Desculpe o auê

Conversamos com Asha Lorenz, vocalista do Sorry, banda britânica que, mesclando influências, tem agitado a cena alternativa com seu álbum de estreia

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Fotos: Divulgação / Sam Hiscox

A historicamente prolífica cena musical da Inglaterra produz uma nova leva de talentos a cada ano que passa. Há pelo menos seis décadas, a terra da rainha nos brinda com bandas e artistas que contribuem para a definição do sons que ecoam pelo mundo. E essa contribuição vai muito além do mainstream ou das paradas de sucesso, representando também um farol para a cena alternativa. O Sorry, grupo formado no norte de Londres que acaba de lançar 925, seu disco de estreia, é um dos exemplos da força britânica em renovar e dar frescor ao Indie – e esse gás vem da capacidade de aliar referências de maneira desimpedida, mas competente e coesa.

Resultado da amizade de infância entre Asha Lorenz e Louis O’Bryen, a banda começou a chamar a atenção com demos gravadas em casa que misturavam Pós-Punk com Trip Hop com Shoegaze com Dream Pop e seja lá mais o que caísse nas graças dos jovens fissurados em música. “Louis e eu estudamos juntos na escola secundária, nos conhecemos há quase 11 anos. Amávamos as músicas um do outro, então decidimos unir forças. Lincoln, nosso baterista, morava na minha rua, aí ele se juntou depois que começamos”, conta Asha. A efervescência cultural londrina – e sua habilidade de reunir gente para tomar um pint e ouvir música – foi essencial para que o time ficasse completo. “Conhecemos Campbell, baixista e saxofonista, no Windmill [célebre pub/casa de show do sul de Londres] e o convidamos e, Marco, nosso integrante mais recente, conhecemos há muitos anos, mas apenas recentemente ele entrou para tocar synths, samples e coisas eletrônicas.”

Até aí, nada exatamente de especial – mas o caso é que o som do Sorry não se parece com o de nenhuma outra banda dos últimos anos. Asha e Louis se alternam nos vocais, enquanto a cama sonora traz sax, samples e synths. E as letras são sagazes. “I don’t sing for no one /Not even my- even myself” canta Asha, em “Wolf”. Já é um bom começo.

Além do som propriamente dito, o Sorry tem peso imagético, é zeloso com a estética e parece encarnar o espírito de uma geração que se frustra com rapidez – e que, entediada, está doida para desbravar o mundo. Dá para imaginar como eles estão provavelmente revirando os olhos, quando Asha canta “I want more and more and more”, em “More”.  No pub, eles seriam a turma com roupas atemporais, tipo um sobretudo preto, calça de alfaiataria, tênis, um mix de normcore e brechó. Quando o assunto é influência, a gama de referências é versátil tanto no gêneros, quanto no período musical: “Ouvimos muitas coisas diferentes, Sandy Alex G, Capital Steez, Elliott Smith, Nirvana, Danny Schmit, Nina Simone e Chet Baker são alguns dos nossos favoritos.”

A variedade de ídolos da banda se reflete muito no que o álbum transmite: a cada música, um pequeno mundo de possibilidades. 925 traz gêneros e propostas diferentes, mas que, estilisticamente, formam um todo consistente e com uma forte assinatura. A assinatura daquilo que é o Sorry. O título do álbum, que já tem sido elogiadíssimo pela crítica (ganhando inclusive uma nota 10 da NME), é uma brincadeira com o 95.2%, porcentagem máxima de pureza da prata. “É uma referência que também aparece na faixa ‘Rock ‘n’ Roll Star’ [“You’re Pure Silver, 952”]. Significa que é o nosso primeiro trabalho certo – um pouco menos legítimo, mas perfeito.”

A cada faixa de 925, você fica esperando eles te provarem alguma coisa. É algo como duvidar que você vai amar a música, tentar achar semelhanças na memória auditiva e eis que: pronto, você é totalmente convencido de que a música é boa demais mesmo. Eles parecem já ter captado que bandas caminham por uma mina de clichês, e que vislumbrar a ideia de “estrela do rock” é um pensamento ultrapassado – para não dizer cafona – durante a época em que vivemos. A letra de “Rock ‘n’ Roll Star’, inclusive, aborda essa ideia fatalmente relacionada à masculinidade e à necessidade que caras de banda têm, muitas vezes, de se afirmar.

Mesmo com tantos artistas favoritos e influências diversas, Asha aponta algumas referências principais que talvez tenham contribuído para o resultado final do álbum de estreia “Durante o processo, estávamos ouvindo muito B-52s, Ween e Arthur Russell”, conta. Faz total sentido: dá para ouvir os elementos eletrônicos do B-52s, as guitarras e a inventividade do Ween e os toques de vanguarda do genial Arthur Russell, queridinho de muitos artistas do universo alternativo.

“Nossa música é um lugar para escapar disso tudo e ser criativo. Esperamos que, durante esse período difícil, as pessoas possam encontrar consolo no álbum”

Lançar um álbum no momento pelo qual o mundo passa pode ser algo desafiador, mas também serve de refresco para manter a sanidade. Da mesma forma, o processo de produção do disco também foi cercado de incerteza e angústia vindas do mundo que existe para além da porta do estúdio. Há alguns meses, a grande questão sócio-política que afligia os britânicos eram as consequências desastrosas que o Brexit vinha desenhando para o Reino Unido “Coisas bem estranhas estão acontecendo em todos os lugares. Acho importante falar sobre sua raiva e tentar inspirar mudanças. Mas, como nossa música é um lugar para escapar disso tudo e ser criativo, esperamos que, durante esse período difícil, as pessoas possam encontrar consolo no álbum”. E, por fim, um pedido especial para que os brasileiros ouçam o 925. “Porque a gente quer ir para o Brasil!”.

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ARTISTA: Sorry