Capas de Discos: Janelas de Som

Como os projetos gráficos de álbuns se relacionam com a música de seus respectivo discos

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O processo de composição e produção de um álbum é algo muito complexo. Conseguir conciliar as atividades de escrever músicas, gravá-las, mixá-las, masterizá-las e depois disso vender o produto realmente é exaustivo. Mas um dos maiores empecílios (e ao mesmo tempo prazeres) de se fazer um disco é escolher a sua respectiva capa.

Nesse âmbito, encontramos tanta liberdade quanto no processo de composição musical. As bandas podem explorar a fotografia, desenho manual, desenho digital, tipografia, colagens entre outros. Ainda que esse seja um campo de criação muito extenso, é preciso tomar cuidado. Os projetos gráficos podem dizer muito sobre o que está contido nas faixas desse disco, então, não adianta escolher uma capa apenas por ela ser bonita. É interessante que ela traduza o conteúdo das músicas. E quando isso acontece, quando a música é traduzida graficamente, temos trabalhos gráficos incríveis de se admirar.

Então, aqui temos uma pequena seleção de como os discos se expressam através de suas capas, assim como, de que forma os estilos de arte se relacionam com sua composições.

Medieval

O estilo artístico medieval é um que nos conta muitas histórias. Não que os outros tipos de pintura não o façam, mas há uma riqueza de narrativas em seus traços que nos instigam e nos fazem querer ouvir essas lendas e fábulas. Dessa forma, encontramos várias abordagens gráficas em discos, tanto atuais quanto antigos. Um exemplo clássico é o sétimo trabalho de uma das bandas de Rock Progressivo mais conhecidas, Yes. O álbum Relayer traz essa referência medieval claramente mostrada pelos cavaleiros no canto direito do disco, e não poderia haver uma representação melhor para a obra, afinal, ela conta com extensas faixas de até 20 minutos de duração. Ou seja, uma verdade odisséia (e portanto, várias histórias) para os ouvidos que não estão acostumados com o progressivo.

*Yes – Relayer (1973)*

Atualmente, encontramos uma influência medieval no primeiro trabalho em estúdio do Fleet Foxes. O quadro é uma pintura datada do ano de 1559 e ela retrata vários temas pertinentes a esse periodo da Idade Media, demonstrados em várias pequenas situações. O legal é que as letras deste disco são tão plurais quanto as figuras da capa. Sao abordados temas como a morte, viagens, existencialismo, fenômenos naturais, monstros misteriosos entre outros. Enfim, um verdadeiro livro de fábulas. Fora a questão das letras, o disco do Fleet Foxes também se aproxima de uma sonoridade medieval, com seus cantos harmonizados, bandolim e percussões típicas.

*Fleet Foxes – Fleet Foxes (2008)*

Minimalismo

As pessoas tendem a confundir um pouco Minimalismo com preguiça. Na verdade, a opção de trabalhar com poucos elementos dá ao espectador uma curiosidade imensa de buscar significado por trás da peça gráfica a ser observada. Dessa forma, o que parecia ser algo simples e de produção rápida, na verdade se configura como um trabalho em que cada elemento é muito pensado antes de ser colocado, já que você não pode disfarçar nada com camadas, o que você vê é o que é. O exemplo mais claro e famoso dessa vertente artística são os dois discos do trio The XX. Utilizando o mesmo elemento nas duas capas, há um grande mistério quando nos deparamos com a simplicidade da arte (pausa para uma piada marota: o famoso X da questão). Entretanto, quando escutamos os trabalhos percebemos que a identificação é imediata. O som que o trio propõe é um som extremamente minimalista, as faixas de guitarra, baixo e sequenciador de bateria evitam os excessos. Uma hipóstese dessa escolha estética é para que o ouvinte preste atenção nas letras, e é aí que descobrimos porque eles são tão timidos na faixa instrumental. Os temas das músicas do The XX são bem filósóficos, ainda que haja certa carga de depressão. Dessa forma, o pouco expressado na capa do disco e na instrumentação tem muito significado, compravado pelas suas letras.

*The XX – The XX (2009)*

Surrealismo

Tudo pode acontecer aqui. E quando eu digo tudo, é tudo MESMO. Mais conhecido por trabalhos de pintores como Salvador Dali e Miró, o Surrealismo valoriza o inconsciente do indivíduo e, portanto, tudo pode sair de lá, já que não temos controle do que se passa por lá. Dessa forma, não poderia haver uma relação melhor do que com as capas de discos do The Mars Volta. Todas elas tem algo que espanta. Seja uma boca gigante sendo carregada por três homens em Amputechture, ou uma forma abstrata em que é possível ver alguns contornos de uma forma nua feminina e certos legumes (Octahedron), ou algumas figuras árabes andando por uma espécie de Jerusalém tecnológica enquanto são surpreendidas por um gigante que carrega um balde em sua cabeça (ufa) vistas na capa de The Bedlam In Goliath. A relação que o Surrealismo tem com as composições da banda é quase que automática. Vemos isso tanto na parte instrumental, com contratempos malucos e desconexões harmônicas, quanto nas letras que neste ultimo disco citado, foram feitas, segundo a banda, a partir da comunicação de um espírito maligno que se manifestou para um dos integrantes. Realmente, uma viagem muito louca e que vale a pena ser escutada.

*The Mars Volta – The Bedlam in Goliath (2008)*

Psicodelia

A viagem agora é envolvida com ácido. A psicodelia marcou fortemente as capas de discos produzidas nos anos 60 e 70 causando uma identidade visual muito forte da cultura pop desta época. Embora haja muitas referências desta época que podemos citar, como Rubber Soul dos Beatles ou o famoso disco dos Mutantes intitulado Mutantes e Seus Cometas no País dos Baurets, um registro mais perto dos dias de hoje que também optou pela estética psicodélica em sua capa, foi o primeiro disco da banda australiana Tame Impala, Innerspeaker. Ainda que ela ignore um pouco dos traços em desenhos, e se foque mais na fotografia, essa capa por si só é capaz de comunicar a sonoridade que escutaremos adiante. As cores alteradas da fotos e a repetição destas “faixas de horizonte”, nos alertam que o álbum é um verdadeiro delírio e que mesmo sendo algo lisérgico é algo plausível de se apreciar em larga escala.

*Tame Impala – Innerspeaker (2010)*

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Autor:

Produtor, pesquisador musical e entusiasta de um bom lounge chique