Entrevista: Mahmundi

Artista comenta sua trajetória, como foi fazer um disco de amor e a cobrança em ir contra o fluxo do sistema

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Fotos: Hick Duarte/Divulgação

“Alegria, de repente, porque vou te ver amanhã”. Com essa frase, Marcela Vale abre as portas de Para Dias Ruins, segundo trabalho à frente do projeto Mahmundi, mas o primeiro acolhido por uma grande gravadora, a Universal Music. Sintetizadores e guitarras nos guiam entre os gêneros Pop, R&B até a Bossa Nova neste lançamento da carioca. “Este é um álbum para ter a música preferida, fragmentar e colocar em outras playlists. Ele por si só também uma playlist: têm ritmos diferentes e sons diferentes para você sentir em uma mixtape e depois poder desmembrar”, diz em entrevista ao Monkeybuzz.

Desde nova, a artista construiu uma relação muito forte com a música através da Igreja evangélica que os familiares frequentam. Lá, ela desfrutava dos instrumentos disponíveis a qualquer hora e, principalmente, ampliava o senso de trabalhar em conjunto. Com algumas pessoas que se reuniam para cantar e assistir às apresentações aos domingos, Marcela pôde olhar para outros instrumentos e entender a particularidade de cada um deles. “As comunidades têm uma prontidão para a música. Minha relação foi evoluindo e hoje, aos 31 anos, ainda estou só começando. É um longo caminho para se materializar dentro desta estrada.” Depois começou a trabalhar como técnica de som no Circo Voador, espaço cultural localizado no bairro da Lapa, enquanto dividia suas composições com os usuários do finado Myspace. Já em 2010, deixou o emprego para, de fato, seguir o sonho de trabalhar com suas próprias músicas.

De lá para cá, outro estímulo para desenvolver Para Dias Ruins foi os meses que viveu em São Paulo em busca de novas experiências e a volta para a ensolarada cidade do Rio de Janeiro, em 2017. Nesta época, ela estava em um processo pessoal de escrita e só precisava se encontrar com os amigos para produzir e finalizar a parte musical. “Esse retorno foi bom para entender mais sobre a cidade e as diferenças dos lugares. A espera junto com a construção do disco me fez evoluir em vários aspectos.” Aqui, Mahmundi fala de sua trajetória, como foi fazer um disco que fala sobre amor e a cobrança de ir contra o fluxo do sistema.

Monkeybuzz: Você transita bastante entre gêneros em Para Dias Ruins. Como foi criar esse conceito e conseguir manter firme a consistência sentimental?

Marcela Vale, Mahmundi: É um conceito que a gente está vivendo muito ultimamente. Lembro que em 2016, quando lancei meu primeiro disco, Mahmundi, já ficava pensando sobre isso. Naquela época era mais fácil ter um EP porque a galera estava muito no YouTube, aquela coisa de explorar mais os vídeos.. Nos dias de hoje, de fato, se você não está interessado em ouvir o álbum inteiro, tem a possibilidade de desmembrar ele e tal. Acredito muito no conceito do shuffle que está cada vez mais presente. A rádio já dava esse shuffle mesmo que não fosse escolhido por você, mas já tinha essa mesma gama. Hoje em dia é muito flexível e essa é diversidade eu queria que passeasse pelo disco.

Mb: Depois de fazer parte da Universal Music, você comentou em uma entrevista que é comum entrar na “noia” de achar que não merecem e não tem capacidade. Já vi outros artistas negros falarem também sobre uma cobrança maior em “não poder se vender”, como trabalhar com grandes gravadoras. O que você acha disso tudo? Já aconteceu algo parecido, no sentido de “crítica” por estar crescendo?

