Battles: som experimental e essencial

Conheça um pouco mais sobre o seminal grupo de Math Rock que está entre os maiores nomes da música atual

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Classificar Battles é uma missão extremamente complicada. Como caracterizar um som que foge de qualquer rótulo, qualquer estrutura consolidada? Calculista em sua execução sonora, o grupo nova iorquino provavelmente é o grande nome do chamado Math Rock, talvez não pela sua grande popularidade, mas por ser um dos percursores deste estilo que se mostra complicado logo no nome. Matemática e música tem alguma relação?

É claro que sim. Seja através das escalas de acordes, ordenamento ou mesmo contagem de tempo no ritmo da música, tudo parte de conceitos bem definidos que a matemática adora abraçar. As chamadas verdades fundamentais que partem desde a nomenclatura utilizada para definir dois (2) ou pra explicar que, em uma guitarra, após 12 casas em uma corda, você obtém a mesma nota, ou que duas casas depois em duas cordas pra baixo, a mesma nota é tocada. Vemos logo que existe ordem e, no meio de tanto experimentalismo no Rock de Battles, cada elemento parece ser cuidadosamente pensado. Seu nome remete a conflitos, algo que ocorre quando instrumentos batalham entre si em um som texturizado e cheio de camadas.

Com somente dois discos em uma carreira que já passa de uma década, ambos muito distintos entre si, o grupo é simplesmente genial. Pegue Ddiamondd, faixa do elogiadíssimo debut Mirrored. Cortes secos em uma bateria frenética que segue a voz do antigo vocalista e tecladista, Tyondai Braxton, assobios vindo do além e a sensação de “que porra é essa?” são somente algumas constatações dentre tantas possiveis. Para quem nunca teve contato com o grupo, a maior aproximação sonora em termos de viagem e experimentalismo pode ser o Animal Collective, só que caminhamos para texturas sonoras distintas com guitarras sobrepostas que parecem ter um fio comum unindo-as em Tonto, ou com passos largos entre ritmos, que percebemos na épica Atlas. Esta, aliás, se tornou trilha sonora de jogo de vídeo game antes de se tornar um novo hino do Free Jazz.

Battles sempre se preocupou com a livre disposição de suas ideias – pelo menos em seu disco de estreia, que se concentra basicamente em faixas instrumentais e com eventuais vocais de difícil compreensão ou simplesmente onomatopeias. Agora, imaginar que o som criado aqui é no já longínquo 2007, podemos sentir a ruptura sonora de seu trabalho. Leyendecker é de um brilhantismo sem igual, música que serviu de inspiração para diversas outras criações certamente. Pegue o timbre de voz equalizado aqui e você terá noção do que estou falando.

Nada do campo das dissonantes composições do grupo daria certo se o mesmo não fosse composto por músicos gabaritados e é neste momento que vemos com quem estamos lidando. O baixista Dave Konopka veio da música eletrônica com Lynx, o guitarrista Ian Willians veio do Don Cabellero, enquanto o ex-tecladista Tyondai Braxton colaborava com Prefuse 73 e ainda é sobrinho de Anthony Braxton, nome de vanguarda do Jazz. Mas o que faz com que todos os instrumentos fluam com uma capacidade impar é o baterista e porta-voz do grupo, John Stanier. Não só tocou no grupo de Pós-Hardcore Helmet como também faz parte de mais uma das invenções de Mike Patton, Tomahawk, que inclusive já tocou por aqui. O peso de seu instrumento e seu virtuosismo rítmico permite que cada variação seja executada, cada experimento seja intensificado.

No meio de tanto “improviso sonoro estruturado”, figura de linguagem para um som que parece deixar-se livre e preso à precisão matemática da música ao mesmo tempo, Battles pode ser considerado uma figura dentro do chamado Free Jazz. Se a voz demorou pra sair em Mirrored, aparecendo somente ao final da catártica Rainbow, não podemos dizer o mesmo para seu sucessor, Gloss Drop. A saída do tecladista e vocalista Tyondai fez com que os nova iorquinos partissem atrás de parcerias, escolha óbvia no sentindo de amplificar o seu som cabeçudo para outros públicos. É neste disco que temos clássicos como Ice-Cream, faixa com participação de Matias Aguayo dando o toque sensual necessário à música e um dos clipes mais desconcertantes já feitos – no caso em conjunto com o coletivo CANADA.

A perda de um integrante permitiu uma exposição maior do resto da banda para que tanto novos sons fossem explorados, como o bem-vindo acréscimo de vozes distintas e menos experimentais. No entanto, temos músicas recheadas de texturas instrumentais, mas, desta vez, se concentrando mais em riffs que, mesmo quebrados, mostram-se dançantes. Como Inchworm e a ótima Futura com algumas influências tropicais que curiosamente são tendência atualmente. Um pouco menos viajado e mais direto, Gloss Drop é igualmente inventivo, mas ao mesmo tempo acessível.

É curioso entender o nome de algumas músicas a partir da audição das mesmas.Wall Street nos remete a um cassino, cheio de ruídos, mas que, diferentemente das casas de jogatina, prova-se um investimento certeiro. Sucesso e não azar, na frenética faixa, são seguidos por alguns momentos interessantes. My Machines, com participação de Gary Numan, é pesada com sua ótima atuação de voz, quase teatral enquanto Battles mostra o porquê de ter um dos melhores bateristas do mundo atualmente.Sweetie & Shag consolida-se como um dos momentos mais brilhantes da carreira do grupo, e participação da vocalista do Blonde Redhead, Kazu Makino, traz tensão e suspense a uma linha instrumental sóbria e bem planejada.

Mesmo com apenas dois discos completos e alguns EPs na carreira, Battles chama atenção até hoje e segue como referência no Math Rock, Free Jazz e na cabeça de qualquer um que gosta de experimentalismos musicais. Da mesma forma que outros grupos surgem como praticamente uma metonímia, a parte pelo todo, como Animal Collective e The Mars Volta, só pra citar alguns, em que o seu nome já remete à um som específico, os nova iorquinos tem o seu estilo e mesmo perdendo o vocalista em seu percurso, mantiveram coerência. Mesmo sem nenhum lançamento previsto, o grupo permanece em nosso inconsciente de forma cuidadosa, despertando nos momentos corretos e vivendo através de nossas expectativas.

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ARTISTA: Battles
MARCADORES: Redescobertas

Autor:

Economista musical, viciado em games, filmes, astrofísica e arte em geral.