Chrissie Hynde, a Dama do Rock

Conhecida por seu trabalho com The Pretenders, artista lança agora seu primeiro disco solo

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Fotos: Dean Chalkley

Este ano de 2014 assiste ao lançamento do primeiro álbum solo de Chrissie Hynde. Após vários lançamentos com sua banda de fé, The Pretenders, e um trabalho colaborativo (Fidelity, de 2010, com o galês JP Jones), Hynde finalmente retorna no comando tático de sua criação, num disco que ela já definiu como “meio Abba, meio John Lennon”, que traz participações legais Neil Young e inusitadas (o tenista John McEnroe), além da produção arejada e simpática de Björn Yttling, do trio Peter, Björn and John. Você, querido/a leitor/a, precisa conhecê-la.

Estamos em Akron, Ohio, 1973. Christine já decidiu partir para Londres. Não adianta, é o que ela deseja. Os pais já se conformaram, a menina só se interessa por música e escrever sobre esse assunto. Não para de ler as revistas especializadas, já toca guitarra razoavelmente bem e já guardou dinheiro pra viagem, logo, não há como impedí-la. Um narrador em terceira pessoa talvez se referisse aos últimos dias de Chrissie Hynde em sua cidade natal desta forma. A futura líder dos Pretenders, fã de artes, de cultura oriental e apaixonada pela proposta da vida à frente de uma banda de Rock, desembarcou na capital inglesa e logo procurou se virar. Após trabalhar algum tempo num escritório de arquitetos, Chrissie bateu na porta do semanário NME, buscando uma vaga como redatora. Admitida após impressionar o pessoal da revista, a moça mergulhou na fascinante e agitadíssima cena inglesa pré-punk, chegando a pedir Johnny Rotten e Sid Vicious (ambos futuros integrantes de Sex Pistols) em casamento (não ao mesmo tempo, claro), com vistas a obter permanência definitiva na Inglaterra, mas ambos declinaram. Chrissie precisou passar algum tempo na França, depois para os Estados Unidos para poder retornar, o que aconteceria em 1976. Ela voltou decidida a entrar para uma banda.

Quase fez parte da banda 999 e, um pouco depois, quase formou um grupo como Mick Jones (futuro integrante de The Clash). Como nada acontecia, pediu ajuda a ninguém menos que Malcolm McLaren, o empresário de Sex Pistols, que também procurou colocá-la em algum grupo a ponto de estourar mas nada deu certo e Chrissie só veria esse cenário mudar em 1978, quando conheceu Dave Hill, que se tornou seu empresário. Sua chegada deu a ela um pouco mais de confiança após tantas apostas erradas. Em pouco tempo, Pete Farndon (baixo, vocais), James Honeyman-Scott (guitarra, vocais) e Matt Chambers (bateria, vocais) foram arregimentados e, como todos dividiam o amor por Soul Music, dediciram dar à banda o nome de The Pretenders, com base na versão que Sam Cooke fizera nos anos 1960 para The Great Pretender. clássico da carreira do grupo vocal Platters.

Os dois primeiros discos, Pretenders (1980) e Pretenders II (1981) tem uma quantidade assustadora de boas canções, distantes o suficiente do som que se fazia na Inglaterra na época e com poder de fogo necessário para agradar a vários públicos. Kid, Brass In Pocket, a cover para Stop Your Sobbing The Kinks no primeiro e Message Of Love, Talk Of The Town, The Adultress, no segundo. Apesar do instrumental seguro e entrosado que Chambers, Scott e Farndon proporcionavam, o charme da banda estava na figura daquela mulher com olhos azuis, cabelos negros e voz peculiar. Este primeiro momento de sucesso foi logo interrompido por causa das drogas. A banda toda estava comprometida, mas Honeyman-Scott morreria em pouco tempo por conta de problemas cardíacos após ser demitido do grupo em junho de 1982. Farndon também não conseguiria sobreviver a uma overdose de heroína em abril de 1983. Hynde não se deixou abater e decidiu continuar com The Pretenders, tendo apenas Chambers na bateria e buscando novos integrantes para assumir os postos vagos.

