Entrevista: Hélio Flanders

Às vésperas de estrear show solo em São Paulo, músico comenta sobre inspirações e cena independente

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Guarde esta informação: Hélio Flanders é um dos músicos mais importantes desta geração.

Se para quem acompanha Vanguart a uma certa distância essa afirmação pode parecer exagerada, quem está por dentro do que acontece no tal “meio alternativo” da música brasileira sabe o quanto ele está presente em discos, shows, parcerias, covers e discotecagens por aí, com ou sem a banda com a qual ele ficou conhecido.

E é justamente solo que ele apresenta um novo lado de sua carreira, em apresentação inédita no Folk Music Brasil Open Fest, neste sábado em São Paulo. Para sabermos mais sobre esta fase, Hélio trocou alguns emails com o Monkeybuzz entre os ensaios para o show de sábado.

Monkeybuzz: Hélio, seu nome é um dos mais frequentes na música feita no Brasil, principalmente em São Paulo hoje – todo mundo te conhece e admira. Esse reconhecimento conquistado te dá uma segurança pra se arriscar em um trabalho solo?
Hélio Flanders: Eu sou um nome frequente? Que bacana! Isso sempre fica meio longe da gente, não é algo que você pensa muito, se te conhecem ou não, a gente só vive, né? Mas obrigado pela admiração. Sobre a segurança, acho que isso acaba dando mais candura na hora dos riscos, você se sente mais acolhido, o que no fim acaba se mostrando como uma segurança também.

Mb: Qual é a principal diferença pra você em pensar um trabalho como banda e sozinho?
Hélio: A diferença é que você é o diretor musical e você até tem pessoas pra levantar a casa com você, mas o desenho você é quem faz. O Vanguart felizmente virou um trabalho coletivo, mil vezes melhor do que era aquele meu ato solo. Deixamos de ser uma banda que acompanhava aquele garoto das canções Folk e viramos uma banda com personalidade… Você ouve o último álbum e você reconhece cada um dos músicos naqueles arranjos, até quando assino sozinho a canção ou divido a autoria com o Reginaldo, você percebe nitidamente como o trabalho coletivo opera nos arranjos mas também na raiz das composições. É muito difícil você chegar nesse nível de autoconhecimento em grupo, de cumplicidade, de confiança, numa banda de seis pessoas. Isso rola no Vanguart e é maravilhoso, vivemos nosso melhor momento, nos comunicamos, nos divertimos e, mais do que isso, sabemos do que gostamos quando fazemos música. O trabalho solo é uma necessidade. Uma resposta a si mesmo, uma inquietação do cantautor que precisa olhar pra si urgentemente, em geral (e no meu caso) pra entender coisas da sua própria natureza, quase como uma autoterapia. Em muitos momentos, é aterrorizante não ter mais aquelas pessoas ali, que sabem muito mais de música que eu, seja pra ajudar a resolver uma harmonia, dar uma opinião sobre aquela melodia ou simplesmente estar do seu lado, mas por outros também existe a liberdade de estar só, de poder sentir a música a cada dia, a cada performance… o ato de tocar em grupo é primitivo e ancestral, mas do andante solitário também é.

Mb: Quando conversamos sobre Muito Mais que o Amor, você comentou da dinâmica de estúdio com a banda, sobre dosar e incentivar a criatividade do outro. Em seu trabalho solo, como você faz pra saber que está fazendo seu melhor?
Hélio: Eu ainda estou tentando aprender essa dinâmica sobre estar só, se cobrar e se empenhar. Confesso que ainda estou completamente perdido no modus operandi, levemente obsessivo e me cobrando demais, mas eu acho que é assim que se chega nos resultados (risos).

Mb: Você sentiu alguma vez uma pressão das pessoas ou da mídia para trabalhar em algo paralelo à banda?
Hélio: Nunca. A coisa existe por essa necessidade que falei acima e porque algumas canções eram tristes demais pro Vanguart, o modo de tocá-las e cantá-las também.

