Disk MTV: muito além da parada

A cronologia e o legado do carro-chefe da MTV Brasil clássica; personagens à frente e por trás das câmeras refletem sobre o programa e tudo o que um Top 10 propiciava

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Fotos: Lucas Mattara

O programa mais longevo da MTV foi tão popular que se mantém vivo na era das redes sociais. Há uma porção de playlists no Spotify, uma variedade imensa de coleções de clipes no YoTube e diversas contas no Instagram batizadas carinhosamente de “Disk MTV”, que homenageiam o programa. Como a usuária chamada apenas de “Karol” escreveu na descrição de sua própria seleção na plataforma de streaming de música: “os clipes que eu ficava torcendo para passar na televisão”. Essa frase sintetiza o sucesso do formato, que, com repaginações e evolução de tendências e mídias, sobrevive ano a ano na programação.

O Disk estreou em 22 de outubro de 1990, apenas dois dias após a MTV ir ao ar no país pela primeira vez. Acompanhando a música que era popular na época, a parada se adequou a novas dinâmicas e manteve-se firme. Conforme Zico Goes, ex-diretor de programação do canal, conta em seu livro MTV, bota essa p**** pra funcionar! (Panda Books, 2014), ele não foi exibido em apenas uma ocasião: “Durante toda a existência do canal, o Disk MTV só não foi exibido em 2007, bem no auge da crise dos videoclipes. Em 2008 voltou como Top 10 MTV e assim ficou até o fim”. O YouTube havia sido lançado em 2005, obrigando a emissora a rever o funcionamento do programa.

Steb By Step

A MTV americana está no ar desde 1 de agosto de 1981 e, segundo o livro I Want My MTV (2011, Plume), de Rob Tannenbaum e Craig Marks, a “era de ouro” do canal nos Estados Unidos se estende até 1992. “Quando a MTV Europa foi lançada em 1987, foi o início da expansão global que chega do Brasil ao Paquistão, a influência foi além dos EUA”, escrevem. Os autores pontuam alguns eventos marcantes como a apresentação ao mundo, pela primeira vez, das estrelas ascendentes Adam Sandler e Cindy Crawford, e de trabalhos de diretores como David Fincher. Além da exibição, à exaustão, do clipe de “Thriller” – o que certamente contribuiu para as vendas exorbitantes. É verdade que a ideia de videoclipe já fazia parte da indústria americana desde os 1930, quando a Warner passou a produzir pequenos filmes para canções populares, mas, durante a década de 1980, a cultura Pop invadiu a MTV e vice-versa – e o mercado estava quente.

Depois de uma década consolidada entre o público jovem americano, era chegada a hora de conversar com adolescentes de todos os lugares. Mas havia uma questão: era necessário construir um mercado de videoclipes. Como ocorreu na indústria americana, as gravadoras precisavam apostar – e investir – em videoclipes como forma imprescindível de divulgação. À época, o Fantástico produzia alguns clipes, mas ainda não havia um mercado consistente, disseminado e que investisse pesadamente na ideia de consumo de música via audiovisual. Então para o lançamento da MTV no Brasil foi preciso encomendar cerca de 20 vídeos, entre eles “Pólvora”, dos Paralamas do Sucesso, e “Garota de Ipanema”, de Marina Lima.

Uma das responsáveis pela estreia da MTV no país foi a jornalista e apresentadora Astrid Fontenelle, que, além de estar à frente da primeira transmissão, apresentou o primeiro Disk MTV, em 22 de outubro de 1990 – e lá permaneceu até 12 de agosto de 1994. O meio brasileiro consagrou de vez a importância dos videoclipes enquanto potência mercadológica/artística na metade da década, de modo que o VMB (Video Music Brasil) só se tornou realidade em 1995.

Portanto, era natural que, inicialmente, muita música gringa estivesse na programação, como explica Astrid: “Desde os chicletes do New Kids on the Block, que agradavam a audiência mais jovenzinha, até os enormes do Pop como Madonna, e do Rock como Guns N’ Roses. O Skid Row chegou a ir no estúdio do Disk. E também os que me deixavam em estado de graça: os brasileiros. Paralamas eram fregueses!”.

