Canções da Resistência: 15 Faixas Escritas durante a Ditadura Civil-Militar Brasileira

Músicas comprovam a luta cultural durante grave período de nossa história

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Liberdade de expressão. Já pensou viver sem ela? Você, que nasceu nos últimos anos do século passado ou já nesta nova centena de anos, pode imaginar como seria sua vida se você não pudesse expressar sua opinião a respeito de algo? Uma música, um filme, um livro…que você desejasse ver, ouvir, ler, e, simplesmente, não pudesse porque outras pessoas – que você nem conhece – dizem que “não, você não pode”. Parece impossível, né? Que em pleno presente da tecnologia, da acessibilidade, da comunicação instantânea, que isso seja possível. Pois bem, parece que algumas pessoas estão dizendo que, sim, nem tudo o que você pode pensar será permitido ou tolerado num futuro tristemente próximo. Por mais sério que isso seja, não é nossa função falar dessas pessoas aqui, neste texto. A ideia é falar em quem elas se inspiraram e como tudo isso significou um atrado de vida para nós. Estamos falando da ditadura civil-militar.

Sim, tem o “civil” na frente e isso é uma conquista recente, fruto dos estudos empreendidos por pesquisadores. O apoio dos civis, especialmente o que entendemos como classe média, foi fundamental para os militares se manterem no poder por tanto tempo, a saber, 20 anos, entre 1964 e 1984, mas há os que defendem o marco como sendo 1989, ano das primeiras eleições democráticas para Presidente da República. É bom que ressaltemos que este não é um artigo de História do Brasil, motivo pelo qual não vamos aprofundar os aspectos mais teóricos deste período, deixando a você a opção de procurar conhecer mais, exatamente como fazemos com nossas resenhas e artigos. O que faremos aqui é mostrar um traço importante deste tempo, a resistência que se fez através das canções.

A própria memória do período responde a esta característica, a de um cotidiano narrativo de experiências vividas por jovens, geralmente habitantes das cidades mais populosas do país, enfrentando uma rotina em que a tal liberdade de expressão – seriamente afetada a partir de 13 de dezembro de 1968, com o Ato Institucional nº5 – era artigo em falta na sociedade brasileira. Para “compensar” tal fato, o governo se saiu com peças de propaganda nas quais o slogan “Brasil, ame-o ou deixe-o” era um chamado aos descontentes. Queria dizer, em resumo: “não gostou? Então vaza”.

Sendo assim, vivendo numa sociedade tolhida, norteada por uma prosperidade de fôlego curto, chamada “milagre econômico”, fabricada artificialmente e que comprometeu direitos e esvaziou o salário mínimo como política social, esses artistas procuraram se expressar apesar de tudo. Aqui estão algumas canções deste período e que representam o conjunto, que é muito mais extenso, de composições e interpretações que expressaram resistência contra esta ideia tola de impedir que possamos eleger nossos representantes e dizer sobre o quê podemos ou não podemos falar. Há muitas outras para serem conhecidas.

Julinho da Adelaide – Jorge Maravilha (1975)

Chico Buarque foi um dos grandes combatentes da ditadura militar em suas canções. A partir de 1973, suas letras já recebiam tratamento especial por parte da Censura, que as interditava logo de cara. Percebendo isso, Chico inventou um heterônimo, Julinho da Adelaide, que seria um compositor da Favela da Rocinha, casado com Jurema, com livre trânsito nas rodas de samba das comunidades cariocas. Seria ele o personagem de Acorda Amor, o que chama pelo ladrão após constatar a chegada da polícia em seu barraco.

Certa vez, detido no Dops para averiguações, Chico foi abordado por um funcionário da instituição, que lhe pediu um autógrafo, dizendo ser para sua filha. Quando entrevistado, ele aumentou a história, dizendo que o pedido era para a filha do presidente Ernesto Geisel, Amália, que havia declarado ser sua fã. Mais tarde, ele contou a história real para os jornais. A letra fala exatamente disso, girando em torno da mitologia da filha do presidente linha dura gostar do compositor libertário e contrário ao regime. A ditadura militar brasileira foi a responsável por vários problemas atuais, como o aumento da miséria, o enfraquecimento dos serviços públicos de ensino e saúde, além de cerceamento das liberdades democráticas por mais de duas décadas.

