Entrevista: Charlie E Os Marretas

Banda paulistana comenta o excelente resultado visto eu seu disco de estreia

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2014 foi um ano de excelentes lançamentos, entre eles o disco de estreia do grupo paulistano Charlie e os Marretas. Embalando os ouvintes com seu Funk híbrido de outros estilos dançantes, esse álbum se torna facílmente um dos mais divertidos do ano (e por que não um dos melhores?).

Trocamos alguns e-mails com a banda para saber mais de onde surge essa mistura, como surgiu a vontade de recriar o Funk nos dias de hoje e sobre seu maior single, Marretón, que você deve lembrar já ter ouvido através de seu divertido videoclipe.

Monkeybuzz: Cinco anos separam o início da banda e seu primeiro registro, que saiu somente agora, em 2014. O que mudou no som de vocês (e no grupo em si) desde 2009?
Charlie e os Marretas: Lá atrás, em 2009, começamos como muitas outras bandas fazem, ou seja, tentando reproduzir o som de grupos que curtíamos e que foram o principal motivo da gente se juntar pra tocar. Tocávamos sons doeThe Meters, James Brown e os JB’s (claro!), Bill Withers, Stevie Wonder, Prince, Tim Maia, Toni Tornado, John Scofield, Medeski Martin & Wood e outros sons “lado-B” que o nosso baixista Gui Giraldi (que era DJ na época) mostrava para a banda, como a Banda União Black, Dom Salvador, Ripple, Lettuce e outros.

Nesse processo, passamos algum tempo tocando e pesquisando como fazer a banda soar Funk, tentando descobrir como aqueles caras gravavam, como tiravam certos timbres de seus instrumentos etc. Nossa formação na época, inclusive, era um mais “tradicional”, com menos efeitos e um naipe de sopro com dois saxofones, os grandes parceiros Rafael Molina e Vinicius Chagas. Com o tempo fomos compondo nossas próprias músicas e percebendo que podíamos explorar novos caminhos, tanto em termos de instrumentação como no próprio som. Por isso, quando chegamos em 2013 e finalmente gravamos nosso disco, ele acabou sendo uma mistura de diversas influências e possibilidades sonoras que experimentamos antes.

Dá pra sacar bem isso na ordem do disco: ele tem um de lado-A que traz músicas ligadas à tradição do Funk, homenageando a sua história (o que fica claro na música Baile da Pesada) e um lado-B que já abre novos caminhos, puxando pro Hip-Hop, Jazz, Pop e até pro Rock Psicodélico, como em Quimpassi e Black Geeza. De lá pra cá, apesar de muita coisa ter mudado pra gente, inclusive na nossa formação (hoje tocamos com apenas um sopro, o saxofonista Filipe Nader), ainda temos o Funk como base e o desejo de fazer um som pras pistas que faça a galera balançar junto. Acreditamos que nosso próximo passo será ir ainda mais longe, tentando quem sabe descobrir outras misturas interessantes e outros grooves dançantes que podemos agregar no nosso repertório. O Hip-Hop, a Música Latina e Brasileira, assim como o Brega e o Pop são temperos musicais que podem aparecer com mais força num futuro trabalho nosso.

Mb: Charlie e os Marretas tem músicas instrumentais, cantadas, ambientadas no Funk e hibridismos de estilos, enfim, faixas bem diferentes umas das outras. Qual foi o processo criativo por trás das nove músicas que formam o disco?
Charlie e os Marretas: Estas músicas que compõem nosso primeiro disco são um apanhado de diversas fases da banda, por isso soam tão diferentes entre si. Fora isso cada integrante da banda traz uma bagagem diferente e sempre abraçamos estas diversas ideias que surgiam em vez de sacrificá-las em defesa do “Funk verdadeiro”. O processo criativo rolou bem naturalmente. O André Vac trouxe algumas músicas com uma pegada “canção”, que além do groove também valorizam a letra, como Baile da Pesada. Também compôs algumas músicas tentando “imitar” certos estilos, como em Demetrius, que é uma homenagem à banda The Meters e inclusive cita duas músicas deles no tema (Jungle Man e Cissy Strut). O Gui Giraldi trouxe uma pegada voltada para o Hip-Hop/Jazz/Afro, como em Black Geeza, Quimpassi e O Vô te Ensina.