Antes do debute, Astrid foi até Nova York conhecer os estúdios da matriz americana, onde foi apresentada aos VJs locais, e entendeu a essência do programa para produzir a sua versão brasuca do chamado Dial MTV. “A fórmula era fechada. Sem segredos. Mas ver a Martha Queen, chamada de Queen of the VJs, atuando me deu mais energia”, lembra. Ao todo, Astrid ficou nove anos na emissora, onde foi responsável por várias criações, entre elas o Barraco MTV.

“Já se vão 30 anos, mas acho que a questão de não ser todo dia a mesma coisa… Era importante atiçar a concorrência, tanto para entrar no Disk, como para chegar ao topo – ou no podium, como eu me referia. Nossa preocupação real era a performance dos VJs”, conta Astrid. E por ser um programa diário, havia também um cuidado especial com a seleção de músicas, então por mais que seja voto popular, não era um retrato 100% fiel a realidade: “Em tese, era a escolha da audiência, eu até acreditava nisso, mas nem tanto. Sempre teve uma mexidinha no departamento de programação para que a coisa não ficasse monótona”.

“Era importante atiçar a concorrência, tanto para entrar no Disk, como para chegar ao topo – ou ao podium, como eu me referia. Nossa preocupação real era a performance dos VJs” – Astrid Fontenelle

A mecânica democrática propõe uma interação maior com o público, que votava pelo telefone, mas não funcionava tão bem na prática, então era inevitável dar algumas calibradas para tudo fluir melhor. Durante as mais de duas décadas em que trabalhou em diferentes cargos na MTV, Zico Goes, que nunca mexeu diretamente com o Disk, lembra que era fundamental levar alguns pontos em consideração antes de ir ao ar:

“Um programa popular, porque ele tocava as músicas que as pessoas estavam esperando que tocassem. Quando você é jovem, quer ouvir aquela que está esperando. Você já conhece aquela música, quanto mais ouvir, melhor. Como narrativa, como história, do primeiro ao décimo, nada mais essencial do que cadência e clímax. Quem é o primeiro lugar, quais são as novidades. Se você é fiel a só o que as pessoas pediam, você ficava engessado. A razão é que nem todas as pessoas ligavam, e quem ligava eram aqueles que menos abrem a cabeça. Engraçado. Você tinha que dar uma manipulada, estrear uma música de vez em quando, ninguém pediu, mas a gente dizia que sim”.

Learn to fly

O sucesso do formato tem a ver com o que está sendo exibido. O case do Disk não tem precedentes, porque se relacionou com algo muito poderoso: as paixões adolescentes, que nem sempre são superadas na vida adulta. “O programa que mais trouxe visibilidade de audiência para o canal. Não sei se de marca, mas de números”, diz Zico. Depois das gravadoras e os independentes entenderam esse poder, apostaram no videoclipe. Uma década após da estreia, cerca de 300 a 500 vídeos nacionais eram produzidos ao ano.

As bandas do final dos anos 1980, como Os Paralamas do Sucesso e Titãs, foram alguns nomes que logo apostaram no combo música + imagem. Já artistas que surgiam nos anos 1990 – como Skank, Planet Hemp e Charlie Brown Jr. – nasceram em uma realidade ainda mais visual. O legado continuou no início do novo milênio, com a geração de Pitty, CPM 22 e NX Zero, depois vieram os coloridos do Restart, além de muitas outras sensações entre o público jovem.

“Algo emblemático dos americanos sobre a imagem do canal: as três manifestações que a MTV propunha eram os videoclipes, os VJs e as vinhetas. A programação de conteúdo são as vinhetas e os VJs, e o videoclipe é o break comercial por ser um release audiovisual de um produto musical. Eles tinham essa visão. Claro, tem a função de vender música, mas depois começou a ter vida própria”, pondera Zico. Como no país originário, os vídeos foram um sucesso no Brasil, e a cena revelou novos talentos, caso de Breno Silveira, diretor de “Ela Disse Adeus”(Paralamas do Sucesso) e codiretor de  “Minha Alma”(O Rappa) – primeiro clipe a vencer tanto Escolha da Audiência quanto Videoclipe do Ano, em 2000, no VMB –, ou de Gringo Cardia, responsável por “Vem Quente Que Eu Estou Fervendo”(Barão Vermelho).

