Bebé: de janela aberta pra luz que vem de dentro

“SALVE-SE”, novo disco da cantora paulista, costura texturas eletrônicas em referências de pop, funk, indie e R&B – e entoa poesia sensível sobre desejo, amor e autonomia

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Fotos: Wallace Domingues

Ao centro de uma sala vazia, com luz única, Bebé dança, sozinha, em seu clipe “Assome”, single do disco SALVE-SE, lançado pelo selo Coala Records na última semana. Na canção, a jovem artista assume seus desejos e sentimentos íntimos, sem complicações, dialogando a respeito de uma solitude fiel a si mesma. O álbum, o segundo de sua trajetória, desabrocha os caminhos de uma cantora que, a cada trabalho, exibe uma destreza no canto e se projeta em sonoridades diversas, mas que, juntas, carregam coerência e, sobretudo, identidade.

Aos 20 anos de idade, Bebé resolveu investigar o passado, e assim entregar composições que tivessem lugar em seu futuro – quase como um alerta. “Dei de cara com a vida adulta no processo de criação do disco. Estão fazendo a comparação de o primeiro disco ser um sonho, enquanto o segundo é sobre a realidade. Eu vim para São Paulo, conheci pessoas, umas bem intencionadas, outras nem tanto. Também dei de cara com as estruturas do mercado, claro que com indignação, mas com algum conforto. Não quero me conformar a ponto de me entregar para as indignações da vida e do sistema. Esse disco é como um desabafo, ou uma carta para a Bebé do futuro”, reflete.

Ao entender que a salvação só pode vir de si mesma, como ela anuncia na faixa-título e abertura do repertório, Bebé dá potente vazão para a sua voz e explora diferentes timbres em todas as 10 músicas do disco. São letras sobre autocuidado, maturidade e experiências próprias do amor amarradas em um disco envolvente, no qual dilemas pessoais se transmutam em canções luminosas.

Firmando-se com maturidade e autonomia, a artista assina a produção do projeto ao lado de Sérgio Machado Plim, que já trabalhou com nomes como Racionais MC’s, Milton Nascimento, Liniker e Negro Leo. “O que é maneiro é que o Sérgio organiza o meu pensamento. Com  um olhar de produtor, ele consegue amarrar esteticamente toda a história – e eu aprendo muito com isso. A partir do momento que comecei a entender que eu posso produzir, entendi que isso é para a minha vida, tanto pessoalmente quanto produzindo outro artista”, define.

“Dei de cara com a vida adulta. Estão fazendo a comparação de o primeiro disco ser um sonho, enquanto o segundo é sobre a realidade. Vim para São Paulo, conheci pessoas, umas bem intencionadas, outras nem tanto. Também dei de cara com as estruturas do mercado, claro que com indignação, mas com algum conforto. Não quero me conformar a ponto de me entregar para as indignações da vida e do sistema. Esse disco é como um desabafo – ou uma carta para a Bebé do futuro”

“Peguei muita coisa, destrinchei o meu software, fiquei buscando coisas novas e ambientes novos para surgir com as faixas. Acho que por isso que veio muito desse lugar eletrônico, porque eu estava muito, muito confiante com isso. Quando sentei com o Serginho, a gente quis balancear, sem pesar no eletrônico, para que tudo que tocasse no disco, parecesse que foi tocado, como de fato foi”, explica Bebé. SALVE-SE tem como pano de fundo um pop eletrônico que passeia, com naturalidade, por ecos de R&B, indie, funk e trap.

A expansão de sua criatividade sonora também foi consolidada e impulsionada pelos encontros – as participações de Dinho Almeida, vocalista do Boogarins, e de BK’, com quem Bebé já havia se juntado na faixa “Em Nome do Que Sinto”, do disco Icarus (2022). “É uma aula observar as histórias dos dois, é muito incrível estar naturalmente trocando com eles. O Almeida me mandou uma guia incrível e deu para colocar a faixa no meu disco. Com o BK’, foi através do selo Coala Records, mas ele teve a iniciativa de olhar para mim e me chamar para o disco dele – e depois dizer sim para o convite da participação do meu disco”, relembra. “Abraçar esses dois gêneros, o indie e o rap, como parte de mim, dita muita coisa. Além da minha história com o jazz, que eu acho que esses dois gêneros pairam e orbitam a linguagem do jazz, é igualmente de colocar o meu corpo, o meu rosto, nestes gêneros. São dois gêneros que pertencem à mulher preta. Cada vez mais as pessoas vão ter que aceitar que a gente tá aqui, a gente tá vivo, a gente precisa movimentar o mercado. Além desta questão social, é uma posição de furar bolha, é para ampliar o público. Não é uma questão de falar para uma bolha, e, sim, romper essas barreiras”, completa.

Atravessando as relações modernas e compartilhando suas reflexões sobre desejo e amor, Bebé canta “Gelo”, baseada em um beat de funk. “‘Gelo’ foi muito desafiadora e eu quase desisti de colocar essa canção no disco, porém estou nesse momento de experienciar a não-monogamia, e estudar isso. Comecei a me enxergar num lugar de empoderamento, de que também sou eu que decido”. Na sequência, surge “Day By Day”, um dark trap envernizado por sintetizadores, percussões e samplers, que versa sobre um tempo cada vez mais apertado – e a luta para lidar com transformações e transições velozes e, ainda assim, encontrar disposição para viver e se fazer presente.

“SALVE-SE­ é uma resolução do futuro onde eu me enxergo, mas também enxergo as pessoas ao meu lado. É o meu desejo de ver o ser humano mais resolvido consigo, tomando mais as próprias decisões, quase que em uma teimosia”

SALVE-SE é uma viagem em que enxergamos a compositora, a produtora, a cantora e, especialmente, a pessoa Bebé. Seus altos e baixos da vida adulta ativam nossas próprias memórias e vivências, e muito dessa identificação surge por conta de uma poesia sensível. Não à toa, o disco termina com “Eu Quero Viver”, que, em sua segunda parte, se torna mais eletrizante, com baixo de Everton Santos e guitarra de Felipe Salvego. Resposta para a faixa “Sol”, parte de seu disco homônimo, a canção destaca um ponto da jornada-jovem-adulta em que há o conforto com as próprias sombras – e até um alívio de se estar na própria pele.

SALVE-SE­ é uma resolução do futuro onde eu me enxergo, mas também enxergo as pessoas ao meu lado. É o meu desejo de ver o ser humano mais resolvido consigo, tomando mais as próprias decisões, quase que em uma teimosia. Espero que as pessoas se desenvolvam e tenham essa segurança de si, principalmente em relação à expressão. É um disco pelo qual eu imagino uma história acontecendo – começa na dúvida, mas no final eu tenho a minha paz”.

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ARTISTA: Bebé