Bala Desejo, pela lei natural dos encontros

Com agenda de shows agitada até o fim do ano, Dora Morelenbaum, Julia Mestre, Lucas Nunes e Zé Ibarra vão no embalo de “SIM SIM SIM” enquanto se dividem entre compromissos em carreiras solo e projetos paralelos – e eles estão apenas começando

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Fotos: Leco Moura

Na falta de um Carnaval oficial e convencional, vivemos carnavais foras de época durante o ano, com uma anunciada nova ocasião em julho – e sem contar a possível festa em tons vermelhos daqui a uns quatro meses. Mesmo cantando sobre o comeback da folia no hit “Baile De Máscaras (Recarnaval)”, carro-chefe de SIM SIM SIM, lançado em fevereiro, os integrantes do Bala Desejo não foram para a rua, mas tudo por um bom motivo. O quarteto, formado por Dora Morelenbaum, Julia Mestre, Lucas Nunes e Zé Ibarra, está com a agenda cheia de shows. Em tempos pré-pandemia, estariam juntos correndo atrás do bloco, mas, segundo Julia, neste ano eles pularam “mais no palco do que na rua”,

Desde o lançamento do disco, engataram um ritmo agitado, que culminou nas apresentações em Portugal e Espanha, onde tocaram no Primavera Sound Barcelona, em junho. De volta ao país, se preparam para o show no Circo Voador, em 27 de julho, com participação especial de pessoas fundamentais na construção do disco – Ana Frango Elétrico, co-produtore musical do álbum, e Teresa Cristina, amiga e madrinha do quarteto – foi por conta das lives da compositora durante a pandemia que eles começaram a aparecer em grupo. Mas a agenda não para por aí: em setembro eles estarão no Rock in Rio e no Coala Festival, em novembro no Rock the Mountain, e ainda provavelmente farão uma pontinha no show de Julia Mestre, confirmada no Primavera Sound São Paulo.

A pausa após os shows na Europa veio a calhar, porque durante este período, Zé Ibarra viajou em turnê com o show de abertura do Milton Nascimento – ele já havia ocupado o posto durante a turnê do Clube da Esquina, em 2019. Além das apresentações, o compositor está trabalhando nas músicas do seu primeiro disco solo, e no novo trabalho da Dônica, banda composta por Zé, ao lado de Tom Veloso e Lucas Nunes. Inclusive, Nunes faz a direção do show dedicado ao disco Meu Coco (2021), de Caetano Veloso, em que assinou a produção musical. “Esse lugar, de estar com o Caetano, é muita responsabilidade”, diz Lucas Nunes. Nunes também toca produções paralelas, como uma trilha sonora ao lado de Maria Gadú e novas faixas do Rubel, cujo próximo disco contará com a voz de Dora Morelenbaum no coro.

Tanto Rubel, quanto Ana Frango Elétrico se tornaram parceiros de Dora, que também costuma emprestar a voz nos shows do Little Electric Chicken Heart (2019). Após a última apresentação no Primavera Sound em Barcelona, Dora Morelenbaum partiu para Portugal, onde realizou uma série de shows solos com algumas composições de seu primeiro disco, que também terá coprodução musical de Ana. Para fechar, Julia Mestre prevê o lançamento de Arrepiada, seu segundo álbum, para novembro. “O legal são os encontros. O Bala fala dessa união, quando a gente se junta para fazer projetos e shows, mas a gente já estava fazendo uma corrida solo antes e seguimos com ela. Lancei ‘Meu Paraíso’ em janeiro como prévia do disco, mas decidi dar um tempo de mergulhar no Bala”, reflete a compositora.

Foto: Lucas Vaz

Deixando e recebendo um tanto

Antes do mundo imaginar passar por uma pandemia e o grupo sonhar em ter um nome próprio, os quatro amigos de infância costumavam compor juntos, e já haviam conjurado forças em GEMINIS (2019), estreia de Julia Mestre. Após dividirem moradias esparsas, receberam a missão de criar o álbum em conjunto para ser lançado pelo selo do Coala Festival. “A gente estava cada um na sua, mas nós somos amigos há muito tempo, então foi muito fácil. A criação do disco nos permitiu ficar juntos mais vezes. Engraçado, o disco é cheio de coincidências, coisas que surgiram do encontro de nós quatro em momentos diferentes da pandemia”, diz Lucas Nunes.

