Bandcamp Friday, as Sextas-Feiras $antas

Criado há um ano pela plataforma, data mensal em que 100% do valor das vendas é destinado aos músicos se torna opção quente para artistas independentes durante a pandemia

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Fotos: Reprodução (Bandcamp)

Em 2021, o zumbido insistente no fundo do ouvido depois de uma noitada de música alta, para a maioria, ainda soa como uma memória distante. O período que atravessamos, como já dito à exaustão, transformou a maneira que se vive a (e de) música. Dentro de casa, artistas e ouvintes atravessam meses em busca de alternativas para, na medida do possível, manter os laços estreitos — e as contas em dia.

Entre apresentações virtuais gratuitas ou pagas, o crescimento da Twitch e a adição de ferramentas no Spotify e no Soundcloud para doar dinheiro diretamente aos artistas, uma das alternativas mais interessantes foi a encontrada pelo Bandcamp. O site americano, que existe há pouco mais de 10 anos, é zona conhecida dos que circulam pela música independente entre bandas, produtores, DJs e consumidores assíduos. Além de funcionar como plataforma de streaming, o Bandcamp hospeda a venda de músicas em formato digital — e de lançamentos em mídia física e peças de merch —, feita em dólar.

Em março do ano passado, a plataforma anunciou a primeira Bandcamp Friday, ação que acontece em uma sexta-feira de cada mês, repetida em todos os seguintes até agora, com exceção de abril de 2020 e janeiro de 2021. Com a dinâmica, a arrecadação total das vendas é destinada aos artistas, sem o desconto da taxa de 10-15% convertida para a empresa em compras feitas nos outros 29 dias. Não foi a primeira vez que o Bandcamp abriu mão da sua parte nas vendas, mas a data marcou o dia de maior fluxo na história da plataforma até então, ao levar 4,3 milhões de dólares aos bolsos dos artistas, 15 vezes o valor médio diário de vendas.

“Vários amigos começaram a tirar um trocado maneiro”, conta ANTCONSTANTINO, produtor e DJ de Duque de Caxias. Presença constante na cena do Grime por aqui — e já conhecido entre os grandes de lá —, o autoproclamado “embaixador do Bandcamp no Brasil” não toca em eventos presenciais há mais de um ano e encontrou na plataforma uma alternativa para remediar a falta de sua maior fonte de renda. Com faixas a preço “pague quanto quiser”, o caxiense começou a fazer dinheiro na plataforma antes mesmo de lançar algo pensado para a Bandcamp Friday, em agosto. DEATH DROP, EP de 8 faixas disponível no Bandcamp por U$ 6 rendeu, no dia do lançamento em reais, “uns 400 e caralhada”, ele conta.

Sempre ativo na divulgação da data e incentivando amigos e seguidores a utilizarem os serviços da plataforma, ANTCONSTANTINO faz o que está ao alcance para falar sobre a iniciativa, além de frisar a notoriedade internacional que pode ser atingida na plataforma: “Sim, eles pagam em dólar e vale ressaltar que o dólar deve ta custando mais de R$5,00”, escreve ANTCONSTANTINO na guia sobre o Bandcamp postada em sua conta no Instagram.

As faixas muitas vezes são também disponibilizadas nos serviços de streaming por assinatura ou no SoundCloud, mas oferecidas no Bandcamp na intenção de estimular o público a adquirir a música, digital ou fisicamente, como forma de impactar direto na vida dos artistas — pagando por isso. “Quem consome esse tipo de plataforma como o Bandcamp, sabe que a divisão é muito mais justa do que qualquer outra plataforma de streaming”, reforça Badsista, DJ da zona leste de São Paulo, que produz artistas como Linn da Quebrada e Jup do Bairro.

A relação monetária entre os músicos e as grandes plataformas é cada vez mais questionada e insatisfatória para os que estão distantes dos números de ouvintes e reproduções milionários — os únicos verdadeiramente rentáveis. O valor médio pago por reprodução é de US$ 0,00348 no Spotify, por exemplo. “As plataformas de streaming só rendem muito para grandes gravadoras com catálogos enormes. No fim, o artista, detentor do capital intelectual e de sua obra, fica no último lugar da fila na hora do recebimento dos lucros”, continua Badsista, que questiona: “Isso te parece justo?”.

