Blue Canariñho: conexão São Paulo X Londres

No clipe do remix de “Feel Free”, o produtor britânico se alia ao diretor Torvic Vision em uma justaposição de imagens e sons

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Fotos: Darykie Molina

Blue Canariñho, o nome já diz, é uma mistura. Nascido em Liverpool, o britânico tem origem espanhola e uma paixão incondicional pelo Brasil. É uma dessas histórias de longa data, coisa de torcedor de futebol que se apaixona no choro da derrota. “A primeira Copa que eu vi foi em 1998, na França, e aquela equipe do Brasil mudou tudo pra mim”, diz ele. Foi o início de um amor que, com razão, desembocaria em futebol ou música. Blue foi pela segunda opção e hoje ele estreia, no Monkeybuzz, seu primeiro clipe: “Feel Free (Remix)”.

O vídeo é mais um passo na sua caminhada como produtor e DJ. Dirigido pelo filmmaker brasileiro Torvic Vision, o filme é uma colagem de tomadas com rolês, itens de desejos, atmosferas e até ciladas da cidade de São Paulo. Um retrato de capturas justapostas do que seria a música em imagens. “Para esse remix, eu me inspirei nas noites em que andei de carro por São Paulo, então misturei um trap mais etéreo com baile funk”, diz o produtor. Essa memória do Brasil vem de uma viagem que Blue fez ao país logo antes do estouro da pandemia.

Há pouco mais de um ano, o DJ apresenta o programa Love in the Endz, na rádio londrina Reprezent. Na lista de convidados, nomes, coletivos e produtores que transitam entre diferentes idiomas musicais do Sul Global, tais como Grime e Funk: DKVPZ, Batekoo, VHOOR, etc. Sempre que pode, Blue entrevista os artistas e até toca junto deles. Vir ao Brasil era um sonho de criança fissurada em futebol e um presente para o adulto que se enveredou pela música.

“Eu fiquei no Brasil durante o mês de fevereiro inteiro, então era aquela loucura de Carnaval, mas eu não sou muito esse tipo de cara, para ser honesto”, ele lembra. “Então minha experiência favorita na cidade era fazer coisas simples, tipo passar um tempo com meus amigos, tomar uma cerveja Original, conversar (em inglês ou português manco) com as pessoas, enfim… Quando criança, eu nunca achei que iria ao Brasil, mas saber que o Brasil é parte importante da minha vida agora é algo maluco.”

"Meu coração está em São Paulo, é onde eu me sinto em casa", conta o produtor. "Em Londres, também tem conjuntos de prédios, um metrô que conecta a cidade e a gente até se veste do mesmo jeito, com tracksuit, Air Max, camisa de futebol, boné, tudo do mesmo jeito".

Essa imagem, tão vívida na mente do produtor, contrasta com o remix de “Feel Free”. A versão de Blue Canariñho para o som do DJ CassKidd e do cantor Ogranya — então um dancehall depurado, quente, com pinta de warm-up de pista — é angular e soturna. A marcação de surdos e caixa pode até seguir um modo future beats, daqueles sons que cairiam bem na Soulection, mas a entrada de samples de Funk é sempre súbita. Convivem dois mundos amarrados tão somente por uma linha de teclado abafada. Dois mundos sonoros, certamente. Geográficos, talvez.

“Meu coração está em São Paulo, é onde eu me sinto em casa”, conta o produtor. “Em Londres, também tem conjuntos de prédios, um metrô que conecta a cidade e a gente até se veste do mesmo jeito, com tracksuit, Air Max, camisa de futebol, boné, tudo do mesmo jeito”.

Essa específica estética de rua da cidade não surgiu para Blue como por acaso. Ela é abraçada pelo coletivo Tracksuit Mafia, com quem o produtor e DJ tem conexões pela via do funk e do grime — o grupo é um dos precursores da reapropriação do gênero britânico no país. O encontro entre Funk e Grime no Brasil catalisou o trabalho que Blue vinha desenvolvendo como produtor e DJ.

O artista conta que, há alguns anos, a aproximação entre os gêneros lhe parecia incomum, mas possível. Essa possibilidade se mostrou real quando ele encontrou o canal Brasil Grime Show no YouTube. “Eu acredito que esses gêneros vêm da mesma mentalidade crua de ter seu próprio som, sua própria cultura”, teoriza ele. “É por isso que eles se relacionam, é por isso que a gente se entende.”

O contato entre a música dois países, para o produtor, também vem no sentido da compreensão mútua seja na troca de ideias, seja no trabalho dentro da indústria musical. Do contrário, é fácil cair em armadilhas de dominação cultural. “Embora eu produza música que é muito influenciada por Funk, eu nunca quis soar como uma versão europeia diluída dessa música, alguém que faz dinheiro da cultura de outra gente.”

Essa é uma das motivações para que o produtor estreite ainda mais os laços que tem com o Brasil. A criação musical, para ele, é inerente à promoção e à divulgação de artistas brasileiros. Como se fosse um embaixador, o artista quer fomentar essa conexão para que mais e mais nomes do Funk ou do Grime possam fazer o caminho que ele fez, mas em outro sentido: do Brasil, para a Inglaterra.

A ponte-aérea Londres-São Paulo segue firme com ele. Nos próximos meses, o Canariñho londrino vai lançar um novo álbum de edits, junto de faixas com MCs brasileiros. Seu programa de rádio segue firme e forte. E a volta ao Brasil está prevista assim que a pandemia deixá-lo voar para outras quebradas — ou, em bom inglês de rua londrino, endz.

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