“Crooked Rain, Crooked Rain”, Obra De Seu Tempo

Comemorando 20 anos de seu lançamento, disco do Pavement permanece um clássico, mas não por motivos óbvios

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Você já se pegou revoltado por não entender por que todo mundo fala de um disco que você não vê tanto valor ou qualidade assim? Tenho duas dicas para você.

A primeira é que você não deveria se importar tanto, pois nem todo mundo precisa gostar de tudo e isso é perfeitamente normal. A segunda e mais importante para o desenvolvimento desse artigo sobre os 20 anos de Croked Rain, Crooked Rain, segundo disco da banda californiana Pavement, é que alguns clássicos ganharam a fama por representarem muito bem um período específico da música e sua apreciação vinha acompanhada de uma série de acontecimentos da época que, juntos, colaboraram para que a obra fosse um ícone daquele momento.

Quando essa mesma criação é ouvida fora de sua época de origem, por alguém que não viveu seu contexto, ela é obrigada a se sustentar apenas pela música. Parece óbvio que, para um álbum ser considerado um clássico, o mínimo que ele precisa é ter nas faixas a sua maior qualidade, mas não é tão necessário assim – como, de certa forma, é o caso do disco da banda de Stephen Malkmus que, apesar de trazer hits excelentes e instantâneos, como Cut Your Hair e Gold Soundz, não é memorável de maneira óbvia.

Não se precipite em formar conclusões a partir do que foi dito nos parágrafos anteriores, Crooked Rain, Crooked Rain é sim um álbum excelente, um clássico da música alternativa e que pavimentou (perdão pelo trocadilho) o caminho de boa parte das bandas independentes que surgiram nas décadas seguintes.

A grande questão é que a importância do álbum vai além de sua qualidade musical e passa inevitavelmente por todo o contexto da época. Após a ascensão astronômica do Nirvana e do Grunge em geral, a sensação de que aquele projeto de banda entre você e uns amigos poderia dar certo aumentou. Mas, ainda assim, a banda de Kurt Cobain passou a dominar de maneira tão grandiosa o mainstream que aquele distanciamento entre fã e ídolo continuava muito grande.

Slanted and Enchanted (1992) foi o primeiro disco da banda do garoto Malkmus, em seus pouco mais de 20 anos. Após aparecer em alguns veículos importantes, a banda ganhou boa popularidade e representou para seu jovem selo Matador Records, um de seus grandes sucessos e quando o grupo realmente acreditou que aquele projeto poderia vingar.

Dois anos depois, coincidindo com o aumento de popularidade das fanzines, revistas produzidas de maneira independente por jovens que queriam falar de suas bandas preferidas e que ajudaram a formar o gosto musical de boa parte dos jovens roqueiros da época, o desafio da banda era ter sucesso com o temido segundo disco. Aí que entra parte do diferencial do Pavement. Para eles, isso não era realmente um problema, a postura da banda de apenas fazer o que gosta, sem pensar muito no impacto de seu trabalho definiria seu comportamento e influenciaria a atitude de boa parte do que hoje consideramos como bandas independentes.

Essa proximidade entre uma banda que está conquistando o mundo aos poucos, mas sem perder aquele cheiro de cultura alternativa e os sonhos de grande parte dos jovens da época, ajudou a influenciar toda uma geração a acreditar que podiam levar a música mais a sério – e o resultado disso nós ouvimos até hoje.

Crooked Rain chegou finalmente como um álbum mais polido, menos barulhento, com estruturas mais Pop, o que inclusive resultou em hits como os já citados acima. Mas isso não foi uma estratégia da banda, apenas aconteceu por influência do som que Malkmus estava ouvindo naquela época, reforçando a postura desleixada do grupo, como atesta Gerard Cosloy, um dos donos do selo Matador em entrevista ao site Stereogum, falando sobre o disco que foi na época, o maior sucesso da história da empresa até então.

”Não acredito que ele realmente passe muito tempo pensando sobre o que deve vender ou o que pode ser uma música apropriada para o rádio. Eu acho que ele apenas faz um álbum que ele vá gostar e eu acho que isso era tudo que ele estava fazendo com Crooked. Da nossa perspectiva, se ele estava sentindo qualquer tipo de pressão para fazer um álbum à altura de Slanted, eu não percebi.”

As faixas encantavam por motivos muito pessoais e, mesmo sendo gravado em Nova York, com a banda toda morando lá durante o período, o som representava um estilo de vida californiano, mais descompromissado, tudo que o jovem da época queria, se juntar com uns amigos e fazer um som.

É claro que um disco ruim ou mediano, mesmo com o contexto a seu favor, não teria a mesma importância para a história do Rock, portanto, elementos como a segunda metade introspectiva de Stop Breathin, na qual saem os vocais e entra um trecho épico que lembra muito os melhores momentos de nossas bandas de Post-Rock preferidas, a barulheira no final do disco com Fillmore Jive ou a improvável 5-4=Unity mostram a qualidade de Stephen Malkmus e de todos os seus colegas como músicos de raro talento.

Mesmo assim, o encanto que nos faz voltar ao disco de tempos em tempo é o das letras bem humoradas, detalhes como os gritinhos de “uh uh uh” descompasssados no início de Cut Your Hair ou o jeito desleixado de cantar de Stephen Malkmus. Tudo isso contribui para que Crooked Rain, Crooked Rain seja para muitos, o exemplo padrão de Indie Rock até hoje e sinônimo do estilo.

Não tente embarcar no disco buscando ouvir algo que mudará seu conceito de música e te arrepiará da cabeça aos pés. Não procure letras que te ajudarão a entender o significado da vida ou um riff de guitarra que você vai tentar reproduzir pelo resto do ano. Crooked Rain, Crooked Rain é um álbum para ser ouvido da mesma forma que foi feito, sem compromisso, a trilha sonora perfeita para curtir a vida.

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Autor:

Nerd de música e fundador do Monkeybuzz.