Entrevista: Nana

Prestes a lançar seu novo disco, a cantora nos contou um pouco sobre música clássica e esse recente projeto

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O primeiro disco de Ananda Lima, mais conhecida como Nana, é candidato sério a um posto nas listas de melhores trabalhos nacionais de 2013. Com dois anos de carreira e muita personalidade em sua música, Nana é acessível, simpática e colorida, como se fosse um desenho animado que criou vida. Claro, faz parte do approach de sua música, que evoca alegria agridoce ou claros e escuros, dependendo de como você a ouça. Mais que qualquer coisa, Nana/Ananda é uma jovem mulher de 22 anos, cantando com personalidade as canções que compõe. Conversamos com ela pra saber um pouco de seus dois anos de carreira, suas peripécias nos caminhos da composição clássica, a música pop que faz e sua passagem pela Rússia.

Como você se apresentaria para alguém que nunca ouviu suas músicas?

Bom, eu sou nana, sou cantora e compositora e eu faço umas músicas que vão te deixar em dúvida se são tristes ou alegres, femininas ou fofas, infantis ou surrealistas. Pelo menos é isso que as pessoas dizem. Mas sinceramente não faz sentido falar nada disso, porque a música – de modo geral – transcende a sua descrição (ou seja, só dá pra conhecer mesmo uma música ouvindo-a, e acho que é isso que eu aconselharia a pessoa a fazer, afinal). É isso: ouçam, mesmo sem saber o que é.

Seu disco, Pequenas Margaridas, vai nesse conceito atual de cantoras jovens que produzem, tocam e fazem tudo sozinhas. Isso é uma tendência ou trabalhar sozinha é mais vantajoso?

Não sei se é uma tendência, pelo menos não nacionalmente. pelo contrário, sinto que as pessoas ainda estranham muito essa coisa de não ter banda. A minha escolha de trabalhar sozinha passa mais pela questão da minha personalidade do que de qualquer outra coisa. Eu tenho horários loucos e faço tudo no meu tempo – lento. Já estressei muito músico, sabe? haha Óbvio que são muitas vantagens: é mais fácil pra viajar, pra ensaiar, pra tomar decisões, e eu aproveito essa “independência” musical para me cercar não de músicos, mas de outros profissionais que também fazem parte dessa mágica, como diretores de arte, por exemplo. Até o ano passado eu tinha um guitarrista que tocava comigo, mas ele foi cuidar de outros projetos e, pra mim, foi um caminho natural optar por tocar sozinha dali em diante. Hoje em dia eu prefiro chamar outros músicos para fazer participações em meus shows e gravações e poder ter sempre formações diferentes ao invés de uma banda fixa.

Em tempos de internet, você acredita que haja um antagonismo, em termos de música, entre “liberdade de busca de informações x falta de orientação”? Acha que falta alguma instância que oriente artistas e público em geral?

As vezes sinto que a internet está cheia de artistas novos e parece impossível conhecer tudo de legal que aparece. Por sorte existem sites/blogs dispostos a procurar e “divulgar” um pouco do trabalho desses artistas para o público. Afinal, a internet hoje é basicamente o único espaço que um artista independente tem para se mostrar, e esse espaço pode ser bem democrático ou bem cruel, depende de vários fatores. Não sei se faltam instâncias. Existem milhões de rádios onlines, milhões de sites sobre todo tipo de música, youtube, e depende um pouco de cada pessoa buscar pela informação e pela música que gosta mais.

Você estuda regência e composição na UFBA. Quais seus compositores eruditos prediletos?

Schoenberg, Ligeti, Messiaen, Varèse, Widmer, Webern, Boulez, Czernowin, Debussy, Ravel, Satie, Chopin… Difícil escolher. Provavelmente deixei de citar vários preferidos.

Desde quando você percebeu que cantar era o que você mais queria fazer?

Eu diria que não apenas cantar, mas compor, que é o que realmente me move. Quando era criança, eu imaginava uma realidade paralela onde eu seria cientista, escritora, cantora… Enfim, uma polímata. Quando me dei conta de que eventualmente seria preciso escolher algo, optei pelo jornalismo. Eu estudava piano, mas não me considerava boa o suficiente para ser de fato uma pianista. Era uma coisa informal, digamos. Estudando jornalismo, tive a oportunidade de ir passar um tempo na Rússia e trabalhar numa revista. Foi lá que eu fiz minhas primeiras gravações e comecei a querer levar isso mais a sério. Eu já havia tido banda e já compunha bastante na época, fazia arranjos, mas era algo informal. No fundo, eu sonhava em assumir esse meu lado musical, mas nunca tinha tido certeza se era essa minha verdadeira vocação. Quando voltei da Rússia, estava decidida a mudar de curso, só faltava mesmo verbalizar isso, e, a partir do momento que eu contei essa minha vontade pra alguém, não soou mais absurdo, parecia a coisa certa a se fazer.

Como sua carreira começou? Conta um pouco da sua trajetória.