Gonzaguinha – A Fábrica de Sonhos (1981)

Sobre o milagre econômico dos tempos da ditadura militar, especialmente a partir de 1968. Não bastasse o alto custo – pago pela população com o simples fato de não poder eleger seus representantes e se expressar publicamente – a política econômica adotada pelo ministro Delfim Neto não foi capaz de resolver os problemas estruturais do país, sobretudo, a distribuição de renda, a inflação e o déficit na balança comercial.

Parecia uma política bem sucedida, mas já dava sinais de esgotamento em 1971. Quando o preço do barril de petróleo disparou em 1973/74, os militares suspenderam as importações para dar fôlego pra comprar combustível no exterior, o que causou aumento de mais de 100% na inflação em menos de um ano. Em 1977, Jimmy Carter, presidente eleito nos Estados Unidos, adepto dos direitos humanos e em alinhamento com os nascentes preceitos do neoliberalismo, não mais apoiava as ditaduras militares da América Latina, que se tornaram entraves para a nova lógica.

Resultado? Ao fim dos anos 1970, o Brasil estava literalmente quebrado e assim continuou até meados dos anos 1990, quando as medidas econômicas do Plano Real entraram em vigor, também cobrando alto preço à população, sobretudo nas privatizações empreendidas pelo governo FHC, que não se mostraram eficazes e cuja rentabilidade só favoreceu a operadores dessa lógica. Gonzaguinha, um combatente ferrenho do regime militar, compôs A Fábrica de Sonhos em 1981, criticando a população de classe média, sustentáculo da ditadura, que a avalizou e foi a seu favor. “Milagre rima com vinagre”.

Milton Nascimento – Saudade dos Aviões da Panair (Conversando no Bar) (1975)

A ditadura civil-militar brasileira teve apoio de forças que ainda estão em atividade no país. Uma elite vinculada ao capital internacional, que vê o Brasil como um coadjuvante do cenário mundial, sempre em segundo plano, para que possa, através de contatos com agentes desta lógica, prevalecer em negociatas e manter influência no mercado interno, privilegiando multinacionais.

Sendo assim, qualquer iniciativa que fosse contrária à prevalência das multinacionais em solo brasileiro era mal vista e a ditadura foi eficaz em atrapalhá-las. Dois exemplos foram emblemáticos: a TV Excelsior e a Panair do Brasil, empresas de Mario Wallace Simonsen. A primeira foi extinta para que outra emissora de TV pudesse crescer, a segunda, igualmente extinta entre 1965 e 1968, atrapalhava a presença da Varig, vinculada ao Ministro da Aeronáutica, Brigadeiro Eduardo Gomes, candidato derrotado à presidência em 1945 e 1950, criador da UDN, um partido de direita radical. A Panair, inicialmente uma subsidiária da Pan American Airlines, foi nacionalizada em 1942, por Getúlio Vargas.

A letra de Fernando Brant, escrita em 1974, é uma reflexão sobre a ditadura já com dez anos de presença na vida das pessoas. Fala sobre o quanto a Panair – e iniciativas nacionais como ela – eram importantes no cotidiano do país e, no caso da letra, simbolizam o próprio mistério de se tornar adulto. A primeira Coca-Cola, o primeiro susto, a arma que se guarda (a lembrança dos tempos idos) são as memórias e únicas forças que sobram num momento de censura, repressão e tortura. A Panair era o exemplo de um Brasil autônomo, eficiente, igualitário e que “dava certo”. Um Brasil que foi abortado em 1964. Saudades dos Aviões da Panair foi gravada em 1975, por Milton Nascimento, no disco Minas.

Camisa de Vênus – Simca Chambord (1986)

Os baianos do grupo Camisa de Vênus sempre se notabilizaram por canções incendiárias, derivadas da origem do Rock’n’Roll e turbinadas por alguma urgência Punk setentista. Também sempre se mantiveram capazes de criticar costumes, caretices e maneirismos da sociedade brasileira. Com Simca Chambord, lançada em 1986, Marcelo Nova e seus amigos foram mais longe. Usaram uma sutilíssima metáfora da liberdade roqueira – o carro – e pisaram fundo na crítica política da ditadura militar brasileira.