Não seria possível mensurar a quantidade exata de novos criativos que a emissora projetou no mercado ao longo do período “clássico”. Somente pelo Disk MTV, de 1990 a 2013, passaram nove apresentadoras com diferentes frequências e personalidades, que poderiam variar de meses a vários anos. A recordista de tempo no ar foi Sarah Oliveira, que permaneceu quatro anos e seis meses, de outubro de 2000 a agosto de 2005.

Contratada pela emissora para trabalhar no departamento de jornalismo, Sarah acabou sendo encaixada como sucessora de Sabrina Parlatore, segunda recordista, após uma temporada de quatro anos e três meses. A pessoa que estaria à frente do programa precisava ser relacionável e carismática, como Zico explica: “Era um lugar onde a pessoa estaria mais exposta ao core da audiência mais difícil, aquela que criou intimidade e amizade com a MTV. ‘Ai de quem você vai colocar na minha frente’. A Sarah foi uma menina possível, muito carisma, articulação, simpatia”.

Por falar principalmente com a parcela mais adolescente do público, a pessoa que conduziria a seleção de videoclipes precisava se comunicar com proximidade e empatia. Para a apresentadora, o ambiente progressista tornava a tarefa diária mais confortável: “Você é a mesma pessoa na frente e atrás das câmeras. Você precisa falar com verdade o que está se propondo, e com responsabilidade porque não falava só de música, mas também conscientizava com campanhas em torno do HIV, camisinha, drogas, cidadania – era diferenciada nesse sentido”.

Entre os diversos ensinamentos acumulados, Sarah explica que, no fundo, aprendeu a fazer uma “televisão jovem, pensando no jovem”. O programa também marcou o início da sua carreira como apresentadora, que logo seguiria em outras emissoras, caso frequente entre muitos VJs. Na época, assim como quem a assistia todos os dias, Sarah vivia uma fase de absorver novidades. “Eu era do Rock e não ouvia música Pop, então a Britney foi uma descoberta do Disk. A Pitty é um ótimo exemplo, descobri lá e escuto até hoje. Los Hermanos também”, lembra a apresentadora, que também conduziu especiais como Luau MTV e Acústico MTV.

“Como narrativa, do primeiro ao décimo, nada mais essencial do que cadência e clímax. Quem é o primeiro lugar, quais são as novidades. Se você é fiel a só o que as pessoas pediam, você ficava engessado. Tinha que dar uma manipulada, estrear uma música de vez em quando. Ninguém pediu, mas a gente dizia que sim” – Zico Goes

No início dos anos 2000, Sarah via o público como curioso: “Adolescentes com todas as orientações sexuais estavam descobrindo tudo, inclusive gostos musicais”. O contato direto com os fãs acontecia por telefone, mas também já rolava por e-mail, quando Sarah lia as mensagens que eram enviadas para o programa. “A gente brinca que foi pioneiro na rede social, porque eu lia os e-mails ao vivo, como se estivesse lendo os comentários do Twitter ou Instagram. Entrava nos sites dos artistas, era legal”, conta sobre a interação online.

E quem eram os artistas mais pedidos nos anos da Sarah? Estamos falando sobre hits estrondosos e hinos atemporais como “Toxic”(Britney Spears), “Music”(Madonna) e “Times Like These” (Foo Fighters). Na memória da apresentadora, alguns artistas internacionais frequentes eram Blink 182, Green Day, Limp Bizkit, Alanis Morisette e Dido. Inclusive era comum receber músicos para entrevistas, foram três encontros com Shakira, dois com Red Hot Chilli Peppers, um com Britney, Alanis e Michael Stipe do R.E.M.

