Bobby Womack: Um Sobrevivente do Soul

Revisitamos um pouco da obra de uma das figuras mais icônicas do Soul, por meio de seus discos mais famosos

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De onde você conhece Bobby Womack? Da abertura de Jackie Brown, filme que o diretor Quentin Tarantino apresentou ao mundo em 1997, que trazia em sua abertura uma sequência belíssima sonorizada por Across The 110th Street? Ou você conheceu Womack recentemente, através da participação que ele fez em Plastic Beach, disco do Gorillaz, lançado em 2010? Quem sabe do disco mais recente do soulman, The Bravest Man In Universe, lançado em 2012, produzido por Damon Albarn? Não importa muito, na verdade, o que vale é ter noção exata de que este senhor de 69 anos é um verdadeiro mestre da música negra, um dos que estavam na hora e no lugar certo quando tudo começou.

Womack foi a atração principal do Festival Back 2 Black, tendo subido ao palco no domingo, dia 17 de novembro. Em sua primeira visita ao país, o velho mestre apresentou ao público o resultado de uma carreira que remonta ao início dos anos 60. Na verdade, a música apareceu na vida de Bobby muito cedo, quando começou a participar dos ensaios que seus irmãos faziam. Cecil, Harry, Friendly Jr. e Curtis eram conhecidos como The Womack Brothers, um grupo vocal promissor da nascente cena gospel de Cleveland. Tiveram a chance de abrir uma apresentação de outro grupo, o Soul Stirrers, que trazia em sua formação um certo jovem chamado Sam Cooke. Bobby e Sam logo se tornaram amigos e Cooke propôs que a banda excursionasse pelo país como atração de abertura, convite logo aceito. Após vários shows, os Womacks voltam para Cleveland e são expulsos de casa pelo pai, Friendly Womack, que não concordava com a iminente mudança de direção na carreira dos jovens: cantar música secular, deixando o Gospel para trás.

Cooke se tornaria o maior soulman de todos os tempos e já administrava a sua SAR Records. Logo ofereceu emprego para os irmãos e os convenceu a passar para o lado do r&B. Rebatizados The Valentinos por Cooke, os rapazes gravaram canções como Lookin’ For A Love, que entrou nas paradas de sucesso em 1961. O grupo também foi enviado para acompanhar uma turnê de James Brown, enquanto Bobby Womack entrava para a banda de apoio de Sam Cooke como guitarrista. Em 1964 veio a primeira grande honra para Bobby, ao ver que sua canção It’s All Over Now ganhava uma versão de uma banda inglesa iniciante, que atendia pelo nome de Rolling Stones. O caminho promissor de Womack seria afetado sensivelmente em dezembro de 1964, quando Sam Cooke morreu por conta de um acidente automobilístico. Além de perder seu mentor, Womack seria alvo de olhares tortos após se casar com ninguém menos que Barbra Campbell, a viúva de Cooke, anos mais velha que ele. Acusado de aproveitador, sua nascente carreira de cantor foi completamente jogada no limbo e a solução encontrada foi voltar a ser guitarrista, função que ele passou a exercer na banda de Ray Charles. Nessa função ele apareceria em vários discos da segunda metade dos anos 60 e se tornaria um compositor de sucesso, com canções interpretadas por gente graúda como Wilson Pickett, por exemplo, que chegou a gravar mais de quinze músicas de sua autoria, chegando a ficar quase sem material quando, finalmente, teve a chance de gravar novamente como cantor. A saída foi gravar versões de canções Pop como California Dreamin, por exemplo, que entrou para o Top 20 de R&B. Como compositor, Womack continuava relevante, contribuindo com gente como Janis Joplin e Sly Stone, em cujo disco There’s A Riot Goin’ On, de 1971, ele tocaria.

Womack continuava a compor e, finalmente, engatara uma carreira como cantor. Ainda em 1971 ele gravara Communication, com boa recepção da crítica, sucedido por Understanding, igualmente saudado. No ano seguinte ele abraçaria as trilhas de filmes de blaxploitation, soltando seu maior sucesso até então, “Across 110th Street”, parceria dele com JJ Johnson, canção que puxava a trilha sonora do filme de mesmo nome. O sucesso continuaria em 1973, quando lançou o maravilhoso Facts Of Life, no qual mesclava composições próprias (como “I’m Through Trying to Prove My Love to You”)com versões arrasadoras de Nobody Loves You When You’re Down And Out, The Look Of Love (Burt Bacharach/Hal David) e All Along The Watchtower (Bob Dylan). O disco seguinte, Lookin’ For A Love Again, trazia uma regravação do primeiro hit dos Valentinos, Lookin’ For A Love. O destino novamente daria as caras, desta vez com a morte de seu irmão Harry, assassinado no apartamento de Bobby, por uma namorada ciumenta.

A perda trouxe consequências sérias para Bobby, que aumentou consideravelmente seu uso de drogas, trazendo depressão e alcoolismo no mesmo pacote. Sua carreira entrou em franca decadência e foram tentados vários movimentos para dar mais foco, desde novos discos que buscavam emular a sonoridade do início dos 70’s, como frustradas iniciativas de atualizar a obra de Womack, com tinturas de disco music. A ideia de gravar um disco de Country também não foi bem vista e ele seria atingido por outra perda terrível, seu filho Truth, de seu segundo casamento, morreu logo após o nascimento, em 1976. Ao longo dos anos seguintes, a carreira de Womack teria momentos de razoável êxito, sobretudo em discos como The Poet e The Poet II, lançados em 1981 e 1984, respectivamente, mas ele cairia gradativamente em termos de popularidade. Em 1994 ele lançaria Ressurection, com participação de seus fãs ingleses, gente como Ron Wood, Keith Richards, Rod Stewart, além de Stevie Wonder, mas o disco que colocaria Womack de volta seria Back To My Roots, seu retorno ao gospel do início de sua carreira, lançado em 1999. Após uma década no ostracismo, Damon Albarn, mente por trás do Gorillaz e fã de Womack, fez o convite para que ele participasse do terceiro disco da banda desenhada, Plastic Beach, mais precisamente na canção Stylo. A colaboração se repetiria no disco seguinte, The Fall e abriria caminho para um disco de retorno, que receberia o nome de Bravest Man In Universe.

Womack desenvolveu diabetes ao longo do tempo mas venceu as drogas e um câncer no intestino. Mesmo assim, o veterando soulman parece estar nos estágios iniciais do Mal de Alzheimer, uma vez que apresenta problemas para decorar suas canções. A carreira de Bobby Womack é seu legado e qualquer chance para conhecer esse sobrevivente é absolutamente imperdível. É cantor calejado e cheio de cicatrizes da vida, capaz, portanto, de cantar e compor como se apenas esses dons fossem possíveis. Vá atrás de seus discos!

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ARTISTA: Bobby Womack
MARCADORES: Redescobertas

Autor:

Carioca, rubro-negro, jornalista e historiador. Acha que o mundo acabou no meio da década de 1990 e ninguém notou. Escreve sobre música e cultura pop em geral. É fã de música de verdade, feita por gente de verdade e acredita que as porradas da vida são essenciais para a arte.