Cadê – Erasmo Carlos – Buraco Negro (1984)

Disco do famoso cantor é quase sempre esquecido ou ofuscado por outros registros

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O Rock tem uma lógica evolutiva interessante. Erasmo Carlos, um dos pioneiros do estilo no Brasil, ainda nos anos 60, adentrava a segunda década de sua carreira precisando se reinventar. Em 1984, já era latente que o Brasil teria uma nova geração de bandas e artistas na ponta de lança do Rock, gente que poderia ser não só Blitz ou Lulu Santos, mas também Ira!, Titãs ou Ultraje a Rigor. Erasmo estava atento a isso e fez de Buraco Negro um convincente esforço para soar interessante e atraente a novos e novíssimos ouvintes. Interessante notar que o disco marca a chegada do último hit nacional de sua carreira, Close.

Eram tempos diferentes, uma vez que o país vivia expectativa de aprovação da Emenda Dante de Oliveira, que restabelecia o direito de voto direto para presidente da república depois de 20 anos de repressão. Era evidente a vontade nacional de andar para frente, de se livrar daqueles mecanismos redutores de liberdades e a modernização das gravações, sempre em sintonia com o padrão estrangeiro oitentista era um indício de que o Brasil estava no mundo e não poderia mais esperar. Havia também a perspectiva (logo confirmada) de que haveria o Rock In Rio, maior festival de música até então a ser realizado no país. Erasmo fora cogitado, não só por uma folha de bons serviços prestados ao Rock brasileiro, em tempos que nem era possível usar esse termo para definir a música jovem produzida aqui, mas por uma sequência simpática de sucessos recentes. Mulher, Pega Na Mentira e Minha Superstar (do disco Mulher, 1980) e Mesmo que Seja Eu (de Amar Pra Viver Ou Morrer De Amor, 1982) tocaram em todas as rádios do Brasil e renderam a Erasmo uma posição de privilégio até em relação a seu parceiro de tanto tempo, Roberto Carlos.

Para Buraco Negro, Erasmo bolou um conceito meio sci-fi, meio Disneylandia e se saiu com explicações de energias magnéticas e estelares para relacionar o título do novo álbum ao fenômeno astronômico. Além disso, chamou músicos de primeira categoria para participar. Liminha no baixo, Leo Gandelman no saxofone, Sérgio Dias e Marcelo Sussekind nas guitarras, além de Gilberto Gil na gravação de sua Indigo Blue, que recebeu versão simpática de Erasmo, meio travado no idioma Reggae, mas sem fazer feio. Caetano Veloso também cedeu sua Comeu, que ganhou versão interessante, apesar de inferior ao original e à releitura dos paulistas do Magazine, tema da novela global A Gata Comeu. Outra versão, dessa vez reverente e singela, surge em Sementes do Amanhã, original de Gonzaguinha, devidamente adaptada para um arranjo de vocais e coral infantil, no qual estavam seus filhos Léo e Gugu, além dos filhos de vários cantores e cantoras. Composições de outros também surgem com graça, caso de Boba, de Nélson Motta e Lulu Santos e Homem Lobo Lunar, de Eduardo Dusek e Luiz Carlos Góes.

A grande graça de Buraco Negro está nos originais de Erasmo, compostos em parceria com Roberto Carlos. A primeira canção do disco, Esse Imenso Fliperama, que se inicia após o som do Pac Man, é uma declaração de intenções do Tremendão à modernidade, uma vontade de fazer parte daquele momento. Os vocais são 100% Erasmo, vacilantes, mas marcantes, puxados para um timbre mais agudo que o normal. Nara é uma canção alegre, em homenagem à esposa, Narinha, em ritmo de Tecnopop, mas que lembra a melodia e o arranjo de Crocodile Rock, de Elton John. Pulo da Gata, composta com a própria Nara, é outra faixa em que Erasmo tangencia os arranjos sintetizados da época, uma delícia de canção datada. A faixa título é outra pequena beleza da verve erasmiana.

Turma da Tijuca é uma espécie de continuação da maravilhosa Largo da Segunda-Feira (gravada no disco Sonhos e Memórias 1941/1972, lançado em 1972) e amplia o cardápio de lembranças das origens suburbanas no Rio Antigo, com direito a inclusão de colegas como Tim Maia e detalhes de travessuras e ritos da passagem da adolescência. Close é outro exemplo de hit moderno de Erasmo naquela época. Com melodia ultrapop e letra que fala dos encantos de uma mulher lindíssima que, na verdade, não é mulher, foram logo interpretados como se Erasmo tivesse um caso amoroso com o travesti Roberta Close, que aparecia no clipe da canção. Bem ou mal, a música estourou nas rádios.

Este seria o último grande disco de Erasmo Carlos, que viveria o fim de seu casamento logo após o Rock In Rio e entraria numa lenta decadência, apesar de seus álbuns seguintes ainda trazerem grandes canções. Lançado em CD em 2002, Buraco Negro está fora de catálogo há tempos mas pode ser achado em sites de vendas da internet por valores que oscilam entre R$100,00 e R$175,00.

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ARTISTA: Erasmo Carlos
MARCADORES: Cadê?

Autor:

Carioca, rubro-negro, jornalista e historiador. Acha que o mundo acabou no meio da década de 1990 e ninguém notou. Escreve sobre música e cultura pop em geral. É fã de música de verdade, feita por gente de verdade e acredita que as porradas da vida são essenciais para a arte.