As novas cores do Terno Rei

“A gente se permitiu fazer novas experimentações, mesmo soando pop e cristalino. No fim, é um álbum pop, mas ficou mais ousado”; os quatro integrantes da banda paulistana destrincham “gêmeos”, disco que acaba de sair pela Balaclava Records

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Fotos: Fernando Mendes

Em 2019, Violeta, o terceiro álbum do Terno Rei, se tornou algo como um cartão de visita tardio da banda paulistana, levando o som de Ale Sater (voz, violão, baixo), Bruno Paschoal (guitarra, baixo, sintetizador e voz), Greg Maya (guitarra e sintetizador) e Luis Cardoso (bateria, voz) a novos públicos e rendendo recepção calorosa da crítica, além de uma recheada turnê iniciada em fevereiro daquele ano. No embalo das viagens, a banda viu, em março de 2020, todas as datas do ano serem canceladas – incluindo um show no Lollapalooza Brasil. A apresentação no festival acontece no fim deste mês, e março de 2022 – já consideravelmente distante daquele de dois anos atrás – representa, enfim, o reset após tantas incertezas. Todos esse sentimentos estranhos e ansiosos, misturados a um desejo urgente por cumplicidade e alívio, estão presentes em gêmeos, que chegou às plataformas ontem 9 de março, pela Balaclava Records.

Antes de Violeta, Vigilia (2014) e Essa Noite Bateu Com um Sonho (2016) tiveram lançamento e repercussão mais tímidas e a própria banda já revelou que o terceiro álbum havia sido como uma “última tentativa” – talvez por isso tenha canções tão verdadeiras e relacionáveis, como “Medo”, do verso “eu já não tenho medo de voar”. A liberdade e a autonomia seguem em gêmeos que logo nos primeiros segundos entoa “eles querem tudo e tudo eu não posso dar”, na abertura “Esperando Você”. Além das letras, a banda seguiu desapegada de expectativas e fórmulas também na maneira de compor e construir o projeto, mesmo após o sucesso de Violeta. Ainda que tenha perseguido certa coesão e se escorado no que eles chamam de “três lados”.  “Por mais que a gente tenha crescido agora, a galera que gosta da gente é a galera fissurada em música, que espera um álbum de um conceito só, então, no processo, ficamos pensando se não iria misturar demais uma faixa como ‘Internet’ e outra que tem influência de Verocai, mas aí seguimos. A sonoridade que a gente fala tem três lados: o lado 2000s bem chiclete – ‘Dias da Juventude’, ‘Esperando Você’ e a própria ‘Internet’; o mais synthpop, tipo ‘Difícil’ ou ‘Sorte Ainda’; e o lado acústico, em ‘Olha Só’ e ‘Aviões’”, analisa Ale.

Símbolo de dualidade (e no zodíaco, também de versatilidade), o título do disco, não por acaso, tem várias explicações, segundo a banda que concedeu entrevista presencial – a primeira em dois anos – ao Monkeybuzz. “A primeira é a palavra mesmo. Quando eu falo, penso em várias coisas. Ela é ambígua, mas de um jeito bom, é uma palavra misteriosa, tem o lance do signo também. Segundo acho que tem a ver com a nossa relação, com a gente estar muito tempo junto, são 12 anos. De um conhecer tão bem o outro, quase como gêmeos. E a amizade, seja do lado bom ou ruim, é um assunto que aparece bastante no disco. ‘Dias da Juventude’ mostra aquela amizade de quando se tem 15 anos e existe uma pessoa para a qual você conta tudo, se sente confortável. A gente quis trazer esse sentimento de confiar totalmente em alguém”, conta Ale, que ainda revela não haver “nenhuma profundidade zodíaca” na escolha do nome, ainda que, segundo ele, isso seja “a cereja do bolo”. “A grafia da palavra também é bonita”, completa.

No espectro solar, o azul e o verde vêm justamente após a cor violeta – coincidência ou não, são os tons que permeiam a capa com fotografia de Fernando Mendes e projeto gráfico de Felipe Araújo – “a gente não pensou nisso, mas agora pode ser uma nova justificativa”, comenta Sad, rindo. Para Ale, o verde e o azul também trazem referências aos sons dos últimos anos da década de 1990, que fazem parte das influências musicais de gêmeos.

