Barra por Barra: e a morte do hip-hop, hein?

Hein?

Loading

Barra por Barra é o espaço no qual o João aparece por aqui às sextas-feiras para falar de hip-hop e de tantas outras coisas que vêm junto com a (enganosamente simples e definitivamente sedutora) ideia de “falar de hip-hop”. Ritmo, poesia e opinião – com o João.

 

Na semana passada, enquanto surfava na web, me deparei com a informação de que o produtor britânico Fred again.., vencedor do Grammy de melhor álbum de música eletrônica de 2023, tem seu nome artístico inspirado em uma fala consideravelmente irrelevante de Scooby-Doo (2002), o filme (um clássico cult, devemos admitir).

Não sei se é só comigo (e com meu amigo pessoal Fred again..), mas, com certa frequência, frases e falas de momentos aparentemente irrelevantes ficam gravados na minha cabeça, e não é incomum acordar repetindo-as. Ou estar fazendo alguma atividade mais mecânica, como lavar a louça, e me pegar falando essas frases sem contexto algum. Às vezes é a voz do bodybuilder Jorlan Vieira que ecoa, por outras, algum momento de Coragem, o Cão Covarde, ou uma piada interna que surgiu com meu irmão (perceba: ele não está no ambiente). Mas, nesse 2024, é uma frase de Joe Budden que sinto vontade de gritar do nada, no meio do ônibus a caminho do trampo.

Por favor, não me entenda mal: nunca curti Joe Budden e não consigo assistir 5 minutos do podcast maluco que ele tem, mas “Shut the fuck up in 2024” virou um mantra para mim. Repetido involuntariamente e se desenrolando pela minha língua até atingir a vibração do ar em milissegundos. Penso que a frase se introjeta a cada dia que passa em meu ser, uma simbiose. Talvez isso explique o pequeno hiato dessa coluna.

Quase três meses se passaram desde que escrevi pela última vez. Escrever pode parecer fácil, afinal, você está sentado, todo torto numa cadeira que prometia ser ergonômica, apenas apertando pequenas teclinhas que correspondem a letras enquanto encara uma tela. Perseguindo um significado e desejando a autoestima de Carrie Bradshaw, que vê propósito em tudo que escreve. Mas o exercício mental de elaborar uma ideia e fazê-la se concatenar em frases é bastante dispendioso às vezes. Não tô falando que é mais cansativo do que bater uma laje, mas, às vezes, escrever tem mais a sensação de que você venceu o texto numa luta de espadas, do que de que você pulou corda e se divertiu com ele.

Ademais, essa coluna surgiu como um espaço para debater e pensar sobre coisas acontecendo na música rap e, consequentemente, no hip-hop; mas ouvi dizer que ele está morto. Morto, mortinho da Silva, a sete palmos abaixo do chão, F no chat. Acho que até a missa de sétimo dia já passou. Você não soube? Depois de tentarem matá-lo mais do que tentaram matar o 50 Cent, e das inúmeras vezes que alarmistas disseram que “o hip-hop morreu”, parece que dessa vez chegou o momento derradeiro. E aqui é o Monkeybuzz, não o Notícias Populares, né?

Quem dera ainda tivessem frentes de hip-hop espalhadas nas comunidades de todo o Brasil, ensinando os “Quatro Elementos” para novos interessados, ou MCs de rap mais distantes dos holofotes ainda conectados à cultura. Ou até alguns menos atrelados à raiz, mas, por sua vez, avançando a sonoridade e a estética. Ah, quem dera… Estaríamos numa situação melhor, com certeza. Pelo visto não foi dessa vez que o capitalismo cooptou uma contracultura sem necessariamente esvaziá-la. Se por acaso houvesse evidências de que o hip-hop está vivo e alguém simplesmente me dissesse que ele morreu, acharia a ideia tão tosca que nem teria energia direito para argumentar. Só pensaria: “shut the fuck up in 2024!”.

Numa entrevista recente para a Rolling Stones, o californiano Vince Staples foi perguntado sobre como ele imagina que o hip-hop estará daqui a cinco anos. E disse: “O hip-hop é o hip-hop e sempre será. O hip-hop tem durado 50 anos. É muito tempo para qualquer gênero de música estar no auge. Portanto, se o hip-hop acabar como o blues ou como a música popular ou coisas assim, isso não é necessariamente uma coisa ruim para mim, porque tivemos uma trajetória incrível. […] Se o hip-hop morrer, a voz negra não morrerá. Há tantas coisas que não são jazz, tantas coisas que não estão onde costumavam estar, mas nossa voz prevalece e cria algo novo, é assim que a natureza segue seu curso. Portanto, onde quer que o hip-hop vá parar, sei que estaremos bem e que conseguiremos dar o próximo passo”.

E eu concordo com ele! Mas será que já deram a notícia de que o hip-hop foi de base? Que virou camisa de saudade? Será que estamos vivendo um post-rap, post-hip-hop? Hip-hop zumbi? Eu não sei, mas sinto falta do meu mano. Ido, mas nunca esquecido, saudades eternas, mano hip-hop.

Sabe quem mais poderia ter introjetado a fala de Joe Budden? Ele mesmo, o rapper Drake. Para nós, ainda bem que ele não pensou assim. Vi muitas pessoas dizendo “nossa, o J. Cole escapou de levar uma surra”, ignorando completamente que essa treta só escalou para esse nível estratosférico de ódio por Drake ser exatamente quem ele é.

Kendrick entendeu tudo, escolheu a estratégia perfeita e nos fez entender que tinha a ver com cultura, herança e pertencimento. A essa altura do campeonato, acredito que não há muito mais coisa a ser dita sobre esse momento histórico, apenas que “Sometimes you gotta pop out and show n***as” é um jargão tão poderoso quanto “Shut the fuck up in 2024”. Talvez, o lance seja achar o equilíbrio, acertar o momento entre um e outro. Vamos tentando.

Loading