Mahmundi: Essa questão da pele, de fato, é um problema no Brasil. Depois que você anda com pessoas negras na periferia, isso não fica tão nítido. Claro, percebe, mas quando sai desse lugar que estava inserido, entende que o mundo é mais aberto. Então pra mim, como jovem periférica do Rio de Janeiro e no Brasil, quando você vai na contramão do sistema, em algum momento vê a necessidade em ter que dar um primeiro passo. A maioria dos jovens não tem estímulo sobre si mesmo e isso dificulta muito se vem de um lugar periférico. Quando vai pro mercado de trabalho, por exemplo… lembro que trabalhar pra mim era algo muito difícil, o lance de preparar um bom currículo… Depois entendi que tem um padrão de entrevista e tudo mais. Parece que as pessoas não estão interessadas na sua mensagem. Elas têm outras prioridades, as prioridades delas. Você fica nessa cobrança como pessoa, mas prefiro ampliar esses fatos. Hoje a gente está conversando aqui, estou na zona sul do Rio, um sol lindo, passei pela praia agora… Mas sei que é muito comum e natural o sentimento de achar que não merece aquilo porque você ralou muito e tem que ser assim. Isso tudo é muito característico de um brasileiro da periferia, estou te falando porque eu nasci e vivi em Marechal Hermes até os 26 anos. As pessoas estão lá batalhando e sempre se cobrando para se evoluir de fato. Sinto mais dificuldade de entender as pessoas e o porque que tem que ser dessa forma sempre, já que estamos em constante evolução e na luta pela igualdade. Por que a gente dificulta essa relação? Tudo vem do olhar das outras pessoas e para mim era muito difícil entender e aceitar isso.

Mb: Como foi fazer um disco sobre amor? Você sentiu um peso por não falar de empoderamento ou política?

Mahmundi: Acho que a gente tem que seguir no que acredita, é tudo sobre a nossa verdade. Eu sei que essa parada tá virando as vezes, na minha cabeça, um ponto em que parece muito lucrativo e especial demais. Cada um tem a sua verdade, sei que essa frase é meio clichê, mas é a verdade de cada um que faz a coisa se misturar. Eu uso o empoderamento na minha vida desde sempre, vivo ele antes. Só consigo me empoderar diante do mundo quando faço internamente. Você tá envelhecendo, crescendo, como você se empodera dentro de si e organiza suas emoções, e ai depois automaticamente está militando. Nesse momento quis falar de amor porque é o que eu busco. (…) Conflitos e problemas dão uma acalmada quando você lembra que tem alguém para começar ou terminar, resolver um romance e o disco fala muito sobre isso. Ele começa com Alegria que é sobre encontrar a pessoa que gosta e vai para Outono, que fala sobre o amor de dois mundos muitos diferentes. Ele caminha nessas esferas de vários histórias de amor. Nesse momento, prefiro dialogar com o meu processo criativo na contramão dessa atividade, sei lá, acho que não é pra mim. Vou sempre ficar tentando ser a pessoa que vai jogar “perfume” ali, tem muito mais a ver com a minha essência. Mas, claro, tem gente que faz isso muito bem, tipo o Bono Vox, ele é um cara muito foda. Não ouço U2 mas ele é um cara muito 360, foi entendendo a forma de dialogar e é muito importante quando se tem voz. Gosto de falar de amor porque também acho que é um caminho, não é clichê e nunca vai ser. Se você entender qual é o real lance dessa palavra, você vai ter uma vida inteira para aprender.

Mb: Definição de Para Dias Ruins seria então recorrer para o amor?

Mahmundi: O que eu quis dizer com para dias ruins é que, independente do caô que tá rolando, é o amor que te protege. O mundo pode estar caótico e você tem um amor ali, um sentimento de paz. As coisas ficam mais brandas quando se encontra a paz interior. Tem uma música chamada Felicidade no disco que fala “da boca pra fora não vale e não volta”, essas coisas são muito sutís mas acho importante escrever sobre isso. O amor não é um antídoto de momentos complicados, é mais sobre resgatar coisas que te fazem superar esses dias. Como você reage, se organiza e decide que é um dia e que amanhã vai ter outro para viver. Esses dias vão acontecer sempre, só depende de como a gente se posiciona para encarar eles.

Mb: O que você, Marcela Vale, costuma ouvir em dias ruins?

Mahmundi: Às vezes nem consigo ouvir música, mas recorro mais ao instrumental. Tem um disco da Björk que eu ouço muito que chama Volta, tem uns timbres bons. Ouvir música instrumental é o único momento que eu não quero ter uma melodia específica, só fico focada em absorver uma percepção mais imagética. Gosto de narrar as coisas a partir de imagem, os meus discos são muito assim. Imagino coisas, faço as músicas e depois escrevo. Gosto de ouvir músicas que me dão paisagens, música sempre foi acalento e real.

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ARTISTA: Mahmundi
MARCADORES: Entrevista