Desenvolvidas entre agosto de 2020 e julho de 2021, as canções surgiram com o inescapável tempo hábil que veio com a pandemia. “A real é que a gente tinha que começar, já tínhamos lançado Violeta havia um bom tempo”, diz Greg. “E havia umas coisas no estoque, tipo ‘Brutal’ e ‘Sorte Ainda’”, complementa Ale. As 12 faixas trazem diferentes moods, como a banda mesmo definiu, e muito disso se deve a produção que traz mais cabeças pensantes para organizar o quebra-cabeça sonoro. Além dos colaboradores recorrentes Amadeus De Marchi e Gustavo Schimer, o disco contou com a produção de Janluska, que havia trabalhado com a banda na versão de “Lilás”, de Djavan, e na faixa “Pivete”. “Trouxe uma carga muito boa e foi desgastante com três produtores, porque eram sete pessoas enchendo o saco ali todo dia, mas para o disco foi irado”, lembra Sad. O ar elegante de gêmeos foi ornamentado pela presença de cordas em quatro faixas (“Esperando Você”, “Olha Só”, “Dias da Juventude” e “Internet”), dessa vez, de maneira orquestrada, diferentemente do que ocorreu em Violeta, quando a banda utilizou instrumentação digital. “Mandamos o disco para a Érica Silva, lá de Curitiba, que manja muito de cordas. Ela ouviu e trabalhou nas faixas que funcionariam melhor”, conta Sad.

“Você consegue ver que o DNA da banda está lá: as mãos leves do Loobas na bateria, meu baixo espacial, a guitarra base do Sad, as guitarras mais ‘tosquinhas’ do Greg. Mas, ao mesmo tempo, é um conceito mais abrangente” – Ale

Ainda que gêmeos resguarde a essência da banda, há algumas sutilezas que tornam o repertório diferente do que ouvimos do Terno Rei até aqui, mostrando algumas outras facetas que expandem possibilidades estéticas ou, como diz Ale, buscam coisas novas. “Você consegue ver que o DNA da banda está lá: as mãos leves do Loobas na bateria, meu baixo espacial, a guitarra base do Sad, as guitarras mais ‘tosquinhas’ do Greg. Mas, ao mesmo tempo, tem uma música que o Loobas usa o aro, o Greg usa mais fuzz, distorção – e a gente geralmente usa guitarra limpa. Na ‘Difícil’, tem o elemento raiva na minha voz, as cordas. É um conceito mais abrangente”.

E são gratas surpresas as faixas que apresentam outras abordagens do Terno Rei, como na citada “Difícil”, que desnorteia e revigora, encarnando urgência e caos de forma viciante.  “A gente tinha feito várias versões dessa música, porque a melodia era boa, letra boa, mas não estava encaixando, aí no sítio (Estúdio Sítio Romã) tomando várias, colocamos uma música que tinha o beat mais acelerado assim, do Buerak, sabe? Aí a gente pensou ‘por que não tentamos acelerar?’ não copiar o beat, mas tentar acelerar. Em cinco minutos estava todo mundo chorando assim”, lembra Loobas. “Foi a mais catártica”, completa Ale.

“O processo não rolou de maneira tranquila, mas tudo se resolveu e passou” – Sad

Já em “Trailers”, novamente é o inesperado que chama a atenção e nos arranca suspiros. Tem a energia do novo-pop-torto-quebrado capitaneado por Billie Eilish, mas vai além, com elementos que esbarram no duo eletrônico Mount Kimbie e no minimalismo de James Blake. “O Ale tinha ela no violão e ele ficava tocando ela na pré-produção quando a gente tava no sítio, e o Janluska, que tem muito dessa linhagem de uns sons mais quebrados, pirava quando o Ale tocava e pediu para produzir. Ele fez um rascunho, voltou com ela e aí saiu em um dia”, lembra Sad. “No começo, quando a gente pegou as prés pensamos que tinha potencial para um single, a estrutura dela é bem legal é pop, tem tema, verso, refrãozão, parte c bonitona, refrãozão e tema. Ela tem um quadrado legal e eu gosto muito. É que naquele negócio que a gente falou de conceito, essa é uma que a gente pensou ‘será que essa não está fora?’ Mas jogamos para canção de novo nessa faixa e fizemos o que ela pedia”,  conta Ale. A bela, delicada e misteriosa “Isabella” tem título inspirado em Arthur Verocai que, no clássico álbum de 1972, batizou duas canções com nomes femininos. “Como víamos bastante dele nessa faixa, pensamento em colocar um nome de mulher no título”, completou Greg.

