Bazuros: entre levadas de güira e rodas punk

A banda de São Paulo fala sobre a “cumbia à brasileira” e as misturas que redundaram em seu mais recente disco, “Mucha Lucha, Poca Plata” (2025)

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Fotos: Leo Gimenes

Em uma casa localizada na antiga região fabril do bairro do Ipiranga fica o Estúdio SAMPAPUNK, onde fui recebido por Rafael Leão enquanto o ensaio terminava. Em clima descontraído, eu e essa que agora é uma big band de cumbia sentamos todos ao redor de uma mesa de sinuca para conversar. Bazuros é uma banda formada em São Paulo, em 2020, e hoje conta com nove membros. Em março, o grupo lançou Mucha Lucha, Poca Plata, seu segundo disco, o qual inclui participações do cantor e compositor Helleno, os reis da lambada do Figueroas, a talentosíssima Paula Rebellato (RAKTA) e o rapper boliviano e expoente do drill andino, Delapaz. (Inclusive, na ocasião da entrevista, Delapaz estava no estúdio gravando uma nova versão de “Mucha Lucha, Poca Plata”, que traz versos seus em espanhol).

“Já tinha cumbia em São Paulo muito antes da gente. Já tinha festa de cumbia em São Paulo. E é parte do nosso corre também dar espaço para quem já tava nessa missão há muito tempo”, diz Vitor, tecladista e vocalista do grupo. A cumbia é um gênero musical transnacional e profundamente latino-americano. Transnacional porque é o resultado de trocas e misturas entre diferentes pessoas em deslocamento, e que vai de Santa Fé, na Argentina, passando pela costa caribenha da Colômbia, onde surgiu, e indo até Monterrey, no México. E profundamente latino-americano porque é ancestral: uma mescla entre sons indígenas e africanos, de modo que cada canto da América Latina que ouve e faz cumbia o faz da sua própria forma.

Ainda assim, é difícil imaginar que o Brasil faria parte de toda essa riqueza sonora e cultural, já que frequentemente nos fechamos para os nossos hermanos. No entanto, a cumbia é cantada em nosso país há muito tempo, tanto por conta das fronteiras com países cumbieros como pela presença de argentinos, bolivianos, chilenos, colombianos, peruanos e venezuelanos em cidades como São Paulo. O caos e frenesi da selva de pedra juntaram no mesmo espaço comunidades que, apesar de diferentes, compartilham muitas coisas além da língua. Isso fez com que pipocassem pela cidade restaurantes, bares e casas de show onde hoje se apresentam grupos de salsa, cumbia, merengue, bachata e, claro, DJs e cantores de reggaeton e dembow.

A mescla do Bazuros – bem paulistana – se faz entre levadas de güira e uma estética punk: “A gente tinha uma pré-banda, tocava punk, synth-pop soviético. Aí o Hiro chamou o Macaco (Magaldi) para tocar baixo, mas tocava um repertório diversificado, mas já tinha cumbia no repertório”, explica Vitor. Com a pandemia, diz ele “a cúmbia virou o prato principal da dieta de todo mundo – e foi onde rolou essa virada de chave”. Bruno Magaldi, o baixista, ressalta que a amálgama sonora partiu da vontade de diversificar a sonoridade. “A gente não queria tocar rock só, e pelo jeito nossos amigos também não estavam muito a fim de ver só show de rock, daqueles que as bandas tocam pra elas mesmas. Aí foi um monte de gente trazendo um monte de amigo e o negócio a partir daí começou a expandir”.

“Já tinha cumbia em São Paulo muito antes da gente. Já tinha festa de cumbia em São Paulo. E é parte do nosso corre também dar espaço para quem já tava nessa missão há muito tempo”

Também foi notável na conversa um discurso de integração, já que o punk e o hardcore estão muito mais ligados à cultura inglesa e estadunidense, enquanto que a cumbia nos conecta com nossos vizinhos geográficos imediatos. E como é fazer cumbia no Brasil sem membros originários de países cumbieros? Eles contam que foi um processo delicado e que foram tateando para fazer isso de forma respeitosa. Mas, no fim, foram abraçados pela comunidade latina da cidade, se apresentando em locais da noite paulistana como a casa de eventos Sol y Sombra, o restaurante peruano Doña Bertha, a festa de reggaeton Súbete e também o Festival MUCHO! que celebra a música latina na capital paulistana. “E eu acho que o Bazuros é da hora porque ele dá lugar para os estranhos de cada país. Para quem é imigrante e não sabe dançar direito, tem uma cumbia feia aqui de São Paulo que dá para todo mundo [risos]”, diz Vitor.

