Entrevista: Drik Barbosa

Artista comenta o lançamento de “Espelho”, que recebe um mini-documentário de bastidores

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Fotos: Luciana Faria

“É bom que o Rap continue assim, querendo passar informação e fazer as pessoas refletirem” – Drik Barbosa é um nome conhecido na cena de São Paulo e do Brasil por frequentes participações em faixas e discos de outros rappers, além de fazer parte do supergrupo Rimas & Melodias. Seu primeiro EP, Espelho, veio para colocá-la em uma posição de protagonismo em um momento tão delicado para o Brasil e o mundo no qual sua música é ainda mais relevante – “É a Xica da Silva com a arma na mão/Minha arma tá atirando informação”, como ela canta em Camélia.

Espelho estava disponível nos serviços de streaming menos de 48 horas após o crime político que levou a vida da vereadora Marielle Franco no Rio de Janeiro, episódio devastador para a democracia no país, a ponto da cantora e rapper questionar se deveria ou não lançar o disco. Foi o que ela contou à reportagem do Monkeybuzz dias depois do EP ter saído, durante entrevista na sede do selo Laboratório Fantasma, em São Paulo.

Na conversa, fica claro o quanto a qualidade de seu lançamento está ligada também ao nível de atenção e cuidado com que ele foi feito tanto em sua mensagem, quanto em sua estética – o que fica ainda mais evidente no mini-documentário disponível aqui no site em primeira mão.

Monkeybuzz: O primeiro lançamento solo de um artista carrega em si muito de sua identidade. O disco chama Espelho por refletir quem você é, por mostrar como você se vê? Drik Barbosa: Sim. Eu já tinha a ideia de, quando eu fizesse meu primeiro EP, que ele mostrasse o meu trabalho não só em cima de um conceito, mas que as pessoas pudessem sentir quem é Drik Barbosa, qual o tipo de mensagem que eu passo e como eu uso a minha voz. Eu já tinha isso em mente há muitos anos. Quando fomos preparar o disco, eu falei para o pessoal da Laboratório Fantasma que essas músicas são muito íntimas, que eu senti muitas coisas para escrevê-las, são letras muito importantes para mim. Então, já tinha essa questão da intimidade. A faixa com Stefanie já chamava Espelho. Quando fomos decidir o nome do EP, imaginando o conceito, a capa e tudo o mais, pensamos em deixar Espelho, porque tinha a ver com o que eu já estava trabalhando nas faixas. Elas são como conselhos, eram coisas que eu falava para mim enquanto escrevia as letras e que quero que as pessoas tenham para elas como conselhos mesmo. Acabou que tudo entrou em um conceito, mas elas não foram escritas na mesma época, nem com um EP em mente. E refletem quem eu sou, totalmente.

Mb: Você se coloca no disco como cantora e como rapper. Foi intencional que esse tal Espelho refletisse mais de um talento seu?
Drik: Total, total… São as duas coisas que eu faço e é essa mistura que eu acho que representa meu trabalho. Não teria como fazer esse projeto hoje se não fosse assim. Pode ser que um dia eu faça uma parada só rimando ou só cantando, mas acho difícil não unir as duas coisas. Tanto que tem som que, se eu não canto o refrão, eu já estranho (risos).

Mb: Mesmo assim, as músicas parecem vir bastante separadas entre as que você canta o Rap e as que você canta R&B, sem misturar. Como foi fazer essa escolha?
Drik: Eu fiquei pensando como encaixar as músicas do EP, porque eu tinha mais que cinco para escolher. O que eu tinha na cabeça era: “eu preciso de um love song, de um Boom Bap, um Trap, um som de festa…” para poder mostrar um pouco de cada coisa que fiz até aqui e contar uma historinha, mesmo sem eu ter escrito as músicas nesse intuito. Aí, queria deixar bem explícito o que era Rap e o que era R&B, e acho que funcionou, porque Inconsequente é exatamente um “Alpha FM” (risos) que é o que eu queria.

Mb: Conta um pouco mais sobre esta “historinha” que você comentou? Drik: Na hora de pensar na ordem das músicas, eu pensei “como que eu quero que as pessoas se sintam ao começar e ao terminar o EP?”. Começa com Espelho, que é esse momento de conversa comigo mesmo, de eu estar me olhando de cima e encarando meus sentimentos, tentei passar isso nos versos, e o refrão ficou lindo, Emicida que escreveu e encaixou super bem no que eu queria dizer, aí Stefanie veio e deixou tudo mais incrível ainda. Banho de Chuva mostra eu encarando a minha vida, mas que ainda tem alguma coisa errada acontecendo lá fora, que a gente está esquecendo de dar atenção para as coisas mais simples, e fala um pouco de como eu vejo os mundos nos dias atuais – e olha que ela foi escrita há dois anos, mas, infelizmente, ainda se encaixa com hoje. Inconsequente é quando eu lido com o amor, estou me deixando levar… me conheço, me amo, mas também estou permitindo que outra pessoa me ame e eu ame outra pessoa. Aí vem Camélia, que é como eu lido com a sociedade, como eu lido com os preconceitos que eu tenho que enfrentar por ser mulher, e por ser mulher preta, e Melanina vem como uma celebração de ser quem eu sou, com o direito e o dever de me divertir, mesmo passando por todos esses sentimentos. A historinha é essa, é o meu processo de lidar com todos esses sentimentos.