Com as ideias encaminhadas, gravaram ao vivo em um estúdio em Santa Teresa, com a banda que os acompanha nos shows – Alberto Continentino (baixo), Daniel Conceição (percussão e bateria), Marcelo Costa (percussão) e Thomas Harres (bateria e percussão) – e uma lista extensa de colaboradores – todos citados na “Faixa Técnica”. Dentre muitos deles, o próprio Caetano Veloso empresta a voz em “Embala pra viagem”, faixa de introdução do disco, além de Ney Matogrosso e Teresa Cristina também participarem. Sem nem chegarem aos 30 anos, o quarteto recebeu a bênção e a aprovação dos ídolos, e hoje em dia, parceiros criativos.

Não é de hoje que a sinergia de Nunes com a família Veloso rende bons frutos: ele acompanhou a turnê do disco Ofertório (2018), e foi engenheiro de som de “Talvez”, composição de Cézar Mendes e Tom Veloso, interpretada por pai e filho, e vencedora do Grammy Latino 2021 – a primeira vez na história que o Brasil se destaca na categoria Gravação do Ano. Em 2020, quando trabalharam em”Hey Jude”, Nunes colaborou tocando violão, na gravação e mixagem. Na época, ele declarou a admiração em post no Instagram: “No primeiro take já estava emocionado, olhei para o lado e Paula me estendeu o violão, Caetano concordou que eu tocasse. Foi perfeito. De surpresa, gravei com o cara que admiro mais que os Beatles”.

A declaração de Nunes é bem representativa do mood do grupo: não há nenhuma música no mundo que brilhe mais do que a MPB de ontem e de hoje. Faz alguns anos que Julia Mestre se debruça no catálogo de Rita Lee, já lançou interpretações de canções conhecidas e também costuma tocar as faixas da maior roqueira do país em seu show solo. No caso de Dora Morelenbaum, a influência vem do berço, sendo filha da cantora Paula Morelenbaum e do violoncelista e arranjador Jaques Morelenbaum, ambos foram colaboradores de Tom Jobim. Os pais de Zé Ibarra, uma produtora de eventos chilena e um fotógrafo baiano, são fãs de música brasileira e sempre incentivaram o filho a se expressar por meio dos sons.

Justamente por conta dessa aproximação com os medalhões, chovem comparações do Bala Desejo com grupos como Doces Bárbaros ou Novos Baianos, entretanto, são outros tempos, desafios e aflições. Além de serem apaixonados pela geração que estava em ascensão há 50 anos, também acompanham atentamente o trabalho de quem também está começando agora, como o alagoano Bruno Berle, que lança o primeiro disco No Reino dos Afetos em 1/7 e o grupo paulistano Sophia Chablau e Uma Enorme Perda de Tempo, que tem uma música gravada com solo de guitarra de Lucinha Turnbull, parceria de Rita Lee na banda Cilibrinas do Éden – “Moças e Aeromoças”, do disco homônimo, lançado no ano passado. Na lista, constam ainda Gilsons, Duda Beat, Ana Caetana, Vitória Falcão e Tim Bernardes.

Foto: Lucas Vaz

“Estamos na mesma onda que muita gente, de querer estar junto após a pandemia. A sopa do Bala nos ajuda individualmente, sinto que conseguimos captar algo que outras pessoas também querem. Cada vez mais tem se expandindo. Sentimos que estamos saindo do mesmo lugar dessa galera”, comenta Dora Morelenbaum. As referências a amigos e influências estão nas letras, como em “Lambe Lambe”: “Pop americano dos garotos do araçá/ Cor de rosa choque ava periférica (ava periférica)/ Cai na nossa cama uma semana sem parar/ Tim, tom, beat, brack, ana, rubel, chablaubla”. “Acreditamos no movimento do agora, correr com quem a gente acredita, e que estão fazendo muita música foda”, pontua Julia Mestre.