O Simca Chambord foi o primeiro automóvel de luxo construído no Brasil, entre 1959 e 1967, na onda das modernizações industriais promovidas pelo governo JK. Era, portanto, um símbolo de status possuir um desses carros. A letra fala sobre uma lembrança “dos idos de 63”, portanto, um ano antes do golpe militar, sob a égide do governo Jango, na qual Nova recorda de seu pai se preparando para comprar o carro e lembrando que o “presidente João Goulart um dia falou na TV que a gente ia ter muita grana pra fazer o que bem entender”. Mais à frente, ele diz que “os jipes e tanques que mudaram os nossos planos” e que “eles fizeram pior, acabaram com o Simca Chambord”.

Claramente, o carro simboliza aqui o Brasil democrático, inclusivo e moderno que se insinuava nos anos 50.

Lô Borges – Clube da Esquina nº2 (1972)

Clube da Esquina nº2 foi composta e gravada em 1972, apenas em versão instrumental, no disco Clube da Esquina, de Lô Borges e Milton Nascimento, apenas com Milton Nascimento murmurando a melodia, num arranjo coletivo.

A letra só viria sete anos depois, com a perspectiva de lançamento em álbuns de Lô Borges e Nana Caymmi, em 1979. Márcio Borges, irmão mais velho de Lô, escreveu uma letra que retrata fielmente o Brasil que saía do buraco da ditadura militar, pelo menos em termos de obter mais liberdade.

A expressão “os sonhos não envelhecem” é bem emblemática da iminência da volta de vários cidadãos brasileiros que precisaram se exilar no exterior ao longo dos anos 1970 e que, finalmente, poderiam voltar para o Brasil sem o risco de serem presos e torturados. Em outra passagem, na qual vem o verso “em meio a tantos gases lacrimogêneos ficam calmos, calmos”, a letra fala da resistência ao peso do regime militar, à capacidade de manter-se firme, mesmo que parecesse o fim, com as mortes e torturas impostas.

Muita gente, com o afago do tempo, pensa que a ditadura civil-militar brasileira foi branda, foi só para os “desordeiros”, que é exagero pintá-la com cores sombrias. O que podemos dizer é que ela não existiria sem o apoio de grande parte da classe média brasileira, conservadora, temerária. Quando os militares assumem o poder, colocam em pauta a agenda dessa classe média, com o mote de que “é preciso fazer o bolo crescer para depois dividir”, no qual ficava explicitada a acumulação desigual de renda, do empobrecimento galopante da população mais humilde, do sucateamento do aparelho público em favor da iniciativa privada.

Gilberto Gil – Aquele Abraço (1968)

Gilberto Gil foi “convidado a sair do Brasil” logo após o AI-5, baixado em 13 de dezembro de 1968. Ele e Caetano Veloso foram presos em São Paulo e enviados ao Rio para “averiguações”. Ambos estavam envolvidos com o Tropicalismo e vinham compondo canções e se apresentando na TV e em teatros do país, ações consideradas perigosas pelo regime militar. Caetano e Gil foram enviados para o quartel da Escola Militar do Realengo, na Zona Oeste do Rio e lá ficaram por dois meses até que fosse permitida sua ida para Salvador e sua partida para o exílio em Londres logo depois. Muitos pensam que uma de suas mais conhecidas canções, Aquele Abraço, é uma declaração de amor ao Rio de Janeiro e ao Brasil, mas trata-se do extremo oposto.

Gil compôs a letra como quem deixa o país para trás, com certo alívio e muita ironia. Quando canta “alô, alô, Realengo”, ele está zombando de seus algozes, sejam eles guardas, sejam eles os próprios generais e comandantes da ditadura militar. Quando manda um abraço para a torcida do Flamengo, Gil, torcedor do Fluminense, zomba do senso comum representado pelo clube de futebol mais popular do país e maior rival do seu.

O cumprimento de Gil ao Rio é uma espécie de adeus ao Brasil, àquele Brasil que vivia a ditadura militar, com o qual o artista não compactuava e que o havia obrigado a partir.

Simone – Por Este Dia de Graça (1984)

Este belíssimo samba é de autoria de Luis Carlos da Vila e foi gravado em 1984 por Simone e Neguinho da Beija-Flor. Luis Carlos foi um dos participantes importantes do bloco carnavalesco Cacique de Ramos em fins dos anos 1970, junto com Arlindo Cruz, Sombrinha, Almir Guineto, Sereno e tantos outros que fundaram o que seria conhecido como “moderno samba carioca”.