Isso tudo durante o processo criativo foi sendo temperado pela criatividade de cada um. O Tomas de Souza, por exemplo, trouxe alguns elementos que são característicos dele, como alguns timbres e ideias de teclado que soam um tanto como trilha sonora de filme. Já o Charlie, o lado do Hip-Hop, da pesquisa de samples pra incluirmos em nossas bases e de timbres crus e sujos de batera. É um batera muito musical que sempre sugere ideias no arranjo, nos timbres e inclusive na própria produção, mixagem do disco. Aquela intro do disco, por exemplo, foi feita por ele! Em resumo, nosso processo criativo é bem aberto, todos podem trazer algo, não tem um “chefe”. Isso às vezes dificulta na prática, pois entramos em discussões sobre qual caminho escolher, mas no final o resultado dessa mistura do que cada integrante tem a oferecer é sempre muito interessante!

Mb: Ao mesmo tempo em que vocês fazem um resgate ao Funk dos anos 70, vocês dizem não ser puristas em relação a ele. Qual é a relação de vocês com o estilo e como ocorre essa “quebra de paradigmas” ao modernizar esse som?
Charlie e os Marretas: Surgimos como banda com o intuito de tocar o repertório de um estilo específico, no caso o “Funk” que surgiu nos anos 70. E esse trabalho de pesquisa ainda está muito presente no modo que tocamos e na relação com o público, mas à medida que a linguagem do Funk foi incorporada, essa preocupação com estilo, que era prioritária, foi se diluindo e passamos a nos preocupar muito mais com a criação do nosso repertório autoral. As músicas que eram trazidas às vezes se encaixavam dentro de um estilo de groove clássico, como Demetrius e Bote um Funk, e outras não, como Marretón e Quimpassi, que representam uma mistura de diversos universos musicais. Mas é importante ressaltar que a “quebra de paradigmas” não foi deliberada, nunca tivemos o intuito de “modernizar” o Funk. Simplesmente aconteceu e com certeza tem a ver com a formação dos músicos que fazem ou fizeram parte do grupo, que é bem variada e eclética.

Mb: As fusões de estilos não são exatamente novas, mas creio que elas estão acontecendo com uma riqueza ainda maior em nossa época. Parte dessa modernização do som de vocês vem também de abraçar outros gêneros, como Hip Hop, Soul e Música Latina. Como surgem para vocês essas misturas?
Charlie e os Marretas: As misturas surgem da nossa escuta e pesquisa. Cada integrante tem seus gostos e predileções e dependendo da fase, está pirando em um certo estilo, compositor, produtor, etc. Na hora de tocar, arranjar, isso aparece conscientemente ou inconscientemente. É claro que existem algumas unanimidades na banda, como esses três exemplos que você citou, que moldam de maneira mais consistente as misturas que praticamos e consequentemente constituem o estilo e linguagem da banda.

Mb: Muitos dos integrantes da banda estão simultaneamente em outros tantos grupos, dos mais variados estilos. Esse ecleticismo de alguma forma enriquece o som do Charlie e os Marretas? Charlie e os Marretas: Sim, com certeza! Gostamos de música acima de tudo e por isso o fato de cada um ter uma bagagem musical diferente e tocar em outros projetos que não tem a ver necessariamente com Funk/groove é sempre muito enriquecedor pro nosso som. No Selo Risco, do qual fazemos parte, temos grandes parceiros que tocam Blues, Canção Brasileira, Samba, Música dos Bálcãs, Rock e outros estilos. Além de termos gravado no mesmo selo, estamos sempre nos encontrando, trocando ideias, músicas, mostrando bandas que descobrimos um pro outro e isso aparece também nas composições, nos dá uma série de ferramentas musicais que podemos usar, misturar e colocar no nosso próprio som. Este ecletismo, para alguns, pode passar a sensação de não estar se aprofundando em nada e que estamos apenas pegando pequenos pedaços de várias coisas, mas acreditamos que o pluralismo é algo que vale a pena ser explorado artísticamente e que tem muito a ver com essa nossa geração.

Mb: Eu vejo um pouco fase Funk de Herbie Hancock nas faixas Black Geeza e Quimpassi. Ele foi realmente uma inspiração para vocês no álbum? Quais outros artistas desempenharam o papel de guiar vocês nessa jornada pela busca das influências certas?
Charlie e os Marretas: A fase Funk do Herbie Hancock é com certeza uma influência na formação da banda, mas não era algo que estávamos escutando nem na hora de compor, arranjar essas duas músicas, nem no momento de gravar o disco. Uma influência, diria até uma obsessão, é o disco Voodoo do cantor norte americano D’Angelo. Foi muito importante conhecer profundamente esse disco e o processo criativo que o permeou. Primeiro pela concepção rítmica que o D’Angelo junto com outros artistas ligados ao Neo-Soul criaram, pelos timbres principalmente de baixo e bateria, pelo trabalho em estúdio e a relação com o engenheiro de som Russell Elevado, que teve um papel ativo e criativo durante a gravação e mixagem do disco. Como outras influências importantes podemos citar James Brown, Parliament, os artistas da Motown, o RH Factor do Roy Hargrove e o J Dilla, grande produtor que esteve ligado ao D’Angelo e o movimento Neo-Soul.

