Coldplay e a Melancolia Poética

Álbum revelou a banda como jovens músicos ainda em processo de aprimoramento de suas doces melodias e harmonias

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Sabe aquele disco lançado há algum tempo que você carrega sempre com você em iPod, playlist e coração, mas ninguém mais parece falar sobre ele? A equipe Monkeybuzz coleciona álbuns assim e decidiu tirar cada um deles de seu baú pessoal e trazê-los à luz do dia. Toda semana, damos uma dica de obra que pode não ser nova, mas nunca ficará velha.

Coldplay – Parachutes (2000)

Eu era bem nova quando ouvi Coldplay pela primeira vez e não entendia muito – ou quase nada – de música, além de saber das coisas que me agradavam e dos álbuns de música popular brasileira que estavam perdidos pela sala de casa. Mas quando ouvi a primeira música, logo de cara, tive uma sensação de que precisava de mais daquilo. Algumas audições pela Internet (discada, na época) faziam com que os versos estranhamente dissonantes me deixassem intrigada. O refrão quebrava com tudo e eu era levada pela música, de uma forma que é difícil acontecer hoje em dia. Algum tempo depois, eu ganhei o álbum de Natal da minha avó, com sua brilhante e romântica imagem de um globo laranja e, lentamente, me apaixonei pela banda. Ele me servia como trilha sonora de noites de sonhos e desejos não correspondidos, de um tempo fadigado pelo clima do interior. Algo que levava (e leva) ao (meu) limite.

O registro em questão era Parachutes, primeiro álbum de estúdio da banda inglesa, com dez faixas, lançado em 2000 pela Parlophone – fui ouvir tardiamente, quando eles estavam trabalhando na turnê do segundo, A Rush Of Blood To The Head.

Parachutes foi o sucessor do EP Safety, primeiro lançamento público da banda, em 1998. Este, serviu como uma demo, mas vendeu apenas 50 cópias e acabou sendo distribuído a amigos e familiares, já que não chegou a emplacar nas lojas. Mostra um pouco das raízes e inspirações da banda, importante para entendermos o que viria em seguida no álbum em questão. Quem conhece a banda pelos trabalhos atuais em Mylo Xyloto e Viva La Vida, que pulsam e irradiam alegria a cada verso, podem não reconhecer a sonoridade presente em Safety, que traz um som muito mais pesado e carregado de emoção do que qualquer outro produzido posteriormente, mas que influenciou e muito a sonoridade da banda em seus trabalhos.

Quando uma banda explode no cenário musical, como Coldplay fez com Parachutes em meados dos anos 2000, as pessoas sempre se animam para saber o que virá a seguir. A crítica britânica, na época, classificou o álbum como um dos melhores do ano, causando um espanto positivo pela banda ter apresentado um trabalho de tanta qualidade em uma estreia. O disco foi aclamado pelos críticos do Reino Unido, sendo ressaltada a pouca idade dos músicos, que na época estavam no auge dos vinte e poucos anos e já recebiam elogios e conquistavam fãs.

Porém, a crítica da época, principalmente a americana, também caiu em cima da banda apresentando diversos pontos negativos. Coldplay foi diretamente comparada à popularidade gigantesca de bandas como Radiohead e Travis, sendo relacionado inclusive com o momento político que a Inglaterra vivia na época, marcada por desilusão e apatia política acompanhada de um mau humor crescente na música pop britânica. Segundo a crítica, a introspecção mais complexa das canções estava tingida com uma melancolia não muito diferente dos dias que terminam de uma relação tempestuosa e cinzenta.

Fato é que Parachutes (e a própria banda) dividem opiniões até hoje. Com uma produção terna de Ken Nelson, é prazeroso ouvir no disco o som da guitarra quase acústica e lamentosa de Jon Buckland, mesclando-se com o baixo de Guy Barryman e a bateria de Will Champion que, com a voz e piano de Chris Martin, formam um conjunto harmônico, sensível e ritmado. Na realidade, o segredo é a voz de Martin, que consegue reproduzir o sotaque acentuado de Dave Matthews em um minuto e o de Jeff Buckley ou Peter Gabriel em outro. Ele parece se entregar profundamente nas canções, o que ajudou a banda a conquistar ainda mais o público e angariar fãs. Ele também está perto de Thom Yorke na questão vocal, capaz de um falsete doce e empolgante até cantar a plenos pulmões – o suficiente para conseguir fazer com que multidões erguessem seus braços e isqueiros em estádios durante os shows nos ápices emocionais das apresentações.

Combinando riffs de guitarra distorcidas e balançados de percussão, Parachutes é uma introdução agradável e também indica rapidamente a razão pela qual este álbum ganhou uma indicação Mercury Music Prize em 2000. É um processo bem maluco experimentar o álbum em si, que traz uma sonoridade difícil de palpar, ambientada pelo humor sensível, melancólico e profundo que a banda cria em cima das canções. É como não poder tocar, apenas ouvir e sentir a melodia se misturando com as letras poéticas e sensíveis. No álbum, certas canções podem ser consideradas peças centrais óbvias – algumas que, inclusive, foram escolhidas como singles.

Ele abre com Don’t Panic, uma faixa que traz uma atmosfera sonhadora e suave com o falsete em coro de “We live in a beautiful world”, que parece resumir o sentimento geral do registro de Martin, e fecha com a inspiradora e positiva Everything’s Not Lost (que tem uma música escondida no final, Life is for living, gravada em ambientação Lo-fi).

Uma das características marcantes de Trouble, por exemplo, é a melodia de piano contemplativa que o vocalista Chris Martin apresenta. Aliás, contemplativo é uma boa descrição do estado de espírito do álbum como um todo, coisa que fiz bastante quando o ouvia (e confesso que talvez ainda o faça).

Yellow foi o primeiro single e a música que todo mundo começou a falar logo de cara, com uma introdução de guitarra “grudenta” e versos acústicos melancólicos, como um hino ao amor de cortar o coração, nos lembrando de como somos consumidos por esse primeiro sentimento (que às vezes doi, sim). Chris Martin certamente frisou isso dizendo que “for you I’d bleed myself dry” (Por você, eu sangraria até secar). As guitarras em propulsão só fazem essas emoções ainda mais palpáveis.

Shiver, outro single, traz a variação entre um som de um ataque de guitarra no refrão e um humor mais silencioso nos versos. A maioria das outras canções também acontecem numa espécie de deriva que vaga por dentro e fora da consciência, sempre passando por letras e melodias sensíveis e até melancólica.

Parachutes foi uma estreia promissora para Coldplay, elevando-se em suas influências para se tornar uma obra de transcendência verdadeira, onde a banda cria um mundo próprio hipnótico e supremo. Ele mereceu os elogios que recebeu por ter seguido a regra geral de apresentar ao público boas canções com uma pegada mais pop que conservam a emoção genuína e real, o que a banda fez sem hesitação e com sucesso.

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ARTISTA: Coldplay
MARCADORES: Fora de Época

Autor:

Largadora por vocação. Largou faculdades, o primeiro namorado e o interior. Hoje só quer saber de arte, cinema, música, fotografia e sair correndo pelo mundo.