Foto: Alexandre Furcolin

“A gente sempre teve vontade de fazer música pra cima, mais dançante. Seria a resposta ideal para o que a gente estava passando e um reflexo de tudo aquilo. A gente entendeu que o Bala Desejo era o lugar para a gente brincar e não ter medo de ser cafona”

Com as músicas no mundo, o quarteto consegue ver a resposta do público, que também buscava uma nova trilha sonora para celebrar os reencontros. Para a compositora, a primeira vez em que sentiram a energia do que viriam a ser as outras apresentações foi no início de maio no Studio SP, em São Paulo. “A gente levou um choque com o caldeirão de pessoas cantando e dançando. Ficamos bobo, é mágico ver as músicas contagiando a galera. “, diz Julia. Como o grupo lembra, desde o início, as composições eram criadas a partir do que queriam provocar com o corpo.

Eles passaram de abril a junho pré-produzindo as canções para a gravarem em agosto de 2021.”A gente se perguntava: Imagina quando a gente for para o palco com essas ideias e brincadeiras? Pensando agora depois de um ano. Lembro de quando a gente concluiu ‘Baile de Máscaras’, corremos para o banheiro para procurar o reverb perfeito. Começamos a cantar e dançar, foi na hora: tem uma magia boa aqui. Fizemos uma festa”, lembra Julia. A faixa foi uma das primeiras que finalizaram em grupo. Existiam algumas ideias, mas apenas “Clama Floresta” estava pronta, o resto foi criado ao longo das imersões.

“Dourado Dourado” foi uma que surgiu espontaneamente, como Dora Morelenbaum conta: “Fiz a melodia e a letra com o Zé a partir de uma brincadeira. Quando a gente foi ver tinha tudo a ver com o Bala Desejo. A gente foi entendendo o que fazia sentido, então fizemos a segunda parte (‘El caballero de la tierra’)”. Cada integrante trazia ideias antigas ou pílulas inacabadas para desenvolverem em conjunto. “Todo mundo sempre teve vontade de fazer música pra cima, mais dançante. No momento, seria a resposta ideal para o que a gente estava passando e um reflexo de tudo aquilo. A gente entendeu que o Bala Desejo era o lugar para a gente brincar e não ter medo de ser cafona”, diz Dora.

Além de tudo isso, a maturidade adquirida no período pandêmico transformou a ideia que eles tinham de certos conceitos. “Nesse lugar da felicidade, da despretensão, pode parecer vazio, inconsistente, mas não é”, reflete Lucas Nunes. De certa forma, cada detalhe do repertório possui pedaços de momentos que eles dividiram juntos, remanejados à luz da narrativa e da atmosfera construídas para o disco. Como, em um sentido lúdico, a imagem da Kombi do Bala Desejo. Para o produtor musical, a imagem tem diversos significados: “A ideia principal é a questão da locução, por conta do megafone. Da ideia de como você chega nos lugares com aquele som meio berrado. Depois, foi sendo agregada por outros motivos”.

De olhos e ouvidos atentos, os quatro abraçaram as possibilidades e criaram em cima do que acontecia na convivência rotineira e coletiva. Como lembra Dora, os rumos foram se desdobrando de forma espontânea: “o disco cresceu por conta da serendipidade. Você está procurando uma coisa e dez outras acontecem sem você procurar aquilo. A gente estava muito aberto para pegar o rumo das ideias que surgiam no caminho”. A afirmação no título do disco tem a ver com essa atitude, de aceitar a casualidade como parte da criação. Em outra ocasião, a bateria do carro arriou e eles empurraram, a tentativa frustrada de reanimar o veículo virou a faixa “Chupeta”. “Era o tempo inteiro, coisas vindo de todos os cantos”, lembra Dora.

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ARTISTA: Bala Desejo

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