Entrevista: Minha Pequena Soundsystem

Líder do projeto e uma das figuras mais importantes da cena carioca dos anos 90 conversou um pouco sobre a banda e suas influências

Loading

Marco Homobono é figura lendária na cena musical carioca dos anos 90. Esteve no comando dos Kamundjandos, depois Los Djangos, sempre levando sua receita de misturebas entre Rock, Reggae, Punk, Ska e tudo mais que se fez na conexão África-Inglaterra-Jamaica-Brasil em termos de música pop. Há pouco mais de um ano, ele ressurgiu com um novo projeto, participando do Jeito Felindie, um tributo ao Raça Negra, com vários cantores, cantoras e grupos da novíssima geração do Pop nacional. Marco vinha oculto sob o nome Minha Pequena Soundsystem e mostrava fôlego para mais. Conversamos com ele para saber como andam as gravações do EP de estreia de seu novíssimo projeto.

MB: Minha Pequena Soundsystem È um nome sensacional para uma banda. Como ele surgiu?

Marco Homobono: Em princípio, era o nome de uma música que contava a história sobre um cara que comprava um disco de Reggae e estourava os auto-falantes do sonzinho dele de tantos graves que ele colocava. Uma bobagem. Depois eu vi que esse nome era bom para batizar um possível disco para logo ver que ele era bom para ser o nome do projeto todo. Acaba que È um nome que pode ser interpretado de várias maneiras. Desde essa a coisa das soundsystems da música jamaicana, que me influencia muito, até o fato de essa banda ser uma espécie de radiola sentimental, que só toca as músicas que eu gosto e quero ouvir.

MB: Conta pra nós quem é Marco Homobono?

Marco Homobono: Marco Homobono, 40 anos, filho da Francisca e do Emiliano, ambos nordestinos, nascido no Rio de Janeiro, um cara desengonçado, atrapalhado, preguiçoso, tenso, ansioso, com dificuldades de concentração, desconfiado, do signo de Áries, nascido no milênio passado, que torce para o Fluminense, mas não é doente, f do extinto futebol arte (mas não joga porra nenhuma), suco de melancia, de Reggae, de linhas de baixo, que na maior parte do tempo está pensando em invenções musicais, que você também pode chamar de composições.

MB: Dos tempos de Los Djangos até hoje, o que você pode apontar como mudança em seu trabalho como músico?

Marco Homobono: Quando eu era adolescente, era muito tímido, letárgico e introspectivo. Quando descobri a música e comecei a compor minhas próprias canções, acabou que o estilo da banda que eu tinha, no caso os Kamundjangos, era uma mistura frenética de Punk, Reggae e Ska. Achava que aquilo tudo era um antídoto para esse meu estado de espírito, para tentar dar um up na minha vida. Acontece que com o tempo, eu desenvolvi uma imensa ansiedade, e hoje, acho que minha música, de novo, vem me socorrer, pois eu busco algo mais suave e dançante, com uma respiração mais tranquila, talvez para me acalmar, mas com uma pegada instigante. Eu tenho uma imensa admiração pela simplicidade do Punk Rock, e acho que de alguma forma isso sempre vai estar presente no meu trabalho.

MB: Como aconteceu o convite para você figurar no Jeito Felindie? A escolha da música foi sua?

Marco Homobono: Eu praticamente me convidei para entrar no Jeito Felindie. Fiquei sabendo do projeto e mandei uma mensagem para o Jorge Wagner, jornalista que estava por trás dessa empreitada. Contei que eu já tinha uma versão para Te Quero Comigo e que ela estava programada para entrar no que seria o meu primeiro disco. Felizmente, ele aceitou de pronto. Para mim, foi muito bom, pois o Jeito Felindie bombou na rede e acabou sendo uma estreia muito bacana para o meu projeto.

MB: “Smartphone”, primeiro single do MPSS dá continuidade a uma tradição no seu trabalho que é de cutucar alguns tiques da sociedade. Conta pra nós como isso surgiu lá nos Djangos e veio até hoje.

