Entrevista: Mahmed

Banda potiguar comenta ao site sobre carreira, arte visual e turnê pelo sudeste

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Fotos: Leandro Reis

Mahmed é uma banda que não precisa de palavras em suas músicas para comunicar melancolia, tristeza e euforia. Não se trata apenas de música Instrumental, mas dos integrantes encontrarem nas melodias e samples formas de comunicar o que não conseguiam. Dono de um dos discos mais elogiados no site neste ano, Sobre a Vida em Comunidade, além de um EP no currículo que o fez chegar a outros cantos do país, o grupo potiguar realizou uma extensa turnê no Sudeste em pouco mais de doze dias. Soube respeitar o silêncio e dosá-lo com belas melodias em apresentações elogiadas no estado de São Paulo e Rio de Janeiro.

Durante gravações de futuros lançamentos do quarteto para a MonkeyTV, Mahmed bateu um papo ao Monkeybuzz sobre a sua primeira turnê no lado frio do país, a história por trás da criação da banda e sua identidade visual, além da importância da Internet na música atual. Com muito bom humor, Dimetrius Ferreira, Walter Nazário e Leandro Menezes contaram as novidades sobre seus futuros lançamentos, processos de composição e como o grupo desde o começo se propôs a ser um organismo em movimento – e que continuará assim para sempre, de forma instrumental ou não.

Monkeybuzz: Logo de início, podemos perceber uma amizade muito forte dentro da banda. De onde vem a relação entre vocês? Qual o passado de cada um com a música e qual a história por trás da criação de Mahmed?
Dimetrius: Eu conheço o Leandro (baixista) há uns 15,16 anos e não conhecia Walter (guitarra) nem o Ian (bateria), mas os dois se conheciam de outras épocas do colégio. Eu já tinha tentado fazer outras bandas com o Leandro e nossa primeira banda era de Hardcore. Tive uma banda com meus primos também, eu comecei daí. Participei de outras bandas (Dead Funny Days e Bugs) e chegamos a participar de alguns festivais legais e gravamos alguns discos. Sempre fiz fanzine com Leandro, temos uma relação além da música e curtíamos bandas parecidas, temos uma afinidade boa. A nossa primeira não deu muito certo por motivos banais, mas eu sempre quis ter um projeto com ele. Um dia, o Leandro me mostrou o som de Walter. Ele sempre produziu muita coisa no SoundCloud – eu conhecia os sons que ele postava, mas nunca havíamos nos conhecido pessoalmente, só de vista. Eu pirei de cara no som dele. Começamos a trocar ideia, ele veio em casa pra fazer um som e aí tivemos a ideia de termos uma banda juntos. Mahmed vem daí, de composições que fizemos em casa, bases criadas que eram passadas por Leandro, neste sentido. No embrião do Mahmed, o baterista era o meu primo, só que, como ele não tinha muito tempo para tocar com a gente, tínhamos esse espaço para ser preenchido. Nessa abertura, eu conheci Ian, há exatos 2 anos, período que compreende a gravação do EP até agora, e isso é engraçado porque a nossa amizade, tanto com Ian como com Walter, nasceu junto da banda e foi crescendo com ela e nossas composições.

Monkeybuzz: Como a entrada definitiva de Ian (baterista), mudou as formas de composição e mesmo o conceito de banda de vocês? No release do primeiro EP, o termo “quase-banda” ficou marcado.
Dimetrius: Eu logo de cara pirei no som de Ian e achava que ele tinha que entrar na banda. No entanto, acabamos nos aproximando dele porque ele também se interessou no que tínhamos de tracks gravadas e, por fim, acabou se oferecendo para ir gravar com a gente. Ele acabou tocando as músicas nas gravações do nosso primeiro EP, Sob o Domínio das Águas e dos Céus e, depois que a gente o lançou, ele quis entrar de vez no Mahmed. Em Sobre a Vida em Comunidade , o Ian já está dentro da banda, todas as baterias foram gravadas na casa dele, outras coisas eram gravadas na casa de Walter e às vezes lá em casa. Ele participou ativamente em todo esse processo e com certeza completou a gente! E sobre a quase-banda, a gente não se sentia uma banda, mas um projeto.
Walter: Não dava pra gente tocar ao vivo, era complicado, nós só tinhamos riffs, conjuntos e algumas ideias soltas. Ian nos completou muito e deu muita liga pra gente. Hoje na verdade ele puxa a banda e é o nosso motor. Ele acabou entrando no nosso universo dando um toque pessoal dele e acho que as engrenagens se completaram e estamos encaixados perfeitamente. Essa amizade foi se construindo aos poucos e, com ele cada vez mais envolvido, vamos crescendo cada vez mais. As expectativas para novas gravações são bem grandes porque nos vemos bastante focados nisso agora. Temos muitas ideias novas.

