Da Rádio Lixo ao DGTL

Frontinn cada vez mais desperta atenção pelo talento multi-facetado em conquistar a pista

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Fotos: Ótimo Karater

“Eu tenho uma amiga DJ muito foda lá do Rio, é a Juliana, você precisa conhecer. Tocamos juntos”. Foi desta forma que eu conheci o som da Juliana,  alguns anos atrás, por indicação do Loro Sujo, baixista do grupo Jonnata Doll e os Garotos Solventes. O fato deste cara do rolê Punk Rock ter uma parceria com uma DJ me soou inusitado, fui atrás e cheguei no projeto experimental deles, a Rádio Lixo, que abriga também o Cainã e Abel, os músicos da banda do Tantão, lenda do underground carioca.

Toda esta “volta” no tempo é para mostrar que as sonoridades localizadas entre o Retrowave e Industrial, tão intensas nos sets da Frontinn, estão muito além da seleta exímia da artista carioca escalada para tocar no festival DGTL.

Atualmente, Frontinn reside em São Paulo e cada vez mais desperta atenção pelo talento em conquistar a pista através de faixas obscuras, mas tão dançantes quanto geram uma viagem mental nos ouvintes. Não à toa, ela foi convidada para fazer parte do coletivo paulistano de artistas da ODD, que agora se desdobrou em selo e deve lançar o EP “Incarn”, no qual figura a track “Superfícies Externas”, de autoria dela.  O pré-lançamento da faixa ganhou destaque no site Resident Advisor.

Transitando entre sons Lo-fi e clima oitentista, suas performances agregam elementos atuais, que dissolvem as referências de tempo ou gêneros. A respeito do seu processo criativo ela declara ao Monkeybuzz: “É uma construção feita no momento e tem vários elementos que vão ajudar a determinar o que acontece, como o público, a pista, o horário… Mas eu diria que estou sempre me preparando. Eu pesquiso música quase diariamente e, quando chega o dia de tocar, eu organizo tudo numa pasta e fico ouvindo de novo. Tem coisa que eu desconsidero imediatamente e outras que vou deixando rolar… eu sempre preparo pelo menos o dobro ou o triplo do tempo que estou programada para tocar, e assim vou selecionando na hora de acordo com o fluxo do momento”.  Confira a entrevista com Frontinn.

Monkeybuzz: Você é uma artista multimídia. Quais são as outras atividades artísticas em que você está envolvida além da música?

Frontinn:  Na verdade, todas as atividades em que estou envolvida de alguma forma são relacionadas com música e podem tomar uma série de formatos. Por exemplo, o último projeto que realizei foi uma instalação no Programa de Exposições do CCSP ano passado: era um aquário de bateria semelhante aos que você encontra em algumas igrejas neopentecostais, construídos para abafar o som do baterista no culto.

As baterias são evitadas nesse ambiente e rola uma discussão se pode ou não pode, se tem raízes africanas ou se é capaz de provocar experiências de transe com seus ritmos repetitivos. Enquanto a dúvida persiste, eles procuram isolar a bateria dentro destes aquários de vidro para reduzir sua presença, assim como evitam os momentos de “virada”, o que nos cultos de umbanda induziria à incorporação propriamente dita.

Então, pra essa exposição no Centro Cultural São Paulo, instalei um aquário vazio no andar de exposições e dentro dele dois monitores reproduziam uma peça sonora do percussionista sinfônico Ricardo Tanganelli. Fizemos uma composição só de viradas de bateria e gravamos tudo numa antiga igreja vazia. O som, reproduzido em loop, ficava confinado dentro dessa redoma acústica, assim como ficam os bateristas nas igrejas neopentecostais.

Mb: Seu primeiro set foi na Fosfobox, a Rádio Lixo já se apresentou na Biblioteca Parque Estadual. Quais são os endereços cariocas que fazem parte da sua formação musical? O que rolou nesses espaços a ponto de torná-los especiais?

Frontinn: O Rio de Janeiro foi muito importante para minha formação, passei a maior parte da minha vida lá e devo tudo às pessoas e lugares que frequentei. Acho que tudo começou quando eu era muito jovem, com as festas na Fosfobox e depois o clima mais eletrônico do Dama de Ferro. Ao mesmo tempo tinham os shows de bandas independentes na Audio Rebel, que continua sendo um dos únicos espaços pra isso. E, no meio de tudo, tem a Lapa que é um episódio à parte…

Foi lá que comecei a frequentar o Plano B, a loja de discos do Fernando Torres, que também realizava shows e apresentações. O espaço foi um marco para mim, tanto de amizades como de aprendizado. Ali eu vi muitas apresentações de noise, experimental, música eletrônica e não poderia comparar esse lugar com nenhum outro: existia lá uma conexão verdadeira com a música, as pessoas iam lá tocar e trocar conhecimento.

