Cadê – Heróis da Resistência – Heróis da Resistência (1986)

Leoni, ao se desligar do grupo Kid Abelha, exorcizou seus anseios de “frontman”

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Se a conta não estiver errada, essa é a terceira vez que Leoni aparece num texto de Cadê. Não é exagero, acreditem. O sujeito esteve presente no nascimento de um dos grupos mais importantes do Rock nacional dos anos 1980, Kid Abelha. Foi seu principal compositor e letrista, conferindo à banda carioca um ar pós-adolescente de classe média alta que serviu como mecanismo poderoso de identificação com o público. As letras (praticamente todas de Leoni) eram mensagens certeiras para meninos e meninas que perambulavam pelo eixo colégio-praia-playground-Circo Voador. Pode parecer pouco ou fútil, mas há grandes momentos na obra do grupo, sobretudo em seus dois primeiros álbuns, justo os que contaram com a presença do baixista, letrista, compositor e cantor.

Por conta dessa situação, Leoni desejava mais visibilidade no grupo, que contava com o saxofonista George Israel, o guitarrista Bruno Fortunato e a cantora e musa Paula Toller. Ela era a estrela principal da banda, com cabelo curto e voz de alcance duvidoso, mas com rosto sob medida para as fantasias da galera. O estouro de Seu Espião (1984) e, principalmente, de Educação Sentimental (1985) deu ao grupo um poder de fogo considerável na divisão de atenções da primeira geração dos anos 1980, sendo considerado pela Warner, sua gravadora, um grande artista e vendedor de discos. Leoni queria cantar mais, aparecer mais, sair da fileira de retaguarda, que geralmente é reservada para os baixistas no Rock, a menos que haja algo especial neles. E isso acontecia com ele, era bonitão, conseguia cantar sem problemas (sua voz aparecera em algumas canções da banda) e segurava a onda com o instrumento. As tensões internas atingiram níveis insustentáveis após uma discussão nos bastidores do Cidade Live Show, no dia 23 de fevereiro de 1986, quando Paula e Leoni foram às vias de fato, o que resultou numa pandeirada na cabeça do baixista e sua saída do grupo. Apesar do potencial de crise que isso tenha, a Warner não perdeu o passe do Kid e ainda ganhou um artista bem promissor. Sugeriram uma carreira solo para que Leoni se valesse da pinta de galã mas o rapaz desejava participar de uma banda, ter um ambiente em que pudesse criar coletivamente.

Para os postos vagos vieram dois músicos com experiência jazzística, o tecladista Lulu Martin e o baterista Alfredo Dias Gomes. O único inexperiente, mas talentoso o bastante, era o guitarrista Jorge Shy, que fora integrante do grupo paulistanto Tokyo. Leoni poderia exorcizar seus anseios de frontman e contava com uma safra particularmente boa de canções para o primeiro álbum da banda, que se chamaria Heróis da Resistência, “por ter uma coisa meio missionária, meio heróica, dessa coisa de levar a música por onde for”, como dizia um entusiasmado Leoni em entrevistas sobre o rompimento com seu antigo grupo. Como você já leu aqui, Kid Abelha lançou Tomate em 1987, com uma proposta interessante. Poucos meses antes, saía o primeiro disco de Heróis da Resistência, homônimo e com os rapazes encarnando uma imagem New Romantic tardia. A sonoridade da banda era bem próxima do que fazia Duran Duran na época, quando lançou Notorious e ao que a dissidência da banda de Birminghan, Arcadia, lançara no ano anterior, tudo com a presença de teclados, baixo funkeado de branco, bateria precisa, com algumas camadas de guitarra. Na produção estava Liminha, que já trabalhara com Kid Abelha, Paralamas do Sucesso e Titãs, entre outros. Em pouco tempo, Leoni aparecia na televisão, à frente da banda, cantando sucessos nacionais como a lírica Dublê de Corpo, a funkeada Nosferatu, a derramada Esse Outro Mundo e a balada clássica Só Pro Meu Prazer.

Estas canções fizeram do grupo uma pequena estrela no elenco da gravadora e deram visibilidade nacional. Mesmo com o evidente acento Pop nos arranjos e na própria imagem dos rapazes, o grupo se manteve com desenvoltura entre as formações mais tradicionais do Rock daquela época. Em pouco tempo, o álbum chegava ao status de Disco de Ouro e Só Pro Meu Prazer entraria para a trilha sonora da novela global Hipertensão. O sucesso do grupo continuaria em 1987, com o lançamento do segundo álbum, Religio, mas numa escala bem menor. Leoni permaneceria à frente da banda até 1990 e demoraria três anos para lançar seu primeiro e homônimo álbum solo, puxado pela grudenta balada Garotos Dois – O Outro Lado.

O primeiro álbum do grupo Heróis da Resistência foi relançado em CD no início dos anos 2000, estando fora de catálogo. Chega a custar entre R$ 180,00 e R$ 459,00 em alguns sites.

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MARCADORES: Cadê

Autor:

Carioca, rubro-negro, jornalista e historiador. Acha que o mundo acabou no meio da década de 1990 e ninguém notou. Escreve sobre música e cultura pop em geral. É fã de música de verdade, feita por gente de verdade e acredita que as porradas da vida são essenciais para a arte.