Mb: Como eu comentei, você é uma figura ativa na música feita em São Paulo hoje. Como você avalia o cenário em 2014 em comparação a como as coisas eram quando você chegou na cidade? Dá pra pensar em algo assim também para o Brasil como um todo?
Hélio: Eu acho que as coisas estão sempre em transformação. Chegamos em São Paulo em 2006, no auge dos festivais independentes pelo Brasil, então de início nem demos muito bola e também não entendemos muito São Paulo. Depois, em poucos meses, eu já havia conhecido tanta gente interessante que estava totalmente transformado. Foi onde comecei a receber convites pra shows, primeiro a Cida Moreira, que sempre foi uma das minhas maiores influências enquanto intérprete, me convidou pra cantar Cartola com ela no Auditório Ibirapuera, depois a Thalma de Freitas, então eu fui vivendo a cidade e a arte que era feita aqui intensamente, contribuindo e, acima de tudo, vivendo. Depois, tive uma fase mais reclusa, de reflexão e hoje me sinto de volta a uma São Paulo que vive um momento brutalmente inspirado. Mil caminhos, mil estéticas, músicos que se conhecem, se respeitam, se admiram. Você tem a turma do Kiko Dinucci, Rômulo [Fróes], Rodrigo Campos, que a Ná Ozzetti maravilhosa já cola junto, aí você vê O Terno e Memórias de um Caramujo, aí tem a Márcia Castro com a força do mundo, tem Maglore, que é um absurdo, Jair Naves com aquelas letras de altíssimo nível, tem o Porcas Borboletas cada vez mais certeiro, Mustache e os Apaches tocando na rua, Tatá Aeroplano como o maior cronista da cidade, os rappers cada vez mais absolutos na sua forma de dizer o que é a vida, todos com ondas muito diferentes e todos convivendo e se curtindo. Acho que a diferença hoje é essa, todos estão mais abertos a uma música nova, seja qual for o estilo dela.

Mb: A mudança de som que Vanguart teve entre os dois últimos discos, apontando para algo mais feliz e leve, reflete de alguma forma em como estão suas músicas solo?
Hélio: Sim, eu estava precisando de chorar de novo urgentemente (risos). Eu sempre gostei de música Pop boa, canções redondoas, aquela coisa, e o Vanguart de Muito Mais Que O Amor é o meu Vanguart favorito, sem dúvida. Abraçamos isso porque foi natural. Logo nos encontraremos pra compor um novo disco e ainda não sei qual o mood que virá, mas neste meu solo a narrativa é parte de coisas que eu vivo, ouço, sinto, vejo… Acho que o álbum é reflexo da vida naquele momento, e o momento anterior e o atual importa mais na vida do que nos álbuns.

Mb: O que tem te inspirado a escrever?
Hélio: A vida é sempre o que move. As pessoas, os sentimentos, o compartilhar e a solidão. Ultimamente, tenho somado essas vivências com poetas mulheres. Descobri que a sensibilidade poética feminina é muito diferente da masculina e foi um universo novo pra mim, que me alimentou poeticamente a ponto de eu voltar a criar universos, cidades e personagens dentro de mim. A poesia de Hilda Hilst e Adrienne Rich, em especial, passando por várias outras mulheres extraordinárias como Audre Lorde, Adélia Prado, Sylvia Plath, Denise Levertov, Elizabeth Bishop, Alejandra Pizarnik, Matilde Campilho e, por fim, o Whitman que sempre me acompanha.

Mb: Sobre o som Folk, que espaço ele tem pra você entre as suas referências? Como você observa a percepção que o público brasileiro tem dessa sonoridade?
Hélio: Rapaz, eu sempre me atrapalho pra falar de Folk. Sei lá, pra mim ele é algo muito maior que o estilo do Dylan e do Neil Young, pra mim é o ato de contar histórias, de olhar pro passado, olhar pro teu bairro… e de fato ele é, e questão estética define o estilo, mas esse conteúdo, essa paisagem também é completamente necessária pra o tal “Folk” existir. No seu último álbum, o Tatá Aeroplano assume uma postura tão cronista que aquilo é uma das coisas mais Folk que eu já ouvi. Meu show é basicamente piano e é um dos shows mais Folk que eu já fiz. Aquele Folk do Bob Dylan e Leonard Cohen foi vital pra eu acreditar que a poesia poderia ser cantada, sem ser óbvia ou imbecil, que você poderia cantar coisas inteligentes e profundas sem ser mala, mas me aterroriza o fato do Folk cair na caricatura da gaitinha e do Country tolo. Felizmente, o Brasil tem tido exemplos maravilhosos de um folk honesto, criativo… Arthur Matos, Mustache e os Apaches, Nana, Rodrigo Amarante, do Folk Pop ao adocicado, do Bluegrass ao Hippie-Folk, como você quiser chamar… tudo é Folk e tudo é sincero, forte e música boa. As histórias são contadas, quantos morrem, outros sobrevivem, a vida segue. Isso é Folk.

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MARCADORES: Entrevista

Autor:

Comunicador, arteiro, crítico e cafeínado.