e Mercury Rev em seus momentos mais auspiciosos. É uma sonoridade que aponta vertiginosamente para o futuro sem olhar muito para trás, apesar de pegar algumas referências que soam familiares a quem gosta e admira a psicodelia sessentista. No fim das contas, o resultado é equilibrado e gentil, acima de tudo.

A carreira dos caras é extensa e já conta com onze discos, sem contar o novíssimo lançamento, Tangerine Reef, que saiu há pouco. Cada álbum consegue ser bastante diferente do outro, mas o momento em que Animal Collective atingiu os píncaros da maravilhosidade universal foi quando soltou Strawberry Jam, em 2007 e o sucedeu com o superlativo Merriwheater Post Pavilion, lançado dois anos depois. Com estes trabalhos, a banda saiu de seu subterrâneo colorido e caleidoscópico, rumo às paradas de sucesso, sem ceder um centímetro em sua proposta, apenas incorporando a discreta manha de tentar fazer seus discos soarem como um Pet Sounds contemporâneo, sem conceito tão rígido e loucamente atual. Conseguiram, de certa forma. A comparação com o clássico beachboyano encerra-se aqui, até porque, como já dissemos, o som dos sujeitos nada tem a ver com o passado. A doçura de canções como My Girls, que tem quase 25 milhões de audições no Spotify, mostra o quão genial a banda pode soar.

Seria fácil pensar que a segurança do êxito faria Animal Collective se bandear cada vez mais para os holofotes, não? Errado. Os trabalhos seguintes, Centipede Hz (2012) e Painting With (2016) não repetiram os passos rumo a uma possível acessibilidade, exceto por uma cover gloriosa de Jimmy Mack, sucesso do grupo Martha And The Vandelas, do elenco da gravadora Motown, safra 1967. o resultado, contido no EP The Painters, lançado em 2017, mostra a maestria dos caras e a absoluta falta de medo de gravar um standard tão supostamente distante do que estão acostumados a fazer.

O novo trabalho já está disponível nas plataformas digitais e também será lançado em CD e LP duplo, com um conceito e um propósito nobre: reproduzir em som as paisagens marinhas dos recifes de coral, em homenagem ao Ano Internacional dos Recifes de Coral. O disco é acompanhado de um filme, produzido pelo duo Coral Morphologic e tem viés de proteção ambiental e despertar do interesse de públicos distintos para questões ambientais. Se todo mundo fosse capaz de ter iniciativas interessantes para fomentar discussões importantes e úteis, viveríamos num planeta melhor e menos chato.

Animal Collective está ativo e bem – tanto que se apresenta No Brasil nesta semana. Sua obra fala por si, seus discos são convites a um mundo colorido, novo e longe da chatice/previsibilidade. Passou da hora de você conhecer.

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MARCADORES: Redescobertas

Autor:

Carioca, rubro-negro, jornalista e historiador. Acha que o mundo acabou no meio da década de 1990 e ninguém notou. Escreve sobre música e cultura pop em geral. É fã de música de verdade, feita por gente de verdade e acredita que as porradas da vida são essenciais para a arte.