Entrevista: Cícero

Álbum “Cícero & Albatroz” revela novo momento da carreira do músico

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Fotos: Eduardo Magalhães

Não é difícil afirmar que o disco Cícero & Albatroz marca um novo momento não só na discografia que Cícero vem construindo desde 2011, mas também em sua carreira como um todo, visto que ele co-assina este seu quarto disco ao lado da banda Albatroz.

Por telefone, ele falou ao Monkeybuzz sobre as escolhas que levaram à produção do álbum dentro dessa linha temporal que começa com Canções de Apartamento, passa por Sábado (2013) e depois em A Praia (2015), e sobre a experiência em montar o show com essas músicas ao lado do grupo de músicos com quem hoje trabalha – Gabriel Venture (Ventre), Cairê Rêgo, Felipe Pacheco (ambos Baleia), Uirá Bueno, Vitor Tosta, Matheus Moraes, e Bruno Schulz, seu parceiro desde o primeiro disco.

Monkeybuzz: Seus três primeiros discos parecem formar uma linha narrativa muito peculiar – Canções de Apartamento em uma ponta, Sábado em outra e A Praia bem no meio delas. Houve alguma vontade de começar uma nova história com esse disco?
Cícero: Teve, mas, antes de tudo, teve uma escolha de fazê-lo com uma banda. Eu já sabia que queria produzir com eles, é uma galera que tem muita personalidade. Tipo o Ventura tem a onda dele, o Pacheco tem a onda do Baleia, os músicos têm muita personalidade. Eu já sabia que, se eu levasse as minhas músicas para a banda, elas virariam uma outra coisa – eu só não sabia que coisa seria. Eu não sabia como ficaria o arranjo, que cara que o disco iria ter. Conforme a gente foi fazendo, eu fui colocando pilha e deu o que virou.

Mb: Essa dinâmica de vocês é nova, mas vem de um trabalho que já dura alguns anos no palco. Essa experiência ao vivo teve algum impacto nas músicas?
Cícero: Total. O que me despertou para essa ideia de disco de banda foi o fato das músicas dos trabalhos anteriores ficarem muito diferentes nos shows, e eu gostar disso. O simples fato do Ventura tocar uma guitarra que eu gravei já deixa a música diferente; o Cairê, com o baixo, já era diferente. Então, o que eu fui notando é que as músicas ao vivo ficavam muito diferentes e, na minha opinião, melhores. Muita gente discordava, preferia que fosse eu com o violão, que os arranjos fossem mais baixos, queriam aquele sentimento que já tinham em casa ouvindo o disco, não uma ruptura disso. Já outras pessoas gostavam das músicas ficarem mais expansivas. Independente de quem curtia ou não, eu via ali um potencial bom para novas músicas, eu não precisaria descaracterizar Tempo de Pipa tanto se eu fizesse uma outra música que já carregasse na natureza dela a nossa dinâmica de banda. Fui amadurecendo essa ideia, pensando “um dia eu vou fazer”. Quando eu lancei A Praia, eu senti bem isso o que você falou, que fechou Um Arco – que é até a última música do disco, uma faixa que começava no Canções de Apartamento, se desenvolvia no Sábado e concluía o raciocínio em A Praia. Eu pensei “é hora de fazer esse disco de banda, ao invés de um outro disco de cantautor”. No futuro, eu posso voltar a esse raciocínio, mas agora, até pela energia do público ao vivo, que canta alto e que grita, eu achei que um disco com mais volume seria mais legal.