Acho que minha carreira começou quando gravei o clipe de expressionismo alemão, no final de 2010. Antes disso, eu era apenas uma menina que gravava algumas músicas em casa com a ajuda do namorado e que mostrava para os amigos. Mas, a partir de expressionismo, fui formando uma equipe ao meu redor, de pessoas de diversas áreas, interessadas em participar, de produzir algo em conjunto. Foi um momento muito feliz. Mas é isso, acho que estou começando minha trajetória de verdade agora, com o lançamento de ‘pequenas margaridas’.

Ouvindo o Pequenas Margaridas, notamos várias influências musicais, que podem comportar Basia, Wonkavision, Melody’s Echo Chamber, Mutantes e mesmo aspectos visuais como alguma coisa que poderia estar presente na trilha de Amélie Poulain ou Brilho Eterno de Uma Mente Sem Lembranças. Quais são seus modelos de inspiração?

Desses que você citou, só Mutantes eu poderia listar como influência. Melody’s Echo Chamber eu acabei de conhecer e gostei bastante. Passei a vida inteira ouvindo Disco Music e Motown – música dos anos 70, basicamente -, que era o que meu pai escutava. Um dia me apaixonei por bossa-nova e por Serge Gainsbourg (que é meu ídolo e que também cresci ouvindo sem saber que era ele), e isso de certa forma moldou minha concepção de boa música, junto com Sonic Youth, My Bloody Valentine e Radio Dept., que são os frutos bons da adolescência. Mas minhas inspirações visuais são igualmente importantes. Adoro a estética do cinema tcheco da década de 60 e sou fã de Godard, da fotógrafa Mariam Sitchinava e de Art Naïve.

O que você acha do adjetivo “fofo” para definir sua música?

Acho engraçado, até. Eu considero minhas músicas super tristes hahaha Mas entendo como a forma que as pessoas acharam de classificar, e acho que não me importo tanto.

Você nasceu na Bahia e mora em Salvador. Há espaço para uma música como a sua na cidade? Existe uma cena ou algo parecido?

Há várias bandas muito boas aqui na Bahia, mas poucas casas de show que tem algum público firme e disposto a ouvir coisas novas. Rola uma troca legal entre os músicos, mas não há uma cena unida. É muito natural que algumas bandas saiam daqui pra ter mais visibilidade, como é o caso da Maglore. Guardadas as devidas proporções, acho que as bandas que mais se aproximam com meu som seriam a Dois em Um (na qual também toco) e Dimazz.

Até agora, minha canção preferida no disco é “Expressionismo Alemão”. Conta um pouco como ela nasceu.

Essa foi uma das primeiras músicas que compus ao piano. Antes disso, vivia com um violão, que, embora não fosse meu instrumento principal, era o único instrumento que eu tinha. Depois que comprei um piano, o método de composição mudou bastante, e expressionismo é um pouco fruto dessa experimentação. Tanto que ela é super simples, somente dois acordes. É praticamente uma proto-composição haha. Quando eu estava morando na Rússia, um amigo me levou numa loja de pianos e pediu pra eu tocar alguma coisa. Eu estava há muito tempo sem tocar nada, e a única música que eu tinha certeza de que me lembrava era ela, exatamente por ser fácil. Acabou que os russos adoraram, e, numa dessas oportunidades da vida, gravei a música lá. Foi a primeira versão dela, e aí nos baseamos nela, que era bem bossa-nova (contribuição do baterista russo, que era louco por música brasileira), para fazer o arranjo do EP (e do disco).

Como você analisa a questão da originalidade na música pop? É possível ser original? Isso é importante? Você se considera uma artista original?

Acho que a originalidade existe e passa por vários pontos, mas não é a coisa mais importante. Acho ser autêntico e imprevisível tão legal quanto ser original. Isso foi uma coisa que aprendi na faculdade de composição, inclusive: não ter essa preocupação de criar algo completamente novo, e sim aprender ao máximo com o que já foi feito e pensar em outros aspectos que podem tornar sua música interessante, como administrar a expectativa (na música) e desenvolver um estilo próprio. Acho que isso é algo com que os artistas atuais se preocupam mais do que com a originalidade, e funciona. Eu, pelo menos, não me preocupo com a originalidade mais do que me preocupo a impressão de minha identidade. Acho que, independente disso, o resultado artístico/expressivo é o mais importante.

Como vai ser a divulgação do Pequenas Margaridas? Já tem algo em mente?

Acho que a divulgação já está acontecendo, e tem sido muito boa! Tenho sorte de ter uma equipe de assessoria muito dedicada. Estamos nos planejando agora para fazer um turnê de lançamento e lançar o videoclipe de ‘montanha-russa’ em breve.

Qual a dica que você dá para as potenciais Nanas que estão lendo essa entrevista e que desejam se arriscar na música?

Não me sinto na posição de dar dicas pra ninguém (eu mesma ainda estou aceitando dicas), mas acho que uma coisa que aprendi foi a não esperar que coisas boas caiam do céu. Observe bastante, pergunte bastante e experimente bastante.

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ARTISTA: Nana

Autor:

Carioca, rubro-negro, jornalista e historiador. Acha que o mundo acabou no meio da década de 1990 e ninguém notou. Escreve sobre música e cultura pop em geral. É fã de música de verdade, feita por gente de verdade e acredita que as porradas da vida são essenciais para a arte.