Daniel Tupy e as definições de “bem”

Em primeiro trabalho solo autoral, baixista da Marrakesh convoca parceiros da mesma estrada e reflete sobre os diferentes estados de espírito que nos tomam em 2020

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Fotos: Thomas Berti

“Está tudo bem?”. Poucas perguntas (retóricas) foram tão repetidas quanto esta – especialmente em 2020. As respostas variadas dentro da quarentena exprimem um “estar bem” que, na grande maioria das vezes, tem mais a ver com “na medida do possível” ou ao “bem, bem, não estou, mas estou indo”. O que é estar bem? Dentro de uma pandemia podemos definir o bem como saudável fisiologicamente, mas não necessariamente psicologicamente. A realidade é que não estávamos preparados para em tão restrito tempo nos deparar tanto com a morte, a solidão, o desamparo e a imobilidade. Essas tantas perguntas e respostas formam o panod e fundo criativo de Bem, primeiro trabalho solo autoral de Daniel Tupy, baixista da Marrakesh, lançado pelo seu novo selo LogoLogo.

Daniel – em meio ao retrato óbvio da pandemia e ao observatório individual do que estava vivendo – definiu “bem” como a sensação agridoce de omitir o que estava vivendo quando era perguntado sobre seu estado. Ao ultrapassar o perímetro e encontrar a mistura de sentimentos de um jovem músico preso em casa, acabou por encontrar novos processos e formas de domar as próprias inseguranças.

“Muitas vezes eu me sentia pressionado para chegar na ideia ou produto final (a música) como eu imaginava e facilmente me via frustrado por não o alcançar de primeira”. O tal processo, figura e angústia central do que vivemos em 2020, parece chegar com uma lição de amadurecimento irrepreensível – ou domamos a nossa rotina e entendemos que a velocidade das coisas teria que ser outra ou a rigidez da quarentena nos destruiria.

Felizmente, Daniel estava morando junto de Vitor Milagres, da Rosabege, e desfrutou da compreensão do trabalho do outro, para evoluir com o seu. Mesmo que a colaboração presente em “Para Quem?” tenha vindo depois da sua curta temporada na casa de Daniel, o processo de criação de Vitor inspirou o parceiro a tirar do papel suas ideias e desenvolvê-las durante o confinamento. “Muitas das músicas de Bem me pareciam ideias que fugiam do que a Marrakesh estava buscando como composição e que, ao mesmo tempo, mereciam ter o seu próprio espaço e a sua unidade. Buscava um trabalho com começo, meio e fim e que tivesse uma certa linearidade entre as músicas. Está sendo um tempo ruim, mas que me fez trabalhar a minha disciplina”.

A linearidade e a unidade também passam tanto pelo projeto gráfico do EP e do single de “Bem”, concebido pela designer e artista Késsia Riany, quanto pelo clipe da mesma faixa, produzido companheiro de banda Thomas Berti. Como primeira impressão, os elementos se conectam: uma série de imagens, sem romantismo, do cotidiano – migalhas, meias sujas, roupas na lavanderia e jogos de tabuleiro contra si mesmo. Analogias para o hesitante equilíbrio entre o turbilhão de dentro da cabeça e os desafios do dia a dia.

Musicalmente, Bem reverbera influências contemporâneas, como Porches ou Frank Ocean, mas se aproxima mais de linguagens da MPB, repaginadas a partir de recursos atuais e referências à PC Music, em diálogo com o que faz a Rosabege. Aliás, a produção e finalização do EP foi feita por Thiago Rodrigues, da mesma banda de Niterói. Facilmente podemos compreender as conexões entre os trabalhos e entender que a energia criativa de boa parte da música atual brasileira vem de elementos contemporâneos, apontando mais um movimento progressivo, do que saudosista.

Fizemos um faixa a faixa para entender melhor o trabalho de Daniel Tupy em “Bem” captar as inspirações por trás de um EP brasileiro dos mais interessantes – durante esse tão angustiante (e, muitas vezes, entediante) 2020.

“Torcer Pra Deus”

“A faixa foi a primeira que produzi pensando nesse projeto solo e meu objetivo era que ela fosse grandiosa e intimista ao mesmo tempo. Na letra, brinco com a ideia do que o sol representa, um símbolo de adoração, contrastando como algo comum e rotineiro. Uma perspectiva de como me sentia e também um resgate da essência do que realmente importa em cada um, seu Deus interior”.

“Pra Quem?” (part. Vitor Milagres)

“Essa se desenvolveu a partir do sample: “ele disse que queria casar comigo ou então morrer afogado”, trecho retirado do filme O Céu de Suely (2006). Quis inserir a frase em outro contexto e questionar essa afirmação de amor romântico. A faixa teve mais uma adição fluminense, além de Thiago Fernandes que assina a pós-produção do EP. Convidei Vitor Milagres para compor e produzir o segundo verso da música, complementando minha parte”.

Projeto gráfico: Késsia Riany

“Muitas das músicas de ‘Bem’ me pareciam ideias que fugiam do que a Marrakesh estava buscando como composição e que, ao mesmo tempo, mereciam ter o seu próprio espaço e a sua unidade”

“Bem”

“‘Bem’” foi um expurgo de vivências. No começo, a intenção do significado da palavra era muito mais no sentido de como você chama afetuosamente uma pessoa querida, você a chama de “bem”. Mas, ao mesmo tempo, ela também refletia meu estado de espírito de não me abrir para os outros. É uma faixa sobre amadurecimento e aprendizado.”

“Empty Side”

“É sobre auto sabotagem. Escrevi a letra em uma madrugada, quando estava me sentindo angustiado, por n motivos. Comecei a produção junto com o Thomas Berti, fizemos em um dia o primeiro minuto da faixa e segui sozinho dali. Todo o processo foi bem divertido e exaustivo, mas não foi a mais difícil do projeto. Sinto que ela retrata exatamente como estava sentindo no momento que a escrevi”.

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Autor:

Economista musical, viciado em games, filmes, astrofísica e arte em geral.