Mb: A Rádio Lixo iniciou as atividades a partir de qual ideia? 

Frontinn: Começou a partir de uma peça de teatro que chamava “Profanações” e rolou no Oi Futuro do Flamengo. O Bruno Queiroz tinha convidado a gente pra fazer junto com ele a trilha da peça, que era toda feita ao vivo com fitas de rolo, k7, guitarra e transmitida para um rádio que circulava dentro do Oi Futuro com um dos integrantes. Depois desse dia, nos juntamos outras vezes para fazer som juntos e nosso segundo encontro, que firmou a existência enquanto Rádio Lixo, foi uma apresentação no ateliê 1m2 da Maíra das Neves na antiga fábrica da Bhering no dia das eleições municipais de 2012.

Eu me lembro que tinha sido convocada para ser mesária naquele dia, então inventamos uma história para eu não comparecer. A gente escreveu uma carta para a juíza do TRE explicando que íamos gravar um filme com a performance da Rádio Lixo naquela data e, portanto, eu não poderia comparecer. Ninguém do TRE jamais respondeu, mas conseguimos tocar e ali nasceu o compromisso.

Mb: Qual costuma ser o setup das apresentações? O que cada um costuma “tocar” nas apresentações? Você, o Joaquim, Cainã e o Abel?

Frontinn: Essa pergunta é bem complicada porque cada vez tem um setup bem diferente. Acho que a gente se guia muito pelas apresentações, cada uma com uma especificidade. Por exemplo, teve show que a gente só colocou uma fita pra tocar e apagou a luz, outro que utilizamos quatro vitrolas com um pedal que mutava o som e também já usamos para os shows sequenciadores de vídeo, samples do site freesound.org, enfim, experimentamos todos os tipos de ideias. Já chegamos a levar o toca fitas de rolo pra uma apresentação porque o Cainã tinha feito uns loops com a fita e também já usamos osciladores de frequência, discos, baixo, guitarra, bateria, três pianos e enfim… de tudo!

Mb: O projeto ainda tem dois dos “Fita”, que se apresentam com o Tantão. Como o universo underground carioca marcado pelo lendário Tantão faz parte da sua história? De que forma este “universo” está presente na sua forma de ser, criar ou pensar, mesmo que você esteja longe dele?

Frontinn: O universo que eu frequentei no Rio de Janeiro vai estar sempre presente na minha vida e como eu falei acima, todos os lugares que me marcaram musicalmente são parte desse universo. Foi frequentando a cena da galera da música e da arte que conheci as pessoas no Rio. As coisas ali acontecem muito no centro da cidade, especialmente na rua, então você acaba se relacionando com todo tipo de gente, e isso com certeza está muito presente na minha forma de ser, criar e pensar.

Mb: Por quê “lixo”?

Frontinn: Porque a Rádio Lixo surgiu do lixo mesmo, buscando materiais que já existem, coisas que já estão ali, foram descartadas, e depois ganham um novo sentido.   

Mb: Que brisa foi essa da série “Audio Zine Curso de Línguas Yázigi”?

Frontinn: A ideia era fazer um zine com música! A gente conseguiu fazer umas 10 edições com essa série do curso de inglês, que é todo feito pra ser tocado em loop. Agora não temos mais nenhum, pois distribuímos todos.

Mb: Desde quando rola esse duo chamado Optimum Front? Como rolou essa parceria com o OtimoKarater? Por quais sonoridades vocês transitam durante os lives? E o setup?

Frontinn: Eu conhecia o Marcelo Mudou do Rio e a gente sempre teve muitos amigos em comum, todo mundo fazia som junto mas ainda não tinha rolado essa parceria. Aqui em São Paulo, a gente foi ficando mais próximo e tinha a expectativa de em algum momento fazer um b2b. Depois de falarmos tantas vezes, ele finalmente me ligou e falou “então tá combinado, vamos fazer nosso primeiro live na Desfigurad”. E aí ficamos ensaiando aqui em casa basicamente com a groovebox, electribe, synth e uns samples… Na verdade a gente tem uma pesquisa bem próxima de som, que passa por todas essas batidas mais Industrial, Funk, uma pegada mais synth e obscura também, e acabamos juntando os sons e os nomes: Optimum Front.  Agora estamos precisando nos encontrar mais para ensaiar!