Entre os brasileiros mais comuns em seu estúdio, além dos nomes mais quentes da época, estavam alguns artistas veteranos da música nacional: “Aqui do Brasil, quem mais ia me visitar era o Chorão até porque era uma banda que estava sempre na parada, como com ‘Lugar ao Sol’ e ‘Rubão’. Recebi a Pitty e o Los Hermanos. Apresentei o Luau e o Acústico da Cássia Eller, o Luau da Rita Lee, do Titãs…”.

De segunda a sexta, Sarah esteve ao vivo na MTV às 18h durante quase meia década, e brinca que a “jogaram na fogueira” logo na primeira experiência como apresentadora. Nada poderia acontecer naquela hora: “Uma vez fui assaltada indo para o estúdio, e o Edgard teve que entrar nos primeiros 15 minutos porque eu não conseguia chegar. Foi horrível e a única vez. Essa era a dificuldade: ficar disposta e disponível ao vivo, mesmo doente. Enfim foi um super aprendizado”.

“Você é a mesma pessoa na frente e atrás das câmeras. Você precisa falar com verdade o que está se propondo, e com responsabilidade, porque não falava só de música, mas também conscientizava com campanhas em torno do HIV, camisinha, drogas, cidadania – era diferenciada nesse sentido”– Sarah Oliveira

O estilo despojado, mas preparado e competente dos VJs causou uma impressão tão boa no público, que, de certa forma, foi assimilado pela atual geração de apresentadores de canais no YouTube. Inclusive Sarah já recebeu mensagens de vários criadores de conteúdo, telespectadores do Disk na adolescência – alguns não tão responsáveis com o público.

Ainda assim, por mais que existam infinitas tentativas de apresentadores online hoje em dia, para a ex-VJ, o legado mais importante da primeira fase da MTV no país foi entender como se comunicar com os jovens: “O adolescente tem várias questões, e tem a ver com saber o que é estar nesse universo. Tem essa conscientização e referência muito forte, então pensar no adolescente como um cidadão que pode ser mais útil para a sociedade, mais politizado ou engajado, que entenda que um país com cultura é um lugar que vai para frente”.

#Top10

A MTV Brasil, enquanto divisão da Editora Abril, esteve na televisão aberta entre 20 de outubro de 1990 e 30 de setembro de 2013. No dia seguinte, voltou ao ar sobre a gerência da Viacom, que se tornou ViacomCBS desde o final de 2019. A primeira estreia da marca no país surgiu após uma onda de sucesso no exterior.

Quando a MTV foi para a televisão paga em outubro de 2013, já exibia a nova versão da faixa de videoclipes, dessa vez batizada de MTV Hits. Desde abril de 2019, também há o MTV Top 20 com votação online, em que os fãs podem interferir no resultado da seleção da semana. Segundo informado via assessoria de imprensa, os sucessos continuam no foco: “além dos grandes nomes do Pop nacional e internacional, temos visto um aumento significativo por clipes de K-Pop”.

A lista com dos mais exibidos em 2020 conta com: “Adore You”, de Harry Styles em primeiro lugar, seguido de “Rare”(Selena Gomez), “I’m Ready”(Sam Smith feat Selena Gomez), “I Love Me”(Demi Lovato), “Braba”(Luisa Sonza), “Watermelon Sugar”(Harry Styles), “Amor de Que”(Pabllo Vittar), “Verdinha”(Ludmilla), “Stuck With U”(Ariana Grande feat Justin Bieber) e “Rain on Me”(Lady Gaga feat Ariana Grande).

O MTV Hits passa duas vezes ao dia e apresenta estreias e playlists especiais por meio de uma curadoria que leva em conta o que está sendo ouvido nas plataformas de streaming. Como no passado, para decidir o que será adicionado ao mix, as novidades são discutidas em conjunto ao departamento de Talento e Música. Apresentar videoclipes na grade diária mantém-se importante, de acordo com Natalia Julião, diretora sênior de Programação da MTV Latin America: “música segue sendo uma expressão cultural universal e extremamente relevante em todo mundo. Ter talentos e artistas musicais em nossa programação fortalece a relação história da audiência com a marca. Além disso, é uma plataforma de engajamento para as premiações e produções da MTV”.

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