Marco Homobono: Eu comecei a compor na década de 80, numa época em que as músicas tinham letras e essas letras tinham um viés político-social, pelo menos as que eu escutava, o rock brasileiro dos anos 80, com muita influência do Punk. Isso acabou ficando gravado muito forte na minha matriz. Quando comecei a compor isso ficou nas letras, com o intuito de fazer uma polaróide do que eu via e do que me indignava. Por isso que eu acho válido, como já diziam Dylan e Renato Russo, que isso não é música de protesto mas sim música de observação. Me identifico muito com isso, até porque não sou dono da verdade, e ser panfletário é chato pra cacete.

MB: Em que pé estão as gravações do EP?

Gravei as bases e a maioria das vozes em casa mesmo, usando um computador, um microfone, uma placa de som off board e um teclado midi. Peguei tudo e levei para o Mafuá Studio, do casal Daniela Pastore e Jomar Schrank, para fazer gravações adicionais e mixar. Como Jomar é um músico e compositor muito talentoso, aproveitei essa força da natureza para gravar vários tracks de guitarra, teclados e algumas vozes, até para ter o toque de alguém de fora, já que meu ouvido poderia estar viciado nessa coisa do dono da obra. Tive a participação, além do Jomar, de vários amigos, como o Patrick Laplan, a cantora gaúcha Andrea Cavaleiro, Julio Dain e Flávio Corrêa, de Niterói, que tocava trombone com os Djangos. Estou no meio desse processo. e para fazer um trabalho mais caprichado e melhor elaborado, vou lançar um crowdfunding para mixar, masterizar e produzir um belo trabalho gráfico. Essa campanha vai ser lançada nas próximas semanas.

MB: Sabemos que viver de música não é possível para a maioria dos artistas nacionais em atividade. Como você faz?

Marco Homobono: Eu sou funcionário público e gasto a maior parte do meu dia no expediente do meu trabalho. Tenho que fazer as coisas relacionadas à música no tempo que sobra após a saída e nos fins de semana. Isso já acontecia com os Djangos e acontece agora com a Minha Pequena Soundsystem. Lembro que mixei Te Quero Comigo e Smartphone de madrugada, no Mafuá com a Dani e o Jomar, no meio da semana, tendo que pegar um ônibus para voltar para casa, dormir poucas horas e acordar dali a pouco para trabalhar novamente. Não apenas comigo, isso acontece com uma porrada de músicos aqui no Brasil, a maioria esmagadora. No meu caso, é claro que quero mudar isso. Sonho com a possibilidade de mixar minhas músicas numa segunda-feira, às 10h da manhã, o que significaria que meu verdadeiro emprego seriam minhas músicas e meus shows, que me dariam um retorno financeiro o suficiente para eu não ter que fazer outra coisa na vida. Alguns vão me chamar de vagabundo preguiçoso, de sem noção, alienado, etc… É muito difícil mas não é impossível.

MB: Quais as suas influências no MPSS?

Marco Homobono: De um modo geral, gosto das bandas que fazem misturas e têm um repertório bem diverso. É o caso do The Clash, do Mano Negra, dos Paralamas do Sucesso. Acaba que tudo que eu escutei e escuto até hoje me influencia e pode acabar fornecendo algum elemento para mais uma música da Minha Pequena Soundsystem. Quando comecei a gravar coisas no meu computador, havia quatro discos que me marcaram muito e que acabaram me inspirando nessa nova empreitada. O primeiro era o Clandestino, o primeiro disco solo do Manu Chao. Ele me passava a ideia de que tinha sido gravado num lugar pequeno, tipo o meu quarto, mas que tinha um viés global que o tornava grandioso ao mesmo tempo. O segunda era o “Samba Raro”, do Max de Castro. Fiquei impressionado com as programações que ele trazia em suas músicas e imaginava tudo aquilo a serviço do Punk Rock ou do Reggae. Houve também o Since I Left You”, dos australianos The Avalanches, que faziam umas colagens alucinadas e soavam de várias maneiras para mim: desde música romântica italiana (ou francesa), passando por batidas de house, coisas de Hip Hop, discoteca, trilha sonora e várias coisas dançantes. Por último, When I Was Born For The 7th Time*, do Cornershop, que além de ter aqueles típicos sons indianos misturados com Rock de guitarras, tinha várias faixas entrelaçadas de um jeito louco em meio a vinhetas que misturavam scratches com mantras e outras viagens.