MB: Quais são as principais influências da banda e como a música instrumental se tornou a forma de expressão de vocês?
Walter: As principais influências passam por John Frusciante, algumas coisas calminhas do Sonic Youth, Yo La Tengo, algumas coisas Eletrônicas. Acho que cada um vai trazendo influências individuais para o grupo como uma época que passamos a ouvir bastante Tame Impala. Mas tem também Mac DeMarco e outras coisas.
Leandro: Bob Marley (risos).
Walter: Com certeza, Bob Marley (risos). A gente sampleou algumas coisas brasileiras, como Jards Macalé. Nós temos um riff que é total ele, Farinha do Desprezo, descaradamente e assumidamente. O final de Quando os Olhos se Fecham é uma homenagem e citação de Jards Macalé. Warpaint, Homeshake, acho que temos muita coisa que influencia a gente. A música instrumental foi algo que aconteceu para gente, talvez o próximo disco seja mais cantado que instrumental, não estamos nos prendendo muito a esse conceito. Não é algo definitivo e está rolando agora porque temos coisas para falar, mas talvez não saibamos a maneira certa de falá-las. A maneira certa de comunicar isso, por enquanto, é através de melodias e samples que estamos usando mais. Temos alguns lados-B do Mahmed que usam muitos samples de filmes. Acho que vamos encontrar maneiras de falar o que queremos e talvez seja sim através de voz, mas, por enquanto, a música se deu como instrumental para gente. Não é muito opcional não, foi acontecendo.
Leandro: Temos algumas coisas gravadas com outros artistas, como Fernando Cappi (Hurtmold) que é um projeto dele mesmo e nós fomos a banda de apoio.
Dimetrius: Gravamos também com a Gabriela do My Magic Glowing Lens, então nós temos projetos que usam voz . Ambos vão ser lançados nos próximos meses. Temos muitos B-sides, coisas gravadas nessa turnê do Sudeste que serão lançadas em breve. Vamos ver como as coisas se desenrolam e o formato ideal, mas, com certeza, queremos lançar isso no segundo semestre. Temos tudo isso sem compor nada novo, mas estamos doidos para voltar a compor, porque esse é o melhor momento da banda. Já nos conhecemos bem nos últimos anos, então sabemos com quem a gente pode contar ou não, quem é vacilão ou não (risos). E isso faz parte do processo como um todo. Eu me sinto mais seguro para compor entre todos por conta dessa confiança que vai sair algo bom. Tivemos boas experiências por aqui, tocando os quatro juntos e compondo, diferente de Natal em que cada um compõe em casa e separadamente.

MB: Esta é a primeira tour do Mahmed no Sudeste do país (a banda passou por algumas capitais e cidades da região). Como ela vem rolando até então? Qual a recepção do público nos shows? Conte um pouco do que vocês sentiram e ouviram até agora.
Dimetrius: Foi inacreditável.
Leandro: Talvez a gente fique até mal acostumado, falando brincando (sic), porque a gente só colou com gente massa, desde técnico de som, bandas, público e lugares. Fizemos também um contato mais próximo com a Balaclava Records, com quem a gente vem trabalhando principalmente pela Internet e agora tivemos a chance de nos conhecer de verdade e ver o nosso contrato de vários dígitos (risos).
Dimetrius: Foi legal ter tocado em diferentes lugares, desde baladas mais pesadas em São Paulo, até lugares mais calmos como um teatro no Rio e na rua no Razzmatazz (SP) no Dia da Música. Fazer dois shows no mesmo dia, fazer quatro shows seguidos em 48 horas. Conseguir fazer tanta coisa junto em um pequeno espaço de tempo nesses doze dias era algo muito distante para gente. Eu nunca imaginei que a gente conseguisse fazer isso e com certeza foi uma experiência incrível pra nós quatro como pessoas, músicos e banda. Isso tá ajudando a colar a banda, no sentido de composição e amizade. Sentimos que estamos inseridos em um mercado e uma cena dentro de um selo legal com uma resposta ainda mais incrível do público. Ficamos sem palavras.
Leandro: Tudo isso me faz querer voltar pra Natal e chegar chegando mesmo. Produzir coisas melhores, novas para poder voltar sabe? Se fosse mais ou menos, a gente voltaria meio desmotivado, mas foi tão legal que o sentimento vai ser esse de voltar pra casa e mandar ver.
Walter: Foi sensacional, uma experiência incrível. A banda vai voltar mais cascuda porque a convivência nessa turnê foi intensa e a gente não tinha isso de tocar todo dia, os ensaios em Natal eram às vezes uma vez por semana e aqui foram constantes, passamos muito tempo juntos. Vamos voltar motivados e com ainda muito material gravado, o que é ótimo.