Mb: Quais sons você se sente à vontade de tocar só numa Desfigurad e não estão presentes nos sets da ODD?

Frontinn: Eu realmente acredito que essa distinção não existe, o tipo de som que eu toco é sempre uma troca com o público e se vai entrar uma coisa ou não, eventualmente tem a ver com o clima da pista. Eu nunca paro pra pensar antes se aquilo vai pegar ou não, estou sempre pesquisando para tocar. E a cada festa eu separo o que estou pesquisando naquela semana ou as faixas mais marcantes que pesquisei recentemente. Então, seja na ODD, na Desfigurad, ou em qualquer outra festa, é uma coisa só, sou eu e o que me chamou atenção nas pesquisas mais recentes.

Mb: Porventura você se recorda das primeiras músicas no estilo Industrial, EBM, Dark Wave da vida que você ouviu e se interessou? A partir de quais artistas, bandas e afins surgiu seu gosto por sonoridades pesadas? 

Frontinn: Eu era meio rata daquelas lojas de disco da Rua Siqueira Campos, na galeria dos antiquários, ali tinha uma loja que hoje em dia virou uma lojinha de material de construção, que tinha muita coisa legal, e era tudo bem barato. Então eu ia lá sem muita expectativa e voltava pra casa cheia de novidades. Comprei muita coisa que foi me levando por esse caminho: primeiro Gary Numan, Human League, depois um pouco de Neue Deutsche Welle, até ser levada para um lado menos Synth-Pop e mais pesado, como D.A.F. e Front 242. Acho quase impossível conseguir nomear uma música que me marcou, porque é difícil explicar esse raciocínio: ele obviamente não é linear, foi flutuando entre esses interesses que consegui chegar no que me interessa hoje. Mas, certamente, ouvir o Badenov tocando Pitaya Frenesí do Rebolledo no final da noite para poucas pessoas foi uma experiência muito marcante nesse percurso, assim como Be Brave, do Section 25.

Mb: Quais selos e artistas você anda curtindo ultimamente?

Frontinn: Eu pesquiso muita música através do Soundcloud e Bandcamp, são minhas plataformas favoritas. Curto muito acompanhar os lançamentos dos selos Meta Moto, Brokntoys, Nein Records, Höga Nord, Pinkman Records, Cómeme, Discos Pato Carlos. Estou ouvindo bastante ultimamente as produções do Curses, Anatolian Weapons, Cabizbajo, Mila Dietrich, Matias Aguayo, Jensen Interceptor, Identified Patient, Inga Mauer, Privacy e Dimitri Veimar.

Mb: Como foi a concepção de “Superfícies Externas”? Qual setup você utilizou? Você tem planos de fazer outros lançamentos ainda neste ano?

Frontinn: Essa faixa eu tinha feito toda na minha groovebox MC-303 para um live que ia rolar na ODD na Casa das Caldeiras. O Pedro Zopelar ouviu e combinamos de grava-la com os canais todos separados e transformar numa faixa mesmo. Um dia fui no estúdio dele e ele ajudou a produzir ela inteira, gravou as baterias com a Roland TR-808, eu fiz as linhas de synth, e gravamos um pouco o som da groovebox, que é aquele “pananana” no fundo. Agora com o selo ODDiscos fica bem mais legal produzir e pensar em construir esse projeto a longo prazo. Pode haver algum lançamento mais para o meio e final deste ano, quando eu sentir que estou com um EP pronto.

Mb: Você vai tocar no mesmo palco que Bonobo e Richie Hawtin, como estão sendo seus preparativos para o DGTL? Como você está encarando a participação em um festival desse porte?

Frontin: Estou bem animada com os preparativos porque nesse mês toquei bastante, então a pesquisa tem sido intensa, tem muito material novo. Vou abrir o palco e eu adoro esse momento, porque posso começar de um jeito mais lento e ir construindo o set de forma mais ampla junto com o público, sem a pressão de pegar o momento andando. O mais importante é o que vai acontecer na hora, com o público, vamos lá ver!

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ARTISTA: Frontinn
MARCADORES: 80s, EBM, Industrial

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