“As plataformas de streaming só rendem muito para grandes gravadoras com catálogos enormes. No fim, o artista, detentor do capital intelectual e de sua obra, fica no último lugar da fila na hora do recebimento dos lucros. O Bandcamp tem uma divisão muito mais justa do que qualquer outra plataforma” – Badsista

Mais uma entre os muitos afetados pela falta de apresentações, a produtora vende faixas no Bandcamp desde 2017 e destaca seu impacto diante de uma realidade sem shows ou festas à vista. “Foi um público que construí ao longo dos anos e que está no meu suporte de forma expressiva, principalmente quando começou a quarentena e todas as turnês que tinha marcadas foram canceladas. Fiquei boiando no mar e nos primeiros meses foi com dinheiro do Bandcamp que sobrevivi pra pagar contas e comprar comida”, conta.

As sextas-feiras de repasse integral aos artistas serviram de incentivo para Badsista colocar novas faixas na rua — virtualmente, por enquanto. HITS DE VERÃO vol. 2, lançado na primeira Bandcamp Friday de 2021, já foi comprado por mais de 90 usuários. LUCY 3D, compilação de faixas da produtora que saiu em 4 de julho, quarta Bandcamp Friday, figurou entre as melhores músicas de pista de 2020 escolhidas pela própria plataforma.

A citação rendeu um aumento nas vendas, mas a criação da Bandcamp Friday por si surtiu um efeito direto no público. Chegando a receber até US$250 em uma só sexta-feira, Badsista destaca que, sabendo que o dinheiro vai todo para os artistas, a procura pelas faixas na plataforma cresce nessas sextas-feiras especiais. O aumento da procura também incentiva produtores para que os lançamentos feitos na data sejam carregados com atributos especiais – faixas exclusivas ou acesso prévio, por exemplo.

Desde sua criação, a Bandcamp Friday fez com que o lucro nas primeiras sextas-feiras superasse com folga os outros dias do mês. Ao repetir a data pela primeira vez, em maio último, o Bandcamp faturou 7,1 milhões de dólares e o dinheiro movimentado às sextas de Bandcamp Friday somou 44 milhões de dólares nas nove edições realizadas em 2020.

A iniciativa, que celebrou 1 ano de existência no último mês de março, passou a figurar na agenda de selos e artistas das mais diversas vertentes como parte do calendário de lançamentos. Na edição de fevereiro, o veterano Kamau foi um dos presentes entre as novidades na plataforma, por exemplo, com a faixa “Nada… De novo” disponível para compra por U$ 1. À margem do grande público e estimulando uma prática pouco cultuada especialmente pela nossa Geração Pirataria, a criação da Bandcamp Friday fortalece a relevância da plataforma como alternativa na venda e consumo de música digital.

“Maneira de ripar som da internet sempre vai ter”, lembra ANTCONSTANTINO, se referindo às diversas formas de pirataria na internet. “[Se essas faixas não estão disponíveis,] quando voltarem as festas ou vão tocar o som em qualidade ruim ou não vão tocar”, conclui o DJ, destacando que as faixas disponíveis a preço “pague quanto quiser” podem também ser baixadas de graça.

O buxixo criado por ANTCONSTANTINO também parece ter surtido efeito. Entre os presentes no site da primeira Bandcamp Friday para cá estão nomes quentes – e de diferente eixos – da música eletrônica brasileira, como o maranhense Brunoso e o produtor Meio Feel, de Londrina, além dos paulistanos Enigma e Matesu, e Taleko, Evehive e D II G O, do Rio de Janeiro. Já sucesso entre os produtores, ANTCONSTANTINO segue incentivando também MCs a estarem cada vez mais atuantes no site. O produtor destaca AKA AFK, MC de grime de São Paulo, e os cariocas Big Bllakk e Dimsan, já com trabalhos na plataforma.

“Só acho que o Bandcamp peca bastante, assim como várias plataformas gringas, de não olhar pro público do hemisfério sul, não oferecer formas de pagamento que nos contemplem”, relembra Badsista, reforçando que grande parte dos novos egressos brasileiros na plataforma atrai um novo público para o Bandcamp. O site, atualmente, aceita apenas cartões de crédito ou transferências via Paypal como pagamento e realiza vendas também em euro e libra, além do dólar.

Com mais duas edições confirmadas – nesta sexta, 2 de abril, e em 7 de maio –, não se sabe se a data se tornará cativa no calendário da plataforma. A situação segue longe do que um dia foi a normalidade, e o modelo adotado pelo Bandcamp se apresentou como uma boa saída frente ao descontentamento dos artistas independentes com as grandes plataformas – que, mesmo em um momento crítico, resistem a aceitar as reivindicações para pagar 1 centavo de dólar por reprodução.

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