Deolinda: Portugal no Presente

Banda faz parte da safra portuguesa que faz sucesso fora de seu país de origem, e vale a pena ser escutada

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Engraçado como conhecemos pouco de Portugal. O diminuto país europeu, com história importante em séculos idos, há muito desempenha papel coadjuvante numa Europa cada vez mais agrupada em torno de fatores econômicos. Eles também não favoreceram o pequeno pedaço de terra mais ocidental do continente, às voltas com sucessivas crises de desemprego, cada vez mais e mais afastado do centro das decisões. Aliás, há centenas de anos é assim.

Da juventude portuguesa, feita refém de anos de ditadura militar até meados dos anos 70, também pouco se sabia há bem pouco tempo. Passando por um renascimento cultural que preconiza a integração com a Europa e o mundo, cada vez mais artistas jovens portugueses conseguem projeção fora do país. Entre eles estão Antonio Zambujo, Luisa Sobral e o Deolinda. A sonoridade desses artistas guarda semelhanças na medida em que pega emprestado das tradições portuguesas o sentimento de tristeza pela saudade causada pelas idas e vindas por mar (motor principal do fado tradicional) e o alia a pitadas sorridentes de jazz tradicional, originando algo realmente novo e capaz de identificar tais artistas no cenário musical mundial.

A banda é formada pela cantora Ana Bacalhau, pelos irmãos Pedro Martins e Luis José (ambos nos violões e vocais) e José Pedro Leitão (baixo) e encontra-se na estrada desde 2006. Pedro e Luís faziam parte de uma outra banda, chamada Bicho de Sete Cabeças e decidiram convidar sua prima Ana para cantar algumas de suas composições. O resultado foi tão bom que eles chamaram José Pedro (que se casaria com Ana pouco tempo depois) para formar Deolinda. Dois anos depois, após muitos ensaios e shows em pequenos espaços, lançaram seu primeiro disco, Canção Ao Lado, que chegaria ao terceiro lugar nas paradas portuguesas, chegando logo ao Disco de Ouro e à Platina ainda em dezembro de 2008. No ano seguinte, Canção Ao Lado foi lançado na Europa em março e entraria em oitavo lugar na parada de World Music no mês seguinte.

Em 2010, Deolinda está com várias apresentações fora de Portugal em seu currículo e solta seu segundo disco, Dois Selos e Um Carimbo, produzido pela banda e Nelson Carvalho. O novo álbum já vinha lançado pela EMI portuguesa, confirmando o crescimento da banda em termos de alcance e vendas. Com canções belas e interessantes como Passou por mim e sorriu, A problemática colocação de um mastro e Patinho de borracha, Deolinda seguiu ainda mais plural e encantador. O disco estreou em primeiro lugar na parada do país, atingindo o patamar de platina no fim do ano. Parva Que Sou, ao vivo, em shows feitos em Lisboa e Porto. A reação do público foi intensa e a canção, que criticava a situação econômica e social portuguesa, levando-a a receber elogios da crítica especializada em pouco tempo. A banda precisou disponbilizar a música para download em seu site e lançaria, no fim do ano, o DVD Ao Vivo No Coliseu dos Recreios, confirmando seu potencial no palco.

O terceiro disco do conjunto, Mundo Pequenino, foi lançado em março deste ano. Pelo título já é possível perceber que a ideia de ampliar fronteiras e integrar este Portugal jovem e isolado ao resto do mundo continua a pleno vapor. Foi nas ondas desse novo trabalho que a banda veio ao Brasil pela primeira vez, tocando em Recife e São Paulo, no mês de julho. Dentro de terras portuguesas, o grupo é visto como um dos mais atuantes e importantes na busca por uma “portugalidade” que seja menos caricata e vinculada ao passado. Canções como Algo de Novo e Gente Torta vão direto a este ponto. Outras composições como Semáforo da João XXI falam de amor e acaso, enquanto a bela música de encerramento, Não Ouviste Nada, traz um dueto entre Ana Bacalhau e Antonio Zambujo, reforçando a noção de que há uma cena jovem de músicos portugueses que se cansaram do comodismo e da mesmice. Neste exercício de trazer o futuro para o tempo presente, Deolinda sai-se bem, mostrando personalidade, identidade e, acima de tudo, talento. Que venham mais vezes ao além-mar!

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ARTISTA: Deolinda

Autor:

Carioca, rubro-negro, jornalista e historiador. Acha que o mundo acabou no meio da década de 1990 e ninguém notou. Escreve sobre música e cultura pop em geral. É fã de música de verdade, feita por gente de verdade e acredita que as porradas da vida são essenciais para a arte.