Cadê: “Cidades Em Torrente” – Primeiro Disco do Biquini Cavadão (1986)

Primeiro registro da banda é hoje uma raridade, sendo encontrado apenas em sebos e por meio de colecionadores

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O Rio de Janeiro da metade da década de 1980 era um local interessante de se viver. Havia uma atmosfera elétrica na cidade, o ar era carregado de novidade, de criação, de jovens que saíam do anonimato dos colégios, praias e barzinhos pros ensaios em quartos de apartamento, apresentação em saraus no pátio das escolas e, dali pras rádios e shows no Circo Voador. Apesar de parecer relativamente fácil, passar do âmbito amador para o estágio profissional em termos de rock brasileiro naquela época, era bem complicado. Todos os dias surgiam novas bandas em busca de um lugar ao sol. Biquini Cavadão era uma dessas formações novíssimas e chagara a um contrato com a poderosa gravadora Polygram após uma via crucis de apresentações, ensaios, enfim, tudo que está no início do parágrafo.

Bruno, Álvaro, Miguel, Sheik e Carlos Coelho conheciam Herbert Vianna, que se dispôs a dar uma força pros rapazes. Tocou guitarra no primeiro compacto que o Biquini lançou, Tédio, em 1985. A produção ficou a cargo de Carlos Beni, ex-integrante da primeira formação do Kid Abelha e logo a música estava nas rádios. Era impossível não se conectar imediatamente com a letra da canção, falando sobre a impossibilidade de fazer algo válido em termos de relacionamentos sérios e diversão para quem atingia os 18, 19 anos. Do outro lado vinha No Mundo da Lua, canção que mostrava o outro lado da moeda de Tédio, com o onanismo implícito na letra em versos como “quando eu entrar no banheiro, ligar o chuveiro mas não me molhar”. O sucesso foi tanto que a banda logo entrou em estúdio para lançar um EP, no qual viriam versões remixadas das duas canções, sendo que No Mundo da Lua viria totalmente regravada no lado A e um remix de Tédio, a cargo de Beni e do novato DJ Memê fecharia o lado B.

As duas canções mantiveram o Biquini Cavadão nas paradas de sucesso por todo o ano de 1985, chamando bastante atenção para o lançamento do primeiro disco da banda, Cidades Em Torrente, que atingiu 60 mil cópias vendidas em fevereiro de 1986 . Beni vinha na produção e o Biquini acenava com mais hits em potencial: Timidez era prima-irmã de Tédio, um manifesto certeiro sobre a dificuldade maior de se abordar uma menina do colégio, principalmente se ela é morena, linda e usava uma capa de chuva vermelha no primeiro dia em que foi vista pelo pobre sofredor. No caso, a referência à menina de capa de chuva é personalíssima deste escriba, mas a música se prestava à apropriação por parte do ouvinte. Além dela, Domingo aparecia com arranjo de cello e uma letra que dizia “somente os instintos sobrevivem num domingo”, falando de ressaca, tédio, trocar o dia pela noite quando se é bem jovem e está em busca de algo. Reco era outra canção de identificação imediata, falando sobre o absurdo do serviço militar obrigatório. As participações especiais também credenciam Cidades Em Torrente: Herbert Vianna, que já tocara guitarra em Tédio, aparece em Inseguro de Vida, além de Celso Blues Boy, que empresta seu talento a Caso e os vocais de Renato Russo, que divide os trabalhos com Bruno em Múmias.

O Biquini sempre padeceu de certa má vontade da imprensa especializada, que taxava a banda de carioca demais ou nerd. O que importa é que os rapazes conseguiram manter-se vivos ao longo de muito tempo, chegando até os dias de hoje na ativa. O disco seguinte, A Era da Incerteza, daria continuidade aos dramas urbanos da juventude carioca que são espelhados ao longo de Cidades Em Torrente. Tudo feito sem firula, sem pedantismo, em conexão direta com o público.

Cidades Em Torrente foi lançado em CD no fim dos anos 90 e está fora de catálogo atualmente. É possível encontrar o disco em sites da internet por cerca de R$ 80,00.

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MARCADORES: Cadê?

Autor:

Carioca, rubro-negro, jornalista e historiador. Acha que o mundo acabou no meio da década de 1990 e ninguém notou. Escreve sobre música e cultura pop em geral. É fã de música de verdade, feita por gente de verdade e acredita que as porradas da vida são essenciais para a arte.