MB: A identidade visual do grupo vem de um parceria de longa data com o artista plástico Flávio Grão, conhecido pelos seus trabalhos no Hardcore dos anos 1990 e 2000. Como surgiu essa parceria e qual é o processo para transformar a banda em imagens e desenhos?
Dimetrius: O Grão é essencial ao Mahmed, sempre foi. A figura dele dá muita identidade para a banda e eu venho de uma escola que sempre curtiu bandas que tinham uma boa relação com um certo ilustrador ou artista, como Descendents, Fugazi e Hot Water Music, essa relação de arte visual com a música bem conectada. Eu sou fã dele de outras épocas, por causa das capas que ele fez pra bandas brasileiras como Dead Fish (Faces do Terceiro Mundo) e foi aí que eu conheci ele. Eu e o Leandro tínhamos um fanzine, o Lado R, e nós entrevistamos o Grão. A partir daí que nós o conhecemos pessoalmente e fomos trocando ideia – o Facebook encurta as distâncias e, por causa de nossa proximidade com o underground, sempre conseguíamos nos comunicar muito bem. Digo que a figura dele é essencial para o Mahmed porque os nomes dos discos vem dos nomes das obras dele que escolhemos para ser a capa dos nossos trabalhos. E a arte dele cria todo um universo para a nossa música. Conseguimos falar pela arte dele a partir de nossos sons, o que é muito foda. Nessa turnê, nós estávamos hospedados na casa dele, então vimos os quadros que ele pintou, os pincéis que ele usa, os livros que o influenciam, e ficamos meio absorvidos na arte dele. Agora estamos muito íntimos, viramos amigos. Pra camisetas, pôsteres e outras, eu sempre penso nele, apesar de sempre termos gente interessada em criar arte pra gente.

MB: Do Rio Grande do Norte e principalmente de Natal, vem surgindo algumas bandas com sonoridades distintas e bastante interessantes (Far From Alaska, Mahmed, Igapó de Almas, Camarones Orquestra Guitarristica, Fukai e Kung Fu Johnny, por exemplo). Vocês consideram que existe realmente uma cena potiguar que movimenta essas bandas ou cada uma faz seu caminho sozinho?
Dimetrius: Claro, com certeza. Todo mundo que você falou é nosso amigo de outras épocas. O Walter toca no Igapó, por exemplo. Todos eles são de uma galera que está no Rock há dez, quinze anos e frequentam os bares do estilo, vão aos festivais que rolam sempre lá, como Dosol e o MADA (Música Alimento da Alma). Ambos os festivais são importantes para esses bandas também e tem o seu papel motivador para influenciar e incentivá-las a produzirem e gravarem para poderem participar deles no final do ano e tocarem na região. Agora, eu acho que as bandas estão começando a produzir e a tocar em outras praças. A gente conseguiu tocar em Recife, João Pessoa e estar no Sudeste é muito legal. Vemos que Far From Alaska consegue morar e tocar aqui, Camarones fazendo turnê na Europa e Catarro (banda Punk de Mossoró, interior do Rio Grande do Norte) fazer uma turnê na Europa com 18 datas é bem massa. Fico feliz que as bandas estão conseguindo sair da cidade e tocar pelo país.

MB: Como vocês enxergam a música no Brasil atualmente e qual é o papel da Internet nesse processo?
Leandro: Acho que é simples: se não houvesse a Internet vocês do Monkeybuzz, não teriam nos ouvido, nos resenhado e muitas pessoas não saberiam de nossa existência, como a própria Balaclava.
Dimetrius: Acho que as distâncias encurtaram e um país como Brasil, que é um país continental, consegue ter um circuito independente de música brasileira com festivais e selos independentes que rolam por causa dessas distâncias bem menores, apesar de sua extensão territorial.
Walter: Tem dois pontos, tanto a distância como a democratização do Rec (gravações). Agora, todo mundo consegue gravar e, se for algo bom, você consegue chegar a outros lugares facilmente. Com dois, três cliques, você pode chegar a novos ouvidos, mesmo sendo gravado de seu quarto, e isso pode reverberar tranquilamente.
Dimetrius: A gente consegue perceber também que a Internet faz com que mais pessoas consumam esse tipo de música (independente). É muito pelo número de likes e outras métricas da Web que grupos de médio porte conseguem chegar no Brasil. Obviamente, não chega nos números de um fenômeno sertanejo, por exemplo, mas é considerável. Os festivais tem gente frequentando e pessoas querendo fazer e participar disso. O país é muito gigante e é difícil unir todo mundo, mas no Brasil as coisas caminham muito bem, mesmo com crise e tudo mais. Hoje, as pessoas tem muito mais acesso a instrumentos melhores do que antigamente. Acho que é isso: acesso a boas gravações, formas de distribuir mais simples, festivais para tocar e até cachê, algo que era muito difícil, possibilitam que as bandas possam sobrevivar da música e fazer uma turnê que se pague ao menos. Existe uma cadeia produtiva muito mais desenvolvida atualmente e que funciona bem à sua maneira brasileira.

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ARTISTA: Mahmed
MARCADORES: Entrevista

Autor:

Economista musical, viciado em games, filmes, astrofísica e arte em geral.