David Gilmour Vem Aí

Cantor e guitarrista lança disco novo e vem ao Brasil pela primeira vez

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Estamos em 2015 e David Gilmour, um sujeito que já conta com quase 50 anos de presença marcante na música Pop, virá ao Brasil pela primeiríssima vez. Mesmo após tão longa espera, não há motivos para lamentar, além do preço elevadíssimo dos ingressos. Gilmour vem para divulgar Rattle That Lock, seu quarto disco solo, mostrando que lançar música nova não é um processo, digamos, habitual em sua vida como cantor e guitarrista. Evidente que o grande chamariz para a passagem de David no Brasil é sua presença marcante como integrante de Pink Floyd, a partir de 1968, quando substituiu o então líder da banda, Syd Barrett, que fritara os miolos por tantas detonações envolvendo LSD e bebidas, a ponto de não ser mais uma pessoa confiável para cumprir horários e honrar compromissos. Sejamos sinceros: Gilmour e Pink Floyd ganharam com a chegada do novo guitarrista e cantor.

Claro, a história não é tão simples assim, mas a ideia aqui é credenciar David Gilmour como alguém que deve ser visto no palco de qualquer maneira, custe o que custar e ponto final. Cultuado por guitarristas ao redor do mundo, dono de uma assinatura marcante ao manejar o instrumento, ele tem tantos – ou mais – méritos também como cantor. Sua guitarra fluida e voz forte, beirando a rouquidão, conferiram sentimento e credibilidade a álbuns que são considerados obras primas do Rock, como Dark Side Of The Moon (1973) e Wish You Were Here (1975), com músicas do porte Time ou Shine On You Crazy Diamond, marcando o momento de maior relevância artística do quarteto inglês – que tinha em Richard Wright e Nick Mason, tecladista e baterista, respectivamente e em Roger Waters, o baixo e a liderança após a saída de Barrett. A convivência entre os quatro nunca foi fácil, sobretudo por conta do temperamento difícil de Waters, um cara atormentado, mas capaz de traduzir suas angústias e visões de mundo em canções torturadas como as que povoam outro clássico de Pink Floyd, The Wall, o disco duplo lançado em 1979, responsável por um sucesso comercial sem precedentes, mas que ocultava o péssimo relacionamento que o quarteto mantinha entre seus integrantes, sendo que Wright até deixou a banda na época.

Gilmour entrou para a banda por conhecer Barrett desde a infância e ter em Roger Waters aquele proverbial “amigo do amigo”. Após idas e vindas na primeira metade dos anos 1960, David começou a tocar em bandecas que duraram pouco ou quase nada, mas, após algum tempo sem ver Syd, percebeu que ele entrara numa formação chamada Pink Floyd, que parecia capaz de fazer sucesso naquele mar de grupinhos e grupelhos. Dito e feito, mas a já mencionada doideira de Barrett acabou por unir banda e Gilmour no mesmo barco, tendo ele vindo integrar o grupo após o lançamento do primeiro disco, em 1967, The Piper At The Gates Of Dawn, do qual até participara em algumas faixas, tocando e cantando. Com a sua entrada, a sonoridade da banda vai mudando gradativamente, evoluindo de uma Psicodelia ensandecida para um Rock Progressivo distópico, versátil, político e questionador. Quando chega o meio da década de 1970, Pink Floyd já é uma das maiores bandas do planeta, sem qualquer sombra de dúvida.

Entre o lançamento de Animals (1976) e The Wall (1979), houve tempo para muita briga interna e problemas com o Fisco britânico. David – como todo músico inglês nascido na década de 1940 – se arvorou a tocar um instrumento por influência da música negra americana. Sua paixão primordial é o Blues, mas, até 1978, quando decide lançar seu primeiro disco solo homônimo, pouco do estilo ancestral pode ser detectado com facilidade em suas gravações com Pink Floyd, apesar de algo muito sutil estar presente. A chegada deste álbum solo quase na mesma época que The Wall tornou-o coadjuvante e desinteressante, com todas as atenções voltadas para as elocubrações de Roger Waters sobre a guerra, sua relação com os pais, e o colapso da educação na Inglaterra. Apesar do sucesso do álbum, a banda excursionou pouco e o clima continuou péssimo entre os integrantes. Eles se reuniriam em 1983 para o último álbum como quarteto, The Final Cut, que só encanta a fãs apaixonados do grupo, marcando um hiato, que duraria até 1987 e a saída de Roger Waters.

Gilmour gravou então About Face, o seu segundo disco solo, aproveitando uma época em que sassaricou nos estúdios, participando de álbuns vários artistas, entre eles Kate Bush, Grace Jones, Arcadia, Bryan Ferry e Paul McCartney, assinando o belo solo no sucesso mundial No More Lonely Nights. O novo trabalho solo reflete esse momento, trazendo participações de gente como Pete Townshend e Steve Winwood, numa onda “um pouco de Pink Floyd para fãs de David Gilmour”, trazendo em canções como Blue Light e Murder, sua guitarra eloquente e sua voz característica, elementos que ficaram eclipsados em The Final Cut e que fizeram sua má fama.