MB: Se você pudesse escolher uma formação musical dos sonhos pra te acompanhar no MPSS, quem você escolheria?. Vale qualquer país, qualquer época.

Marco Homobono: Já que me foi dado esse poder: João Barone (Paralamas do Sucesso) na bateria, Mani (Primal Scream) no baixo, José Roberto Bertrami (Azymuth) nos teclados, Joey Santiago (Pixies) e Marcelo Frommer (Titãs) nas guitarras.

MB: O que você acha da música feita no Brasil hoje em dia?

Marco Homobono: Acompanho os lançamentos nacionais e confesso que gosto e me entusiasmo com muita coisa. Quando está para sair algum disco do Curumim, Cidadão Instigado, Cascadura, Lucas Santtana, Nação Zumbi, os pernambucanos… fico sempre curioso. De vez em quando esbarro em coisas mais novas que me agradam muito, como foi o disco do Ruspo (Esses Patifes) e uma dupla da Paraíba que se chama Glue Trip. Tem muita gente talentosa compondo e produzindo seus discos. O problema está na divulgação dessa produção pois a gente tem que ser muito interessado para correr atrás disso tudo, já que não temos uma rádio, por exemplo, que nos apresente esses sons e deixe todo mundo a par dessa nova música. Pelo menos aqui no Rio.

MB: Quais os cinco discos na área do Samba Rock (praia da MPSS) que você aponta como fundamentais?

Marco Homobono: O Samba-Rock é mais um dos elementos que pode me abastecer de ideias. Eu não sou tão conhecedor do gênero e, para falar a verdade, acho que de nenhum outro. Gosto de muita coisa mas não me aprofundo em nada. Vou escutando coisas aqui e ali e vou construindo o meu cancioneiro. Posso te falar as coisas que eu escutei e me chamaram muita a atenção para o que tinha a ver ou que era propriamente Samba-Rock. Para começar, lembro que na minha infância, meu pai escutava um disco que se chamava “O Melhor de Ed Lincoln”. Aquela batucada no teclado Hammond me marcou bastante e é um tipo de som que eu persigo com a Minha Pequena Soundsystem. Posteriormente, quando soube que o crooner do Ed era o Orlandivo comprei o relançamento do auto-intitulado CD que ele havia lançado lá em 77. Desse disco eu até peguei um trecho de Tamanco no Samba e sampleei para fazer uma música chamada Subúrbio Supastar, que acabei não terminando. Fui conhecer o trabalho de Jorge Ben tardiamente, quando eu escutei A Tábua de Esmeraldas e me apaixonei por aquelas levadas de violão de corda de nylon como em O Namorado da Viúva e Menina Mulher da Pele Preta. Como eu morava e moro perto da Cidade de Deus, sempre escuto Bebeto tocando nas jukebox das biroscas à noite (assim como Benito di Paula e Alcione, hits das vitrolas de lá). E fui conhecer os clássicos dele naquela coletânea “Raízes do Samba” que tem, praticamente, todos os hits de sua carreira. E, por último, andando pela Praça Tiradentes, aqui no centro do Rio, há uns cinco anos mais ou menos, escuto um som saindo de uma loja de discos. Entro na loja e pergunto o que é aquilo, no que o vendedor me mostra a capa de O Som do Copa 7. Comprei na hora. O disco é sensacional e lembrei que via sempre – sem saber do que se tratava – os nomes Copa 7 e Devaneios, em diversas faixas anunciando shows dessas big bands pelo subúrbio carioca, onde eu nasci e cresci.

Loading

Autor:

Carioca, rubro-negro, jornalista e historiador. Acha que o mundo acabou no meio da década de 1990 e ninguém notou. Escreve sobre música e cultura pop em geral. É fã de música de verdade, feita por gente de verdade e acredita que as porradas da vida são essenciais para a arte.