Mb: Sobre as escolhas dos dois convidados no disco, como foi?
Drik: Stefanie é minha MC preferida da vida, eu ouvi pela primeira vez quando era bem jovenzinha, ela rima sobre as razões para ela rimar, e eu falei na hora: “É por isso que eu quero rimar também”. Foi uma identificação imediata. Comecei a acompanhar o trabalho dela e, quando fui a um show seu pela primeira vez, comecei a chorar (risos), era muito forte para mim. E isso me deu muita força para escrever. Eu era adolescente, naquela insegurança de não saber se estava fazendo certo, e com aquela pressão de estar em um meio que é muito mais masculino. E eu tive a sorte de estar com ela no Rimas e Melodias, ela virou minha irmã, então a gente já estava em uma sintonia foda na hora de fazer a música para o EP. E o Rincon me deixa abismada com a criatividade nos versos, já acompanho seu trabalho há muito tempo, sempre ia a seus shows e trocava uma ideia. Aí, surgiu Melanina, que eu já tinha escrito no ano passado, e eu estava pensando em garotas em um primeiro momento, até o Fióti sugerir Rincon e eu falei “meu Deus, é ele” (risos) e ficou perfeito. A mensagem dele também passa isso, de que a gente merece se divertir além da luta. Foi legal ter um homem e uma mulher, e artistas que eu admiro muito. Queria milhares de participações, mas só tinha cinco faixas, então escolhi só dois, e acabaram sendo as duas pessoas perfeitas para o momento. Ainda vou fazer mais, tem tempo (risos).

Mb: É muito interessante o aspecto que o Rap tem de observar e sintetizar tudo o que acontece à sua volta, também na cultura Pop. Você, quando faz isso nas suas músicas, entende isso como um diálogo com a tradição do gênero, mesmo que seu som seja contemporâneo?
Drik: Sim, faz total parte. Emicida é um exemplo disso, em toda rima ele vem com uma informação útil para sua vida (risos), conheci muita gente através da rima dele, Rashid, Projota, Kamau, que eram os MCs que eu mais acompanhava. Faz todo sentido que a gente mantenha isso hoje dentro do Rap porque também é uma forma de passar informação. Eu continuo indo atrás de algo legal quando eles indicam alguma coisa, porque são pessoas que eu admito e é legal saber o que eles estão lendo e ouvindo. Eles colocam isso na música e eu acho importante colocar na minha, principalmente falar sobre mulheres na cultura. É bom que o Rap continue assim, querendo passar informação e fazer as pessoas refletirem.

Mb: Por falar nisso, é inegável que há um lado de crítica social no disco, e que bom que há. Não tem também como ignorarmos o fato de que ele saiu dois dias depois do assassinato da vereadora Marielle Franco, um dos episódios mais tristes da história recente do país. Como foi colocar Espelho no mundo em meio a tudo o que estava acontecendo?
Drik: Nossa, eu tinha ensaio com Rimas e Melodias no dia, nós chegamos devastadas falando sobre isso com uma tristeza muito grande. Na noite de quarta, nossa produtora mandou no Whatsapp o que tinha acontecido e a gente ficou em choque, eu fiquei sem reação. Confesso que pensei “será que estou fazendo certo de continuar o lançamento?”, fiquei refletindo sobre isso com uma energia triste o dia inteiro, não conseguia nem falar do EP. Conversei com as meninas e elas falaram que era importante que eu lançasse, e na hora eu não linkei que minha música pudesse ser algo bom em um momento ruim, eu simplesmente fiquei mal. Mas falei: “Vamo aí!”, que causasse coisas boas nas pessoas, fizessem elas refletir – e, felizmente, foi o que aconteceu. Logo que saiu o EP, as pessoas já estavam falando de Camélia, e como isso encaixou com tudo da Marielle, sobre a força que a gente tem que ter, enfim, a minha mensagem ter feito as pessoas refletirem foi o lado positivo, mas foi tenso. E ainda é tenso, na verdade. É assustador.

Mb: Mesmo com Espelho ainda sendo um lançamento muito recente, esses acontecimentos recentes, incluindo o retorno que você teve do EP, já influenciaram suas ideias para próximos trabalhos? Drik: Então, a gente já tinha passado no edital do Natura Musical para um álbum, e ele meio que já tem um tema, e eu separei desde o começo o que seria do EP e o que seria do disco. Já estou há um tempo reunindo referências, ideias de participações, pensando “isso aqui pode ser legal”. Depois do lançamento do EP, como eu vi que as pessoas abraçaram essa minha reflexão dentro das faixas, por eu ter sido muito sincera, agora eu já tenho uma direção melhor pro disco. Eu faço a minha música do jeito que acho que ela deve ser feita, com a minha verdade, é um bônus que as pessoas se identifiquem – porque, em um primeiro momento, ela tem que fazer sentido para mim, se não nem faz sentido fazer música. E eu estou tendo uma resposta muito positiva, então sei que vou poder ser o mais sincera possível, porque é isso o que a gente quer. Me sinto mais motivada ainda para gravar.

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Comunicador, arteiro, crítico e cafeínado.