A grande surpresa veio em 1987, quando, sem mais aquela, Mason, Wright e Gilmour se reuniram como Pink Floyd e gravaram um álbum de retorno, A Momentary Lapse Of Reason. Da sonoridade setentista da banda restara apenas a voz e a guitarra marcantes. Teclados e bateria, além de um time de colaboradores e um apreço considerável pela sonoridade oitentista, fizeram do disco um objeto de difícil digestão para fãs e não-fãs. Se os primeiros acharam a produção exagerada, os timbres descartáveis e a sonoridade não condizente com a elegância progressiva de outrora, muita gente não-iniciada na banda foi capaz de abraçar com amor os três hits que vieram com o disco, a saber, On The Turning Away, Dogs Of War e Learning To Fly, todas moderninhas, solenes, com ambiência floydiana inegável, especialmente a primeira, que poderia ser uma sobra de estúdio de Dark Side Of The Moon e não fez feio. A banda também mergulhou em mares videoclípicos, algo que ajudara a criar na década anterior e que ainda guardava bastante afinidade e a simples presença do (agora) trio nas paradas de sucesso, gerou demanda suficiente para uma turnê extensa por Europa e Estados Unidos, que deu origem ao álbum duplo Delicate Sound Of Thunder, lançado em 1988.

A banda se reuniria em 1994 para lançar outro disco de inéditas – The Division Bell – e outro duplo ao vivo no ano seguinte, Pulse. Com resultado mais familiar ao trabalho mais clássico de Pink Floyd, The Division Bell teve mais aceitação junto aos fãs, mas falhou em ter ressonância além dos domínios dos conhecedores da obra do quarteto, num tempo em que Grunge e Britpop dominavam o cenário musical mundial, com a cena eletrônica londrina correndo por fora. Gilmour permaneceria discreto, participando ocasionalmente de álbuns de camaradas, com destaque para sua presença em Run, Devil, Run, disco que Paul McCartney lançaria em 1999 com canções clássicas do Rock, que levou o ex-Beatle e sua banda de apoio a se apresentarem no mitológico Cavern Club, em Liverpool, para uma plateia de seletos sortudos. Como David não tinha pressa para lançar novo trabalho e com Pink Floyd em férias prolongadas, ele iniciou uma série de shows acústicos em 2002, com a presença de Richard Wright e só colocaria novo álbum na praça em 2006, o belo On An Island. Assim como os dois últimos trabalhos de Pink Floyd, as gravações ocorreram no barco-estúdio que David mantém ancorado no Rio Tâmisa, o Astoria, com a presença de gente parruda como Phil Manzanera (Roxy Music), Jools Holland, David Crosby e Graham Nash, entre outros, conferindo uma sonoridade elegante, ao mesmo tempo mais Folk e ainda muito parecida com os melhores momentos de Gilmour em Pink Floyd.

A exemplo das empreitadas recentes, On An Island gerou um álbum duplo ao vivo, gravado em Gdansk, na Polônia em 2008, com a presença de todos os convidados das sessões originais, além de uma orquestra completa para acompanhar os músicos nos estaleiros da cidade, os mesmos em que o líder sindical Lech Walesa, abrangendo todo o repertório do disco e vários sucessos da velha banda, devidamente repaginados para o formato. O concerto foi lançado em várias versões em CD duplo, triplo, sêxtuplo, DVD e Blu-Ray, ignorando completamente a crise da indústria fonográfica da época e, também como de hábito, trouxe novo hiato prolongado na carreira de David. Uma aparição incomum, no entanto, marcou estes últimos sete anos de ausência da cena musical. Em 2010, ao lado do combo eletrônico The Orb, Gilmour lançou The Metalic Spheres, cantando e tocando guitarra, conferindo certa legitimidade à obra dos sujeitos, influenciados definitivamente pelas sonoridades espaciais erguidas por Pink Floyd nos anos 1970. Como bônus do período, David Gilmour se reconciliou com Roger Waters, participando de uma apresentação da The Wall Tour, na qual Waters revive o mítico álbum de 1979, que chegou a passar pelo Brasil.

As primeiras canções de Rattle That Lock já surgiram por aí. A faixa-título e Today, bem diferentes do que estamos acostumados a ver na obra do sujeito. Parece que ele vem mais moderno, criando menos limo, arriscando passos fora do que a modernidade chama de “zona de conforto”. Uma consulta aos envolvidos na produção do novo trabalho apontam que Phil Manzanera está novamente presente, dividindo a produção com o próprio David, mostrando que podemos esperar algo instigante vindo por aí, que recupere a força criativa do próprio Pink Floyd como banda criativa, algo que Gilmour ajudou a forjar ao longo do tempo.

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Carioca, rubro-negro, jornalista e historiador. Acha que o mundo acabou no meio da década de 1990 e ninguém notou. Escreve sobre música e cultura pop em geral. É fã de música de verdade, feita por gente de verdade e acredita que as porradas da vida são essenciais para a arte.