Built To Spill – A Volta Dos Que Não Foram

Veterana banda dos anos 1990 mantém-se imune à ação do tempo

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Em outro dia desses, estávamos falando aqui sobre o novo álbum de Modest Mouse, Strangers To Ourselves, e percebemos o quanto a geração noventista de bandas alternativas americanas continua produtiva. Esse pessoal pode sair de cena e retornar – caso de Pixies, Dinosaur Jr e do próprio Mouse, por exemplo – como pode, discretamente, permanecer em atividade, aceitando os novos tempos e lidando com eles de forma inteligente, se beneficiando da experiência ganha ao longo dos anos, da maturidade que chega com as curvas da estrada e dos cabelos brancos que teimam em surgir aqui e ali. Tudo isso, mais uma impressionante constância criativa constitui a chave para a perenidade de Built To Spill.

Do distante ano de 1992, na fria e pouquíssimo interessante cidade de Boise, no não menos obscuro estado americano de Idaho, até a pasta de arquivos digitais do seu computador/tocador, muito se passou no horizonte da banda, formada por Doug Martsch com a intenção de dar vazão à sua fórmula de canção Pop, dividida igualmente por uma noção noventista de modernidade e momentos viajantes atemporais de Neil Young. Era bem simples, apesar de soar meio desconexo: enguitarrar tudo o que fosse possível, bagunçar arranjos e execução até o limite do assoviável, inserir longas passagens instrumentais não-pentelhas e, mais que tudo, preservar a doçura melódica a todo custo. Como bônus, o ouvinte teria a voz anasalada e muito semelhante à do próprio Young, cortesia de um esforçado Martsch, que, além de tudo, era capaz de escrever letras espertas sem soar nerd ou pretensioso além da conta.

Algo que sempre favoreceu as ações do grupo foi a sua condição de eterno coadjuvante de uma cena – a propalada cena alternativa americana dos anos 1990 – sem que fosse preciso carregar algum peso nas costas, no estilo “a próxima grande banda” ou “a última esperança do Rock”, epítetos que foram colocados em formações que nunca chegaram a atingir tais objetivos, apesar de legais e duradouras, como Pavement, cujo criador, Stephen Malkmus, até hoje é depositário de certa esperança por parte de – hoje – nostálgicos fãs do antigo grupo. Built To Spill estava nesse contexto, uma espécie de via paralela ao Grunge, no qual se detinha alguma reserva moral e intelectual, que resguardava as bandas dos “perigos” de fazer sucesso nacional e avançar em alguma direção. Felizmente essa discussão inútil sobre ser bem sucedido, privilégio de poucos e demais mecanismos autorrestritivos caíram por terra logo cedo, quando executivos da Warner Records, após ver apresentações do grupo e ouvir seus dois primeiros álbuns, Ultimate Alternative Wavers (1993) e There’s Nothing Wrong With Love (1994), lançados por selos de Boise e Seattle, respectivamente, compraram o passe dos sujeitos e não os largaram mais.

A nova fase na carreira trouxe a formação mais vitoriosa de Built To Spill, na qual Doug era secundado pelo baixo de Brett Nelson e a bateria de Scott Plouf, responsável pelo terceiro e mais bem sucedido trabalho até então, Perfect From Now On, lançado em 1997, auge do burburinho sobre o grupo, advindo, sobretudo, da apresentação no Lollapalooza. Podemos dizer até que há, finalmente, o conceito de banda de Rock a partir desse momento, uma vez que Martsch finalmente decide efetivar Nelson e Plouf e estes participam do processo criativo das canções do próximo trabalho, que seria Keep It Like A Secret, que viu a luz do dia em 1999. O álbum também marca a chegada de um novo e crucial integrante, Sam Coomes, para assumir a até então inexistente função de tecladista. Tal adição, além de ampliar o espectro de composições da banda, contribuiu para atender a uma interessante demanda dos fãs, que pediam a chegada de alguém para tocar teclados e, consequentemente, que a banda rearranjasse suas canções e compusesse novas de modo a comportar este novo instrumento.

O resultado, tanto dessa nova formação, quanto do trabalho feito até ali, deu origem a um raro álbum ao vivo lançado por banda alternativa neste período. Simplesmente batizado de Live, o disco encerra um período inicial da trajetória do grupo e deixa todo mundo com água na boca por conta do que a banda poderia fazer com o novo integrante na missão de compor um novo trabalho. O resultado da chegada de Coomes e seu entrosamento com o trio inicial pode ser ouvido no belo Ancient Melodies Of The Future, lançado em 2001, mas, logo depois, o grupo faria uma pequena pausa para retornar cinco anos depois, com o melhor trabalho de sua carreira, o sensacional You In Reverse, sem Coomes e com a participação de um velho colaborador informal, Jim Roth. A partir daí, os lançamentos da banda tornaram-se mais espaçados, com a chegada de There Is No Enemy, em 2009 e do novíssimo e já comentado aqui, Untethered Moon há poucos dias, mostrando que a banda está ativa como sempre.

Como dissemos nos comentários deste novíssimo feixe de canções, Built To Spill é um agradabilíssimo caso de extremos convivendo em harmonia. É noventista mas moderno. É contratado de gravadora major mas conserva um frescor alternativo perene, é enguitarrarado e climático, sem perder a doçura e a fidelidade à cartilha do bom Pop. É, acima de tudo, uma formação que parece beber da fonte da juventude e se conserva sempre nova, num permanente paradoxo temporal. Quem ganha com isso? Nós.

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Autor:

Carioca, rubro-negro, jornalista e historiador. Acha que o mundo acabou no meio da década de 1990 e ninguém notou. Escreve sobre música e cultura pop em geral. É fã de música de verdade, feita por gente de verdade e acredita que as porradas da vida são essenciais para a arte.