Quem lê, desavisado, o título O Time da Mooca pode pensar que seja um disco sobre o famoso bairro paulistano e que o time tratado ali é o Juventus, o Moleque Travesso da Rua Javari. Entretanto, é apenas uma “bela coincidência”, como diz o alagoano Ítallo. O que o artista apresenta em seu novo álbum não é apenas a história de um garoto que teve suas primeiras percepções de vida na Rua Marinete (apelidada de Rua da Mooca), localizada no bairro São Luis II, na periferia de Arapiraca (AL), mas também uma homenagem a personagens marginalizados ou simplesmente rejeitados pela sociedade brasileira. “Olhando agora, eu percebo que fiz novamente um disco de memórias. O Casa fala mais daquela primeira infância, das memórias domésticas naquele determinado ambiente. Já O Time da Mooca é sobre o moleque que vai para a rua, do Ítallo dos 10 aos 14 anos”, comenta.
Em um disco versátil, alguns elementos aparecem de maneira mais literal, como o futebol e os componentes desse universo: amizades, o primeiro grande comprometimento com alguma questão, as brincadeiras e a malandragem. Ítallo queria dar mais ênfase ao futebol, porque, assim como para boa parte dos brasileiros, o esporte mais popular do país foi um fator determinante em sua infância.
A canção que dá título ao álbum passa a sensação do quanto as quatro linhas foram um fator fundamental na vida do artista e de sua turma. Na letra, ele escala todo o time de amigos, faz questão de argumentar sua função dentro de campo como número dois e repara nos “ossos do ofício” com o pé cheio de ferida. Diferentemente de outras faixas do álbum, trata-se de uma canção mais trabalhada em instrumentos elétricos, bem marcada pelo baixo e a bateria acelerada.

“O disco fala de muitas coisas, mas, no geral, é sobre infância. Sobre a vida de um brasileiro pobre que hoje resiste fazendo cultura”
Para jogar bola na rua, o grande motor para a imaginação das crianças é o time do coração. Em “Camisa do Flamengo”, o alagoano descreve, com um vocal doce e carinhoso, as alegrias rubro-negras do time campeão da Copa do Brasil de 2006, com menção honrosa ao centroavante Luizão. Curiosamente, naquele ano, Flamengo e Asa de Arapiraca, clube da sua cidade natal, se enfrentaram pelo torneio. A faixa é separada em duas partes instrumentais: inicia-se com uma batida leve e um violão bossa nova e caminha para a segunda parte sob ritmo de marchinha de carnaval, como uma sinalização do carrossel de sentimentos de uma partida. “Eu era obcecado pelo futebol dos 10 aos 12 anos. Parei por um tempo e voltei, há dois anos, a assistir a todos os jogos do Flamengo e isso ajudou muito a escrever o disco”, explica.
Após esfriar a paixão pelo futebol por um brevíssimo período, Ítallo, há cerca de dois anos, decidiu se “auto alienar” novamente. Durante as últimas eleições presidenciais, o cantor, mesmo não filiado a nenhum partido, militou muito a favor de Fernando Haddad, com panfletagem, discussões no Facebook e produção de textos. Porém, como aconteceu com muitas pessoas no traumático 2018, a política se tornou algo muito desgastante para ele. “Eu voltei a ver futebol até pela minha saúde mental. Dizem que ele aliena e eu até acho que isso acontece um pouco, mas nesse caso foi uma alienação voluntária. Eu só queria me preocupar com as questões pessoais e com os jogos do Flamengo”. Vale mencionar também a canção que fecha o álbum. O compasso típico e a letra com palavras de ordem fazem do “Hino Oficial do Mooca F.C.” um passeio divertido e nostálgico às décadas de 1940 e 1950, quando surgiram a maioria dos hinos dos grandes times brasileiro.
Além do futebol, as canções exploram personagens que, embora não estejam exatamente ligados à peleja, são personagens tão brasileiros quanto aqueles que fazem a bola rolar. Em “Orlando Golada”, ítallo descreve uma dessas figuras cômicas muito comuns no interior do Brasil, que exageram no álcool e são contadores de histórias (muitas delas bizarras e fantasiosas). “Rolava conversa de todo tipo com Orlando Golada / Bebia direito, levava jeito na arte de conversar”, diz a letra. Ítallo até faz uma brincadeira no início da canção, ao declamar “Este samba vai para o meu amigo Orlando Golada”, em referência à famosa gravação de Gilberto Gil de “Aquele Abraço”. “Quando o Gil diz que ‘Este Samba vai para Dorival Caymmi, João Gilberto e Caetano Veloso’ ele está homenageando as pessoas mais homenageadas no Brasil naquela época, não é? E o meu disco trata-se justamente de fazer homenagens a quem nunca pôde passar por isso”, comenta, com bom humor.

Entre futebol, amizades, personagens, sentimentos e experiências da infância, Ítallo abre espaço também para falar de angústias e tragédias. A maior quebra no ritmo e na atmosfera de disco é a forte canção “Breno”. Com letra simples e cadência marcante no arranjo, a música carrega traços biográficos de um garoto um pouco mais novo do que o autor da composição. Breno ficava sentado, tímido em um canto, enquanto os garotos mais velhos jogavam bola na Rua Marinete. Há cerca de dois anos, ele acabou falecendo subitamente por causas não muito claras, o que abalou muito Ítallo. “Eu encaro essa música como uma homenagem”, comenta o artista, que recebeu aos prantos a notícia. Quanto à canção em si, Ítallo enxerga uma influência específica. “Eu não sei bem o o motivo, mas ela me lembra muito o Jorge Ben. Acho que é por causa da melodia, pois a música simples se impõe”.
Além de inspirações em artistas consagrados do passado, que escreveram sobre a relação entre música e futebol, como Moraes Moreira, Jorge Bem Jor e o próprio Gilberto Gil, o artista também cita algumas influências mais contemporâneas no disco. Siba, Déa Trancoso, Boogarins, O Terno, Rodrigo Amarante e Tono fazem parte da discografia de cabeceira de Ítallo e também incrementaram as referências presentes em O Time da Mooca.
Ainda que não carregue uma mensagem sócio-política tão explícita, o disco pode ser visto, sim, como uma obra de resistência. Com composições que se distanciam da lógica do mercado, evocando sambas, batuques e letras bem amarradas, Ítallo, ao posicionar os holofotes em figuras sistematicamente ignoradas no meio social brasileiro, suas críticas e sua visão de mundo nas entrelinhas. De maneira discreta, mas poderosa, como quem apresenta um disco apenas sobre futebol, o músico delicadamente nos faz confrontar a realidade vigente no Brasil. “Acho que, no final das contas, consegui dar uma mesclada. O disco fala de muitas coisas, mas no geral ele fala sobre infância. Sobre a vida de um brasileiro pobre que hoje resiste fazendo cultura”.