A letra é uma anunciação pelo fim da ditadura militar, usando como pano de fundo a felicidade, a união de todos e manifestação das pessoas na rua, em festa

Chico Buarque – Angélica (1981)

A estilista mineira Zuzu Angel foi a primeira brasileira de sua área a expor criações no exterior, mais especificamente em Nova York. Usando elementos da natureza brasileira, como pedrarias, madeiras e outros detalhes da floresta tropical, ela fez carreira internacional, mas ganhou notoriedade no Rio de Janeiro dos tempos da ditadura militar a partir do desaparecimento de seu filho Stuart, preso em 1971, cujo paradeiro foi desconhecido por muito tempo. Supõe-se que seu corpo, após um bom tempo na carceragem da base aérea do Galeão, tenha sido atirado ao mar. Zuzu usou sua arte como forma de protesto. Suas criações mudaram radicalmente e o luto passou a ser uma atitude permanente, além de estampar motivos bélicos e sombrios em vários modelos e se valeu da imprensa internacional para contar a história de seu filho, uma vez que era proibida de falar sobre o assunto no Brasil.

Em 1976, Zuzu morreu misteriosamente num acidente automobilístico, na saída do Túnel Dois Irmãos, entre a zona sul e a zona oeste do Rio. Anos depois, o mesmo túnel recebeu seu nome como homenagem. Investigações posteriores mostraram indícios de participação de militares no acidente e relatos de agentes da repressão deram conta de que o corpo de Stuart fora jogado no mar após morrer durante as torturas a que foi submetido.

Chico Buarque, amigo pessoal de Zuzu, compôs (com Miltinho, do MPB-4) Angélica em 1977, mencionando na letra o fato do corpo de Stuart estar no fundo do mar e aludir ao próprio sobrenome dela no título da canção. É mais um exemplo de como a vida pode ser frágil num ambiente em que a democracia e os direitos pessoas não são prioridade. A canção foi gravada em 1981, integrando o clássico álbum “Almanaque”.

Chico Buarque – Acorda Amor (1974)

Chico Buarque gravou Acorda Amor em 1974, em seu belo álbum Sinal Fechado. A ideia da letra é bem simples: quando as próprias autoridades e o governo se tornam por demais opressores e antipovo, é melhor esperar que o ladrão genérico e informal assalte nossa casa de madrugada, em vez do poder público instituído.

Ivan Lins – Cartomante (1978)

Ivan Lins gravou Cartomante em 1978 no seu álbum Nos Dias de Hoje, após compô-la com seu parceiro, Vitor Martins, tendo em vista a interpretação de Elis Regina. A canção é emblemática do período de enfraquecimento da ditadura civil-militar brasileira em fins dos anos 70. A letra faz uso da figura do “destino” como algo que tem seu próprio curso, apesar dos homens e das demais forças que podem intervir.

A iminência da anistia, fruto da abertura “lenta, segura e gradual” proposta pelo governo do presidente-general Ernesto Geisel já estava no horizonte e Ivan previa que, apesar de todos os cuidados que as pessoas deveriam ainda tomar, sobretudo na expressão de suas ideias e convicções, era possível ver que “já estava prevista” a mudança do sistema, simbolizada aqui pela queda do rei de espadas, do rei de ouros, do rei de paus, todos caindo e não ficando nada no fim.

Plebe Rude – Proteção (1985)

O grupo brasiliense Plebe Rude compôs Proteção no início dos anos 1980, sob a influência da truculência policial durante a ditadura militar. A letra aponta a polícia como um instrumento de repressão do estado ilegitimamente composto, ou seja, sem eleições diretas, para com a população, mantendo a lógica de que “o aparato repressor existe para proteger o povo”. A canção foi incluída no primeiro disco da banda, o excelente O Concreto Já Rachou, lançado em 1985.

Eventos ocorridos recentemente, especialmente a partir de 2016, fizeram com que Proteção ganhasse novamente ares de verdade. Não por coincidência, quando a polícia protegeu um governo, escolhido sem eleições diretas.

Caetano Veloso – Soy Loco Por Ti América (1968)

Em 1968, Caetano Veloso gravou Soy Loco Por Ti America, composta por Gilberto Gil e Capinam. A canção sintetiza o espírito efervescente da América Latina na década de 1960, especialmente o aspecto revolucionário. Era um tempo em que Cuba levava adiante sua Revolução e seu exemplo apavorava as elites conservadoras e os Estados Unidos, que temiam o surgimento de “novas Cubas” em países como Chile, Brasil e Argentina, financiando e promovendo golpes de estado para evitar qualquer rumo em direção ao socialismo que Cuba implantara. É uma das canções mais conhecidas do Tropicalismo.

