Cadê: O Primeiro Disco de Fausto Fawcett E Os Robôs Efêmeros, de 1987

Trabalho de estreia do músico e sua banda de apoio é hoje uma raridade, sendo apenas encontrado por meio de colecionadores

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Não era possível estar no Brasil em 1987 e passar imune àquela música estranha, que estourara em emissoras de rádio e TV por todo o território nacional. Quem era aquele sujeito estranho, cabeludo, feioso, falando aquela letra surreal sobre uma tal de Kátia Flávia? Mesmo que fosse estranho – e era, acreditem – não há como negar o pioneirismo do tal cabeludo, que atendia pelo nome de Fausto Fawcett, liderando uma banda chamada Robôs Efêmeros. Os sujeitos gravaram, talvez sem ter muita ideia, um dos primeiros raps em língua portuguesa.

Fausto Fawcett, na verdade, fora batizado como Fausto Borel Cardoso, nativo do Rio de Janeiro, mais precisamente de Copacabana, nascido em 10 de maio de 1957. Quando Fausto ingressou no curso de Jornalismo da Puc-Rio, em 1976, talvez não tivesse ideia de que estaria nos palcos do país em cerca de dez anos. Com desenvoltura pelos círculos de produção cultural carioca nos anos 70, Fausto fazia performances no campus da universidade, onde conheceu seu maior parceiro, Laufer. Os dois começaram a pensar numa forma de transformar a narrativa literária de Fausto em algo mais. Até então, o rapaz concebera uma Copacabana futurista, com referências cyberpunk e 100% carioca, trazendo para o presente um monte de questões e personagens absolutamente sensacionais. Em pouco tempo ele já adotara o sobrenome “Fawcett”, por conta da atriz e modelo americana Farrah Fawcett, estrela do seriado As Panteras.

Naquela versão do bairro da Zona Sul carioca valia praticamente tudo. Mesmo assim, Fausto assistiu ao primeiro boom do Rock nacional oitentista sem tomar parte. Continuava com suas performances até que foi convidado para se apresentar na inauguração da boate Mistura Fina, em 1986. Ele aceitou e selecionou Juliette: ninfeta Botticelli – a filha bastarda da seleção holandesa”, que contava a história de uma ninfeta loura (outra obsessão de Fawcett) que roubara uma holografia de Julio Iglesias segurando um vidro de Leite de Aveia Davene da embaixada da Espanha. Ao longo da narrativa enlouquecida, ele revela que a mãe da menina era stripper e o pai era desconhecido, mas fatos apontavam para um jogador da seleção holandesa de 1974. E ele segue perguntando, citando os nomes:

– Será o Rensenbrink?
– Pode ser…
– Ou terá sido Rep?
– Pode ser…
– Será o Van Hanegem?
– Pode ser…
– Ou terá sido Neeskens?
– Pode ser…
– Será o Suurbier?
– Pode ser…
– Ou terá sido Krol?
– Pode ser…
– Ou terá sido Cruijff?
– Ou o goleiro Jongbloed?

Depois do público testemunhar esse delírio absoluto, mas com um inegável apelo Pop, Fausto foi aplaudido de pé. Na plateia estava o cineasta Cacá Diegues, que comentou com André Midani, presidente da Warner Music Brasil, que, logo o contratou. Em menos de um ano, o primeiro disco era lançado, com o nome de Fausto Fawcett e os Robôs Efêmeros” e a produção laureada de Liminha, que trouxe um frescor eletrônico e grooveado, conferindo ao disco de Fausto uma sonoridade praticamente única. Dava para ouvir ecos do que Liminha conseguira em estúdio com os Titãs, sobretudo nas levadas de baixo e bateria.

O primeiro single foi Kátia Flávia, que trazia a história de uma fugitiva da polícia, que vai de Copacabana para o subúrbio num cavalo branco. A canção fez tanto sucesso com sua letra que misturava a topografia suburbana com mísseis franceses Exocet e calcinhas, que foi parar na trilha sonora nacional da novela global O Outro, além de frequentar os programas do Chacrinha e o Globo de Ouro. Além dela, Juliette aparecia em formato menor, misturando samba e Funk, com a participação de Fernanda Abreu, na época, apenas uma ex-integrante da Blitz. Entre os Robôs Efêmeros, estavam Marcelo Lobato, atual O Rappa, Laufer e Nelson Meirelles. O disco também trazia canções legais, todas ambientadas em Copacabana, como “Chinesa Videomaker e Gueixa Vadia.

Fausto não conseguiu repetir o sucesso arrasador do primeiro disco com o sucessor, Império dos Sentidos, que contou com a produção de Herbert Vianna mas voltou à ordem do dia quando começou a elaborar shows baseados em personagens que havia criado, como Santa Clara Poltergeist, que serviriam de inspiração para o próximo disco, lançado em 1992, Básico instinto.

O primeiro trabalho de Fausto Fawcett foi lançado em CD em 2001, na série Warner Achives e está fora de catálogo. Pode ser encontrado em sites da internet por R$ 379,00. Sim, isso mesmo.

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Autor:

Carioca, rubro-negro, jornalista e historiador. Acha que o mundo acabou no meio da década de 1990 e ninguém notou. Escreve sobre música e cultura pop em geral. É fã de música de verdade, feita por gente de verdade e acredita que as porradas da vida são essenciais para a arte.