“A recepção do público foi essencial pra banda continuar, porque a gente sempre teve banda experimental ou de punk, que é outra recepção, né? Daí tocando cumbia a galera dança mais, fica mais feliz, fala que tá gostando. E até teve essa aprovação da galera que é latina mesmo, aceitar a gente fazendo cumbia – isso dá força para a gente continuar”, comenta Raul, sonoplasta do grupo. No entanto, longe de se adequarem à estética das cumbias villeras do Pibes Chorros – citado como referência importante por todos, especialmente o disco Arriba Las Manos (2001) – ou às chichas peruanas da coletânea Roots Of Chicha (2007), o Bazuros cozinha uma cumbia à brasileira. Reverenciando a tradição e, ao mesmo tempo, estabelecendo um diálogo particular e autêntico com ela. “A tradição não é conservadorismo, a tradição é sobre continuidade. Então a gente pega a história da cumbia que já veio se modificando ao longo dos tempos, passando por várias regiões e, respeitando isso, tenta trazer alguma coisa que converse”, define Raul.

O novo disco contou com o “banho de loja” do multi-instrumentista e produtor Moto Kishimoto, cumbiero punk que ajudou a refinar as faixas e dar vida a um álbum de estúdio encorpado. Algumas faixas instrumentais, como “Tupanzinho” e “Rainha da Sudaka”, são composições mais antigas que acabaram não sendo lançadas no primeiro EP da banda, intitulado Bazuros (2023). Já “Wepa” e “Huracán”, também sem vocais, são mais recentes. Dentre as faixas cantadas, temos a belíssima participação de Helleno em “Ruínas”, composta pelo vocalista Vitor, que diz sobre a letra: “Essa música é uma música que fala sobre amores químicos, né? (…) É sobre todo aquele tipo de relação química, pegajosa, que é difícil de você abandonar, que só de você sentir o cheiro já dá vontade de se aproximar de novo, de ter uma recaída, tá ligado?”. Hiro também comenta que a colaboração trouxe muito sentimento e deu um toque mais romântico. “As primeiras músicas é tudo bem reto, bem quadrado, assim. É uma métrica totalmente de punk rock, só que com a palhetada no contratempo e baixo levando, né? Mas se você for analisar, é pouca nota, tudo bem enxuto”.

“A tradição não é conservadorismo, a tradição é sobre continuidade. Então a gente pega a história da cumbia que já veio se modificando ao longo dos tempos, passando por várias regiões e, respeitando isso, tenta trazer alguma coisa que converse”

Já sobre a faixa “Romântica”, que antes era somente instrumental e passou a ter uma poesia recitada na voz de Givley Simons, da banda Figueroas, Vitor destaca a conexão entre os dois por meio da experiência de serem ambos marido e pai, vendo no amor e na paixão algo muito mais profundo e expansivo do que os romantismos já batidos do mero encontro entre duas pessoas. “O que eu achei foda é que ele também tem uma configuração familiar meio parecida com a minha. Ele tem mulher e filho, e eu também… E ele acabou fazendo uma letra que é a letra que eu gostaria de ter escrito para essa música”.

Entre integrações musicais-geográficas consolidadas pelo Bazuros, ao final do papo, Delapaz trouxe a reflexão importante: “Hoje em dia o mainstream vem muito com aquelas interações plásticas às vezes, coisas forçadas, sem a sinergia que foi esse projeto. Porque está todo mundo no mesmo corre, no mesmo sentimento, no mesmo movimento. Não é uma questão da música latina em si, é a questão da união do continente todo. Todo mundo querendo se integrar sem ter preconceito e saber que a gente está aí no mesmo barco”.

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ARTISTA: Bazuros

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