Para o álbum seguinte, Learning To Crawl, vieram o baixista Malcolm Foster e o guitarrista Robbie McIntosh, e o lançamento ocorreu em janeiro de 1984. Outros dois hits irresistíveis vieram, Back On The Chain Gang e Middle Of The Road, ambos mais inclinados para o Pop de guitarras, com mais referências a canções clássicas sessentistas americanas. Além deles, 2000 Miles, My City Was Gone e a cover do grupo Soul Persuaders, Thin Love Between Love And Hate, fizeram bonito junto aos fãs e paradas de sucesso. O triunfo do álbum levou a banda a participar do Live Aid, em 1985.

Apesar da boa performance de Learning To Crawl, Hynde decidiu mudar a formação da banda para o próximo trabalho. Demitiu o baterista original Chambers e o baixista contratado Foster e contratou novos integrantes, Blair Cunningham e T.M Stevens assumiram as funções, respectivamente. Get Close foi o nome dado ao quarto disco do grupo, lançado em novembro de 1986. O sucesso mundial Don’t Get Me Wrong antecipou o disco, chegando a fazer parte de trilha sonora de novela global por aqui. Mesmo insistindo em manter o nome The Pretenders, ficava evidente que Hynde era a dona da bola, a instrumentista e vocalista madura, à frente de tudo. Nada errado nisso, mas o disco talvez tenha na ausência do clima de colaborações, típico de uma banda, a sua maior lacuna. É Pop Rock sob encomenda para as paradas de sucesso mas pouco além disso, ainda que, em turnê, Johnny Marr (guitarra) e Bernie Worrell (teclados, ex-Parliament) tenham se juntado ao grupo.

Packed, quinto álbum da banda, viria à luz em 1990. Talvez seja um momento pouco inspirado na carreira de Chrissie Hynde, em processo de divórcio de Jim Kerr, vocalista do grupo Simple Minds e seu marido desde 1984. O que poderia ser um trabalho voltado para o expurgo dessas emoções, transformou-se num álbum pouco inspirado. Mesmo assim, a banda viria ao Brasil pela primeira vez nesse ano, para participar do Hollywood Rock. Mais quatro anos e o sexto registro, Last Of The Independents chegava ao público, dessa vez com outro sucesso mundial, a balada I’ll Stand By You, próxima da perfeição, mas vitimada (assim como o disco) pela crítica da época, deslumbrada com modernices como o Grunge ou o Britpop. Além disso, Matt Chambers retornava ao posto de baterista.

Entre 1995 e 2008, Pretenders entraria para o Hall Of Fame do Rock’n’roll e lançaria quatro álbuns, sendo Isle Of View um trabalho nos mesmos moldes do programa MTV Unplugged, apenas com versões em arranjos acústicos de clássicos da carreira. Os trabalhos autorais, Viva El Amor (1999), Loose Screw (2004) e Break Up The Concrete (2008) mantiveram intacta a mesma receita de sucesso da banda, ou seja, a mistura de instrumental pesado, clássico, derivado de Punk, Rock sessentista, servindo como moldura para as letras engajadas de Hynde. O último disco, em especial, recupera bastante do clima dos primeiros álbuns do grupo, tornando-se um dos favoritos dos fãs. Em 2010, ao lado do violonista, compositor e cantor galês JP Jones, Chrissie lança o simpaticíssimo Fidelity, com um clima rural e brejeiro ainda inédito na carreira de nossa musa. Ativista ecológica, integrante de instituições para defesa dos animais, compositora marcante, vocalista emblemática e gente boa, não há nada a ser dito em desfavor desta jovem senhora de 62 anos. Ela se manteve relevante através do tempo, encheu-se de vontade e resolveu lançar seu primeiro álbum solo. Só nos resta aguardar ansiosamente e ouvir. Bastante.

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MARCADORES: Redescobertas

Autor:

Carioca, rubro-negro, jornalista e historiador. Acha que o mundo acabou no meio da década de 1990 e ninguém notou. Escreve sobre música e cultura pop em geral. É fã de música de verdade, feita por gente de verdade e acredita que as porradas da vida são essenciais para a arte.