Charlie e os Marretas

Mb: Depois de Tim Maia, Di Melo e Toni Tornado, o Funk acabou ficando em segundo plano e o estilo perdeu muito de apelo em nosso país. Mas, como vocês bem dizem em “Baile da Pesada”, “o funk não morreu/é só saber procurar/pelas noites da cidade/ele ainda soa nos ouvidos de quem quer escutar”. Como vocês veem o mercado brasileiro em relação ao estilo nos dias de hoje?
Charlie e os Marretas: Nos anos 70 e começo dos 80, o Funk estava ligado, no Brasil e no mundo, ao movimento black. Portanto, além de ser uma música para a dança, balada, era uma manifestação cultural de um determinado grupo, com o intuito de conscientizar as pessoas. A partir dos anos 90, o Rap entra com tudo e “toma” esse lugar no cenário da música brasileira. Hoje em dia, como o Funk não está mais ligado intrinsecamente com o movimento black (ainda existem DJ’s e festas de resistência, mas não tem a força de antes), perdeu espaço nesse nicho. Mas como o mercado musical cresceu bastante e está mais plural do que nunca, existem diversos espaços novos em que pode se encaixar.

Mb: E, por falar em Di Melo, antes de gravarem o álbum, vocês acompanharam esse ícone do Soul brasileiro em alguns shows. Como foi essa experiência e o que ela agregou ao som de vocês?
Charlie e os Marretas: A experiência com o Di Melo foi muito importante pra gente. Aprendemos muito, pois tivemos que moldar nosso som que na época era voltado para o Funk clássico (americano), para um som com outros sabores, mais brasileiro. O Di Melo traz todo um caldeirão de estilos em suas músicas, o Tango, o Baião, o Samba-Rock, a Bossa Nova, tudo isso tocado de um jeito próprio muito suingado. E tivemos que suar bastante pra conseguir tocar isso tudo! Os caras que gravaram o disco dele 1975 eram muito monstros! Tentamos fazer o máximo que podíamos e aprendemos muito com as gravações, mas realmente aqueles caras eram incríveis e é muito difícil fazer algo parecido. Fora isso o Di Melo nos deu a oportunidade de tocarmos em palcos maiores, festivais pelo Brasil e isso nos deu experiência pra depois podermos encarar show maiores dos Marretas com mais tranquilidade do que antes. Outro fator muito importante que surgiu na convivência com o cantor, foi trazer a influência de um som brasileiro, que estava um pouco apagada nas nossas primeiras músicas. Isso desaguou, por exemplo, na música Marretón que é uma mistura de Reggaeton com Música Baiana. Esse caminho de trazer ainda a influência da música brasileira tem nos guiado e temos investido nele.

Mb: O vídeo para Marretón é mesmo incrível e creio que apresentou o som de vocês para muita gente. De onde surgiu a ideia para o vídeo e vocês acham que o clipe resume essa proposta bem humorada e dançante da banda?
Charlie e os Marretas: A ideia do clipe é dos incríveis Caio e Helena Guerra, da produtora Irmãos Guerra. Nós demos algumas pequenas sugestões, mas o conceito geral foi deles. Fora isso contamos com as Irmãs Fridman na direção de arte do clipe (responsáveis também por alguns clipes d’O Terno) e também com a ajuda de muitos amigos e parceiros que toparam filmar o clipe com a gente sabendo que teriam pouco ou nenhum apoio financeiro! Agradecemos imensamente toda a galera que participou da gravação! O clipe evidenciou um lado da banda que temos entre nós no nosso dia a dia, nos ensaios, mas que não fica tão evidente no nosso disco, que é o humor. Não somos uma banda que se leva muito a sério, não consideramos nossas músicas como grandes mensagens super conceituais e nem temos esta ambição. Num segundo disco, esse lado humorado das letras e músicas deve continuar, já temos algumas ideias na manga, vamos ver o que sai!

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Apaixonado por música e entusiasta no mundo dos podcasts