Entrevista: Cícero

Músico conta sobre as escolhas feitas para a produção de seu segundo álbum, “Sábado”

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Enquanto Canções de Apartamento permitia um verdadeiro mergulho introspectivo em letras sobre romances findados, solidão e insatisfação, Cícero resolveu investir em uma pegada aparentemente oposta em seu segundo álbum, Sábado. Suas dez faixas tem a capacidade de deixar qualquer um flutuando em uma ambientação de fim de tarde, aquele momento em que ainda não é noite, mas já não é mais dia. Ainda que denso, é um trabalho que vem com mansidão e nos lembra que, como ele uma vez cantou, “a vida é um balão”.

Entrevistei o carioca pela primeira vez há mais de dois anos, antes de surgir o Monkeybuzz, em uma conversa regada a café e brownie durante sua primeira passagem por São Paulo. Como ele não voltará à capital paulista antes de abril (quando se apresenta no Cine Joia no dia 19), o papo da vez precisou ser por email mesmo. Felizmente, o conteúdo profundo e cheio de significado que ele expressa nas composições e nas conversas ao vivo não se perde nas respostas digitadas, nas quais ele comentou a produção de Sábado e a música feita no Rio hoje, entre outros assuntos.

Monkeybuzz: Cícero, quando você apareceu em 2011, não trouxe apenas músicas, mas também ajudou a crescer todo um diálogo sobre a maneira de produzir e consumir música em nosso tempo. Com tudo o que aconteceu com você nesses dois anos, você pensa que seus valores ficaram mais enraizados ainda ou toda a troca de informação e experiências expandiu ainda mais os conceitos?
Cícero: Pergunta difícil. Meus valores humanos e musicais se enraizaram, eu acho. Meus paradigmas e interesses mudaram, um pouco por conta dessa troca de experiências que você falou. Meu diálogo sobre a maneira de produzir e consumir música vem desde 2005, quando gravei o primeiro disco da minha banda na casa da minha mãe sem saber nada de gravação, de canto ou de composição. Era só vontade. Quando eu apareci em 2011 me senti provando um ponto. Fiquei feliz. Agora quero provar outros, pra mim mesmo, como forma de seguir expandindo, não só meus valores, mas minha música, minhas dúvidas e a minha realidade.

Mb: Canções de Apartamento parece ser um disco de isolamento, enquanto Sábado traz uma coletividade maior. Como foi trabalhar com tantas parcerias e participações nesse último álbum?
Cícero: Foram encontros com amigos, nada formal. Era mostrar os rascunhos, ouvir junto, tocar idéias. No final do processo, os rascunhos viraram o resultado final. Fui captando as idéias nos momentos em que elas surgiam, da forma como surgiam, fazendo uma espécie de colagem de momentos. Alguns desses momentos eu passei com as pessoas que participaram do disco.

Mb: Como foi a ideia de trabalhar com o Bruno Giorgi na produção? No que ele mais ajudou pra obra chegar aonde você queria?
Cícero: Ele começou sendo técnico de som de alguns shows do Canções de Apartamento e viramos amigos. Temos opiniões musicais parecidas, somos companheiros de geração e nos admiramos mutuamente. Agora a gente toca junto. Ele me ajudou a chegar na cor do som do disco. Cada frequência remete a uma cor. Sons agudos e médios são sons quentes, tendem ao laranja, ao vermelho. Graves vão pro azul, pro roxo. “Blues” significa tristeza. O azul, o grave, o BPM lento, tudo isso gera uma sensação de cor, de textura, de luminosidade, de pulsação, um sentimento. Quando você tira a luz de um lugar, nos primeiros momentos você não vê nada, lentamente a retina dilata e você começa a ver as coisas pelas suas sombras, contornos, e depois de algum tempo vê tudo. Há uma mudança de foco e dilatação de tempo. Com o som, eu queria chegar nisso também. Giorgi fez isso. Ele é craque. Mas ele avisou: “Sabe que só dá pra ouvir esse disco com fone de ouvido, né?”. Eu quis assumir o risco e ficamos orgulhosos do resultado.

Mb: Como as turnês pelo Brasil e o que você viveu nelas influenciaram Sábado, direta ou indiretamente?
Cícero: Conheci outros pontos de vista, outras pessoas e outras culturas. Isso influencia a vida, não só o disco. Enquanto minha vida estiver mudando, os discos estarão mudando. É meio natural, ou era pra ser, sei lá.

Mb: E a passagem por Portugal, como foi? O que você trouxe de lá?
Cícero: Foi lindo. Volto lá neste semestre pra tocar de novo. Me trouxe autoconfiança e esperança. Lá eu vi melhor o que estou construindo e recebi carinho e estímulo. Fiquei encantado com eles, pra ser sincero. Eles têm uma relação profunda com a língua portuguesa, com a canção, com a delicadeza. Lembro de me emocionar com os elogios que recebi pelas letras e melodias do Sábado, por exemplo. Ir pra lá me fez muito bem. Fiz amigos lá também. Tenho descoberto que, inconscientemente, faço discos pra buscar pessoas iguais a mim e potenciais amigos pra vida. Em Portugal encontrei vários.

Mb: Lembro que um dos seus planos para 2012 era lançar um livro de poemas. Alguma delas foi adaptada para uma das faixas de Sábado? Ainda existe a ideia de lançá-lo?
Cícero: Sim, várias faixas são poemas que já existiam. Ainda existe a idéia de lançá-lo sim, mas fazer um livro requer que você pare e se dedique a ele. Tem que ser assim, senão fica ruim. Isso ainda vai demorar.

Mb: As mudanças de um primeiro para um segundo álbum foi um tema comum no Brasil em 2013 – além de você, isso aconteceu também com Apanhador Só e Garotas Suecas, por exemplo. De onde você acha que vem a inquietação para explorar um novo território após a consagração com o primeiro?
Cícero: Não acho mesmo que me consagrei no primeiro disco, acho que me apresentei. Disco a disco, eu vou construindo meu espaço, do tamanho do meu esforço e da minha capacidade. A inquietação é artística mesmo, de explorar a sensibilidade em outras possibilidades. Acho que nossa geração quer sentir e pensar diferente, como toda geração. Daí é normal que os artistas estejam interpretando essas coisas novas. Acho ótimo, me orgulho de fazer parte disso. Adorei o disco novo do Apanhador Só, Rota é linda.

Mb: Como você observa o momento que o Rio de Janeiro vive hoje com tantas novas bandas ótimas surgindo?
Cícero: Acho ótimo! O Rio andou acomodado por um tempo. Com o glamour, as praias, as novelas. Raul Seixas fala num filme que é muito “patins”. E é mesmo. Mas com a abertura de mídia e as novas formas de fazer e mostrar, um outro perfil de carioca se mostrou viável. Vai chover música nova daqui do Rio nos próximos anos se a bagunça da cidade não destruir tudo.

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ARTISTA: Cícero
MARCADORES: Entrevista

Autor:

Comunicador, arteiro, crítico e cafeínado.