Bon Iver: Introspecção, Externalização e Desconstrução

Discografia do projeto revela a precisão e a inventividade na maneira de se encarar as emoções

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Bon Iver já não é mais uma banda desde seu primeiro disco, é uma entidade da emoção humana. No curso de sua discografia, Justin Vernon ganhou muito destaque pela forma como repaginou o Folk, trazendo perspectivas menos estereotipadas do estilo Singer-songwriter e incorporando elementos de formas mais inventivas, como auto-tunes, percussões descompassadas e toques de Ambient Music. Entretanto, o que mais chamou a atenção do público quando For Emma, Forever Ago, considerado por muitos a bíblia do pé-na-bunda, foi a maneira como Justin conseguiu imprimir seus sentimentos não só pelas letras, mas também pela forma como as harmonias, arranjos e timbres escolhidos pareciam direcionar o ouvinte para campos emocionais específicos.

Mas de onde vem tanta emoção? É certo que acontecimentos específicos levaram Justin a compor o primeiro disco, mas então como se explicam os trabalhos seguintes? Foram novos acontecimentos, tão profundos quando aqueles que motivaram For Emma…? É aí que entra a magia de Justin Vernon e o que traz a Bon Iver este título de profundo conhecedor de seus sentimentos. Na verdade, estamos diante do mesmo universo, acontecimentos e episódios. É claro que novas narrativas surgem no período entre os álbuns, mas o que realmente muda é a forma de enxergar estas emoções. Justin tenta trazer perspectivas novas desses sentimentos e, ao mesmo tempo que descobre diferentes formas de encará-los, se surpreende com as respectivas representações sonoras.

For Emma, Forever Ago traz a introspecção como forma de enxergar tudo. Para esse disco, Justin se isolou em uma cabana no interior de Wisconsin (EUA) como forma de se hibernar de tudo que estava passando: um término de relacionamento, um período de mononucleose e uma demissão de sua banda. Com exceção de alguns metais e baterias, tudo foi feito por ele, da composição à mixagem. Isolado, o confronto com este dilúvio de emoções foi inevitável e, assim, muitas das composições mais fortes de Bon Iver estão neste registro. A introspecção trouxe arranjos mais simples, que se aproximam do estilo Singer-songwriter, mas a escolha de encarar tudo isto sozinho trouxe elementos sonoros mais preocupados em transmitir fielmente suas epifanias e aprendizados. As harmonias vocais quase fantasmagóricas, a crueza da captação de violões e guitarras e o vocal pouco técnico são alguns dos ingredientes que, juntos, proporcionaram uma estreia explosiva, fruto de meses da autoinvestigação de sua dor cuja expressão veio à galope.

Seu segundo disco, Bon Iver, veio como um movimento natural deste momento pós-For Emma…. Se antes Justin mastigou tudo sozinho, arcando com o gosto amargo e doce da perda, agora o ambiente que o circundava foi o novo ponto de vista para suas investigações. É um trabalho expansivo. As emoções podem vir de dentro, mas a expressão delas é um reflexo de tudo externo a Justin Vernon. Desta vez, muita gente ajudou nas gravações, tanto que foi necessário a construção de um estúdio/chácara para abrigar todo equipamento e os músicos. A pintura da capa do disco também reflete este movimento de externalizar as emoções, como se a paisagem retratada fosse uma metáfora para estes sentimentos. Com arranjos mais complexos, experimentais e grandiosos, o registro trouxe uma grande mudança na sonoridade, contrário a alguns críticos que juravam que seu sucesso era apenas uma estratégia pontual de marketing hipster. A partir disto, começamos a conhecer o lado produtor de Justin Vernon com seus projetos paralelos, mas nenhum alcançou tão grandiosamente a profundidade emocional dos trabalhos de Bon Iver.

Assim, chegamos ao último movimento de Bon Iver. Justin Vernon já viu as coisas de fora para dentro e de dentro para fora. Mas o que ele enxergava era sempre a forma pura e inteira de suas emoções, da maneira como eram produzidas. Em 22, A Million, ele resolveu as desconstruir e descobrir quantos microcosmos conseguia descobrir entre estes fragmentos. A sonoridade fragmentada e altamente experimental, quase fora do espectro Folk, trouxe um susto aos assíduos entusiastas dos primeiros dois discos, mas também trouxe um susto a Justin Vernon, que encarou um dos trabalhos mais difícil de sua discografia. Recortes abruptos, interferências e sintetizadores estridentes fizeram deste um dos melhores discos de 2016. Ele é marcante não só pela mudança de sonoridade, mas pela forma como trouxe uma perspectiva totalmente imprevisível e igualmente potente, trazendo um competidor a altura para uma competição pelo título de melhor disco de Bon Iver.

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ARTISTA: Bon Iver
MARCADORES: Redescobertas

Autor:

Produtor, pesquisador musical e entusiasta de um bom lounge chique