Cadê: Bacamarte – Depois do Fim (1983)

Redescubra mais deste clássico perdido da música brasileira

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No fim dos anos 70, início dos anos 80, havia um mundo completamente diferente de hoje, sobretudo no que diz respeito às estruturas e mecanismos disponíveis para a audição e consumo de música popular. Este ecossistema urbano, hoje extinto, foi o responsável pelo mitológico primeiro disco dos cariocas de Bacamarte, intitulado Depois do Fim. A banda teve início em 1974, quando o guitarrista Mario Neto, decidiu colocar em prática suas paixões por música erudita e The Beatles. Ao lado de alguns amigos do Colégio Marista São José, no bairro carioca da Tijuca, Mario deu vazão às composições que começavam a surgir, abrangendo um espectro interessante de Rock Progressivo.

Em pouco tempo, mais precisamente, em 1977, Bacamarte já tinha uma quantidade considerável de músicas autorais e, após batalhas enormes, travadas com vistas a proporcionar visibilidade para a banda, Mario Neto conseguiu uma apresentação no programa global Rock Concert. Como o Progressivo nacional ainda era algo inusitado para as gravadoras brasileiras, a visibilidade ocorrida com a apresentação no programa serviu para duas coisas: a primeira foi conseguir um estúdio e gravar as canções com qualidade suficiente. A outra, inusitada, foi o assédio sofrido por Mario por parte do empresário da banda inglesa Genesis, que havia excursionado por algumas cidades brasileiras e que estava prestes a perder seu guitarrista, Steve Hackett. A produção do grupo ficou impressionada com a técnica de Mario no instrumento e o convidou para integrar Genesis. Ainda que isso soasse como um sonho se realizando, Mario optou por continuar no Brasil, principalmente a pedido dos pais e porque ainda era menor de idade.

Bacamarte só teria nova oportunidade em 1982, a partir da pequena revolução causada pela entrada no ar da Rádio Fluminense FM. Com a política de abertura total às novidades, a Flu FM recebia quantidades significativas de fitas demo, enviadas por bandas cariocas, niteroienses (a emissora funcionava no centro de Niterói, RJ) e, com o tempo, do país inteiro. Paralamas do Sucesso e Kid Abelha são duas dessas bandas que conseguiram emplacar músicas na programação da emissora. Após ser aconselhado por amigos, Mario Neto levou a fita até a Fluminense e, no dia seguinte, Bacamarte estava na programação da rádio.

Mario gastou economias, fundou um selo (Som Arte), prensou mil cópias e aí teve início a história de Depois do Fim, seu primeiro disco, resultado daquela gravação de 1977 e que acabou vendendo cerca de 15 mil exemplares em um esquema totalmente independente, movido pelos ouvintes da emissora de Niterói, comentados nas rodinhas de frequentadores de lojas de disco como a Subsom (Tijuca), Bilboard e Modern Sound (Copacabana), que ouviam as músicas do álbum no rádio e o disputavam nas prateleiras. Vieram shows no Circo Voador e demais casas noturnas da cidade que abriam portas para o nascente Rock carioca. Entre 1982 e 1983, Bacamarte, com Marcus Moura (flauta e acordeão), Sergio Villarim (teclados), Mário Leme (bateria), William Murray (baixo), Mr.Paul (percussão) e Jane Duboc (vocais até abril de 1983, depois substituída por Miriam Peracchi), teve tempo para se tornar uma pequena lenda do Rock Progressivo nacional, com admiradores muito além das fronteiras do Rio de Janeiro.

O disco traz oito canções, metade delas instrumentais, com influências nítidas de bandas inglesas dos anos 70, principalmente Genesis e Moody Blues. Quando Jane Duboc solta sua voz, a lembrança imediata é de Renaissance, principalmente nos discos Prologue e Ashes Are Burning. O grande diferencial, no entanto, é a guitarra de Mario Neto, que oscila entre climas, texturas e solos com grande tranquilidade, podendo proporcionar momentos de “caimento de queixo”, principalmente em Smog Alado e Pássaro de Luz. A faixa título, épica e lírica ao mesmo tempo, também traz espaço para outros músicos brilharem, caso do flautista Marcus Moura, que faz um dos melhores solos de sua carreira. A voz de Jane Duboc, que sairia da banda no ano seguinte, dá colorido e delicadeza às canções, entoando os versos compostos pelo próprio Mario Neto, com doçura e comedimento. Seu melhor momento é na bela O Último Entardecer. O sucesso do disco no exterior (principalmente na Europa e no Japão) e o fim abrupto do Bacamarte em 1984, fez com que a gravação atingisse o status de cult.

Mario Neto retornaria em 1999, lançando o segundo álbum de Bacamarte, Sete Cidades, tocando todos os instrumentos. Serviu para aumentar o culto à banda, que atingiu picos de intensidade em 2012, quando decidiram retornar com 3/4 da formação original (incluindo Jane Duboc) para dois shows no Rio de Janeiro. Ontem e anteontem, o Sesc Belenzinho, em São Paulo, assistiu a dois raríssimos shows de Bacamarte que, aos poucos, parece estar retornando à ativa. Procure conhecê-lo.

Depois do Fim foi lançado em CD em 1995, com a faixa bônus Mirante das Estrelas, sendo hoje objeto de colecionador. Em sites da internet, essa versão pode ser encontrada por cerca de R$100,00. Em 2009 o álbum foi reeditado e remasterizado, com lançamento pela Som Livre. Essa versão, também fora de catálogo, pode ser encontrada por valores a partir de R$40,00.

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ARTISTA: Bacamarte
MARCADORES: Cadê?

Autor:

Carioca, rubro-negro, jornalista e historiador. Acha que o mundo acabou no meio da década de 1990 e ninguém notou. Escreve sobre música e cultura pop em geral. É fã de música de verdade, feita por gente de verdade e acredita que as porradas da vida são essenciais para a arte.