A imagem mítica de Fidel Castro e Che Guevara como heróis que venceram os opressores, libertando os oprimidos, alimentou os sonhos de muitos dos jovens idealistas dos anos sessenta, alguns deles protagonistas do Maio de 1968 em Paris.”

Milton Nascimento e Clementina de Jesus – Os Escravos de Jó (1973)

Em 1973, Milton Nascimento estava gravando seu disco Milagre dos Peixes, quando recebeu notificação da Censura Federal a respeito da interdição de três faixas: Cadê, Hoje É Dia de El Rey e Os Escravos de Jó. A resistência veio na forma de gravar as canções apenas com sua parte instrumental. Em vez das letras, Milton faria vocalises, algo que sempre fez muito bem.

Das três, a gravação de Escravos é a mais arrebatadora, com participação de Clementina de Jesus em meio a um coro de vozes que apenas canta a melodia. O último verso foi cantado pela veterana sambista de modo quase ininteligível: “Saio do trabalho, ei/Volto para casa, ei/Não lembro de canseira maior/Em tudo é o mesmo suor”.

Em 1977 a canção foi gravada por Elis Regina com outro título, Caxangá, e com a letra – escrita por Fernando Brant – em sua íntegra. Apesar da letra ser maravilhosa, o registro de 1973 segue como o melhor dessa canção.

Raul Seixas – Aluga-se (1980)

Quando o chamado “Milagre Econômico” começou a aumentar o PIB do país, entre 1968 e 1973, os militares diziam que “era preciso aumentar o bolo para só depois repartir”. O que se depreende disso é que os governos dos generais-presidentes não tinham qualquer compromisso com a distribuição de renda, o que gerou uma desigualdade absurda entre pobres e ricos no país, com a existência de uma classe média que começou a ser achatada pela disparidade.

Sabemos que o Milagre não durou muito, que foi feito às custas de manobras financeiras urdidas pelos ministros Delfim Netto e Mario Henrique Simonsen, basicamente investindo nas empresas estatais e pensando em obras como a Ponte Rio-Niteroi ou a Usina de Itaipu, que, paradoxalmente, constituiram-se em acertos daquelas administrações, gerando empregos e trazendo desenvolvimento para o país. Mesmo assim, a ilusão de prosperidade econômica não resistiu às crises do petróleo de 1971 e 1974 e ao surgimento dos primeiros indícios do neoliberalismo, ao longo dos anos 70, quando a presença de militares nacionalistas que investiam em empresas estatais já não era tão bem visto pelos Estados Unidos quanto antes.

O fato é que o Brasil quebrou no fim da década e Raul Seixas, um sujeito antenado e nada doidão, pensou que uma boa solução para o país seria alugá-lo como forma de compensar algum prejuízo. A letra acena para o calote da dívida externa, que era de 90 bilhões de dólares, no simpático verso “nós não vamos pagar nada”, algo que o país fazia a duras penas, usando quase tudo o que arrecadava em exportações para amortizar os juros.

Gravada em 1980, no disco Abre-te Sésamo, Aluga-se tem levada Rock’n’Roll clássica, sendo um dos últimos sucessos de Raulzito.

Banda Black Rio – Dança do Figueiredo (1979)

O genereal João Baptista de Oliveira Figueiredo foi o último presidente militar da ditadura iniciada em 1964. Famoso por dar declarações em que dizia preferir o cheiro de cavalos ao cheiro do povo, Figueiredo foi incumbido de efetivar a anistia para os exilados políticos e, infelizmente, para os agentes da repressão.

Àquela altura, o país já estava em outro clima, embalado por ventos de liberdade e sua trilha sonora abrangia Disco Music, Funk americano e uma MPB criativa, além do nascente rock nacional da década seguinte. A Banda Black Rio gravou a sensacional Dança do Figueiredo, também conhecida como Melô do Figueiredo, utilizada em programas de auditório como o de Carlos Imperial, que promovia concursos de “melhor dançarino e dançarina de discoteca”. A canção também foi incluída na trilha sonora do filme Sábado Alucinante.

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Carioca, rubro-negro, jornalista e historiador. Acha que o mundo acabou no meio da década de 1990 e ninguém notou. Escreve sobre música e cultura pop em geral. É fã de música de verdade, feita por gente de verdade e acredita que as porradas da vida são essenciais para a arte.