Mb: Não só o público está cantando mais alto, como os palcos estão ficando maiores, não é?
Cícero: Sim, é um movimento que vem acontecendo ao longo dos anos, culminou no ano pasado no Coala, quando eu toquei com Marcelo Camelo para dez mil pessoas, e tinha um percentual considerável de pessoas que estavam cantando as músicas – se não todas, pelo menos Tempo de Pipa, Vagalumes Cegos, sacou? E ao longo da turnê pelo país, até quando a gente foi para Portugal, tinha muita gente que conhecia músicas dos três discos, e não só do Canções de Apartamento, que é o que eu tenho mais feedback até hoje. Então, eu senti que o público já estava criando uma relação mesmo com uma linha de raciocínio minha como compositor, então achei que assimilariam bem uma banda, que não seria uma ruptura tão grande como foi com o Sábado, que as pessoas ainda estavam tentando entender o que que esse cara está pensando de música, ainda não tinham entendido qual é a minha onda como compositor. Agora, já sacaram que cada disco é um disco, um começo, meio e fim de uma outra ideia, e que o outro vai ser uma outra ideia. A impressão que eu tenho é que eu fui libertado pelo público, sabe? Eu posso fazer o que minha vontade de me expressar me dá, eu posso colocar isso em um disco que não vão torcer tanto o nariz. No Sábado foi mesmo mais complicado, porque a galera estava começando a entender isso, acho que agora já entendeu que não tem como eu fazer música igual eu já fiz porque eu não seria verdadeiro comigo, eu estaria jogando para o mercado, que é um negócio que eu nem acredito muito que ainda exista – “Mercado”, “público médio”, “público alvo” são uns termos que eu tenho pavor. Se eu fizer disco exatamente do jeito que eu estou pensando agora, o público vai ser mais simpático do que se eu ficar, sei lá, talvez requentando o Canções de Apartamento para sempre.

Mb: Eu acompanhei essa trajetória e já vi você fazer desde show em livraria e bar até em um festival como o Coala. E quando eu ouço essas músicas novas, sei que elas estão mais prontas para um grande palco.
Cícero: É exatamente isso. Com o Canções de Apartamento não rolou porque era o começo, com o Sábado não rolou porque ele não era para isso, e com A Praia me chamaram para alguns festivais grandes – em Portugal, em São Paulo – e eu toquei muitas vezes no Circo Voador. Eu saquei que dava para fazer músicas mais expansivas que vão chegar naquele cara que está lá atrás, talvez meio longe do palco, e ele não conseguiria prestar atenção em um acordezinho de violão aqui. Eu comecei a pensar nisso, e em palcos maiores também, e acho que isso interfere na composição sim. Quando Rolling Stones compõe uma música, a motivação é diferente daquele cara no interior que toca voz e violão, sabe? Então o público gritando e cantando junto interferiu nas minhas intenções.

Mb: O que você está pensando para os próximos shows, eles terão momentos mais intimistas ou as músicas menos volumosas nem entrarão no repertório?
Cícero: Vai ter um momento intimista sim, de troca de instrumentos. Eu não vou nem tocar só com o violão como no início, nem só com guitarra que nem na última, vai ter as duas coisas para tentar dar uma “afinada” no emocional das pessoas. Quando você troca de instrumento, as pessoas também trocam de estado mental. É difícil você vir de uma pancadaria e querer que todo mundo esteja pronto para ouvir Aquele Adeus. Ninguém vai prestar atenção agora, porque já estão vindo de um (imita gritos) “aaah”, então vai ter uma dinâmica de show mais pilotada. Mas também não é tanto a proposta dessa turnê, esse momento introspectivo é bem menor, porque a onda agora é a banda tocar, e se eu fizer um voz e violão eles ficam lá parados. A banda quer tocar o que criou, e acho que isso transparece também com o público, se todo mundo está tocando ali “amarradão”, vai ser melhor. Vai ter um momento de resgatar alguma coisa do Canções, alguma do Sábado, alguma do A Praia, mas a temática principal é a do disco novo.

Mb: Pensando nessas turnês que você fez nos últimos seis anos, em palcos tão diferentes um do outro, o que te fez perceber sobre a música brasileira de hoje?
Cícero: Cara, o que eu sinto é que a música brasileira hoje é tão plural quanto a música do mundo inteiro. Tem um mundo inteiro no Brasil, porque a música do Sul não tem nada a ver com a do Nordeste em nenhum aspecto, nem harmônico, nem melódico, nem rítmico, nem poético, porque são países diferentes, relações totalmente diferentes com tudo. O que eu entendi é que o Brasil é um continente. A diferença entre Salvador e Porto Alegre é maior do que de Portugal para a França – de renda, de entendimento de país, de organização, de sotaque, e a música reflete isso. Você ouve Júpiter Maçã e, sei lá, alguém da Bahia, você fala “caramba, só o idioma é o mesmo”. Tem um problema político que isso gera, é muito difícil organizar isso, mas culturalmente é muito rico. Você tem todas as possibilidades de combinações musicais possíveis, tem um Hermeto Pascoal, que é um cara mais erudito, e tem um Punk Rock da Zona Leste de São Paulo. Eu acho isso ótimo.

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ARTISTA: Cícero
MARCADORES: Entrevista

Autor:

Comunicador, arteiro, crítico e cafeínado.