Indo além nas referências e pensando em espaços/atmosfera, a banda, em seus trabalhos anteriores, trouxe uma melancolia (ainda que bela) que soava muito mais atrelada a São Paulo – como um sentimento esmagador de se viver na maior cidade da América do Sul. Agora, o cenário parece ter mais a ver com as montanhas de Minas Gerais. Muito da magia em gêmeos é pintar belas paisagens, cenários e criar a sensação de um tempo suspenso, nostálgico. O que há de mais brasileiro no disco remete ao sentimento de camaradagem de Lô Borges, às deliciosas baladas de amores inabaláveis do Skank, às sutilezas do Pato Fu ou à delicadeza de Jennifer Souza. Não precisamos nos esforçar muito para imaginar o Terno Rei de 2022 encantando crianças e adultos e figurando em trilha sonoras de novelas de Manoel Carlos. “A gente ficou muito nostálgico com a pandemia, então acho que isso influenciou. Eu, por exemplo, estava ouvindo muito Pato Fu, aquela ‘Perdendo os Dentes'”, conta Sad. “Até um tempo atrás eu mandei pro Vitor Brauer (Lupe de Lupe) algumas músicas e ele também falou que lembrou da Fernanda Takai”, completa Ale.

“Eu não quero pegar mais a estrada de Curitiba, traumatizei [risos]” – Greg

Qual música do disco vocês gostariam de ver na trilha sonora de uma novela? 

Sad: "Aviões" ou "Dias da Juventude".

Loobas: "Aviões", já imagino a cena da mina olhando a foto do cara. 

Greg: "Brutal". 

Ale: "Aviões", acho que pela letra. "Internet" acho que muito pelo começo dela, é uma música que eu sempre quis fazer e acho ela bonitona.

“É um álbum em que a gente se permitiu fazer novas experimentações, mesmo soando pop e cristalino. No fim é um álbum pop, mas ficou mais ousado”, pontua Sad. Se sonoramente o grupo buscou outras possibilidades, as letras também propõem novos impasses, desafios e conquistas – e continuam capazes de comover e nos tocar profundamente. “As letras também se abrem para temas, além da amizade, como eu disse. Tem letras de amor e melancolia, como ‘Olha Só’ e ‘Brutal’, são mais fortes. Também tem a melancolia, mas é mais madura, como a de ‘Aviões’, além da própria ‘Isabella’, que tem uma letra complexa, bem abstrata, que não quer dizer muita coisa”, descreve Ale. Segundo o músico, o novo álbum também traz coisas mais leves e despretensiosas do cotidiano. “Tem uma densidade menor”.

A pressão para se superar – ou pelo menos manter o nível – se apresentou como um desafio ainda maior durante a pandemia, e ir para um sítio, com as músicas cruas e mais três produtores, também fez parte da missão. Não foi fácil: stress, desgaste e vai e vem pelas estradas. Mas a amizade prevaleceu. “É mais gente envolvida, mais ego, tem que saber lidar com as pessoas. E mais pressão, porque elevamos o sarrafo, então tudo é um pouco mais estressante. Você quer chegar lá e precisa brigar com ele, com o outro e com outro para chegar onde você quer”, argumenta Loobas. “A gente colocou mais energia e mais energia causa mais estresse”, reflete Ale. “Mas tudo se resolveu e passou, é que o processo não rolou de maneira tranquila”, pondera Sad. “É, eu não quero pegar mais a estrada de Curitiba, traumatizei [risos]”, finaliza Greg

“É mais gente envolvida, mais ego, e mais pressão, porque elevamos o sarrafo, então tudo é um pouco mais estressante. Você quer chegar lá e precisa brigar com ele, com o outro e com outro para chegar onde você quer” – Loobas

Sequências harmoniosas, quase como em uma programação musical de rádio, estão nítidas em gêmeos e são parte fundamental para o ritmo e o sentido das narrativas e moods que se desenvolvem pelo repertório. Além disso, são canções que trazem o passado e o presente e abrem rotas para caminhos futuros da banda. “Partimos de 30 ideias, é muita coisa para chegar nisso. Fomos balizando e chegamos nas mais coesas”, conta Loobas. “Tem uma parada de ‘essa combina mais com essa’, uma escolha certa na ordem no disco. Na real, a gente mudou essa ordem semana passada. A gente tinha bebido várias e resolvemos mudar e fez bem mais sentido”, revela Sad.

Agora, com parte da turnê nacional já confirmada, os quatro integrantes seguem ensaiando no mês de março para voltarem ao ritmo frenético das viagens. “A gente fica curioso para saber quais músicas o pessoal vai gostar mais, quais vão pedir mais”, comenta Ale. A expectativa que eles carregavam na semana passada, no dia da entrevista, hoje, com o lançamento do álbum, já dá espaço para a realidade dos shows, da estrada e da vida de banda, que foi interrompida naquele março de 2020. E agora essa realidade tem o público, a troca e uma nova trilha sonora.

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ARTISTA: Terno Rei