Entrevista: San Fermin

Ellis Ludwig-Leone nos conta sobre a criação e colaboração no álbum que leva o nome da banda

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Alguns colecionam discos, outros cartazes de shows. Devo confessar que meu hobby tem sido colecionar reações surpresas de amigos para quem mostro música boa. Com San Fermin, não foi diferente. É difícil não se deixar espantar com a qualidade tão consistente dos trabalhos regidos por Ellis Ludwig-Leone, um desses prodígios da música que conseguem misturar o que é popular e o que vemos de erudito em um caldeirão poético que, ainda por cima, consegue divertir bastante.

Após tanto ouvir o álbum de estreia do projeto, também chamado de San Fermin, consegui trocar umas mensagens com Ellis e combinamos uma entrevista por email mesmo, por conta de compromissos de turnê e fusos horários que impediam uma conversa decente entre nós. Muito eloquente em suas respostas, ele contou ao Monkeybuzz sobre a dinâmica da banda e a criação do disco.

Em tempo: San Fermin teve um trailer cheio de instrumentos roubado durante a turnê, um prejuízo que totaliza 20 mil dólares. Se você quiser ajudar, o grupo aceita doações por PayPal. E caso ainda não conheça o álbum, ouça (ou escute novamente, sempre vale a pena) a incrível Sonsick para contemplar o potencial da banda enquanto lê o papo com o músico.

San Fermin – Sonsick

Monkeybuzz: Quando somos apresentados ao trabalho da San Fermin, às vezes parece se tratar de uma banda enorme, outras vezes de um trio ou mesmo de um trabalho solo com colaborações. Como funciona a dinâmica do grupo? Quantas pessoas estão envolvidas criativamente?

Ellis Ludwig-Leone, da San Fermin: Eu escrevo todas as músicas sozinho, tanto as letras quanto os arranjos. Então, no disco, eles estão tocando aquilo que eu dei pra eles, mas nos shows tem uma boa dose de colaboração, já que ao vivo tem uma estrutura mais livre, menos estruturada. Muito do meu histórico é em volta da música Clássica, na qual é a norma para os compositores que escrevam todas as partes, então pra mim foi natural fazer as coisas assim.

Mb: Nós vemos cada vez mais bandas, especialmente aqui no Brasil, que tem essa pegada colaborativa entre seus membros, mesmo quando grande parte do trabalho está em volta de um ou poucos músicos. Na sua experiência, quais são as vantagens e desvantagens de se trabalhar assim?

Ellis: Gosto de poder escrever a música inteira antes da banda se envolver porque isso permite uma visão única e direta. Então, cada música tem uma sensação muito coesa, mesmo se o disco tem muitos estilos de música diferentes nele. Acho que seria difícil conseguir esse tipo de coesão entre linhas estilísticas se eu não pudesse controlar completamente os estágios iniciais [da produção]. Mas aí é muito bom quando os membros da banda se envolvem, porque as coisas inevitavelmente mudarão de um jeito bem legal.

Mb: San Fermin não é a banda mais usual que existe, daí sua música não ser também das mais comuns. Vocês já foram chamados de alguma definição inesperada em resenhas, ou ainda de alguma coisa engraçada ou mesmo estranha?

Ellis: A coisa mais engraçada que já nos chamaram foi de “Brassfangled Folk Pop” (algo que poderia ser traduzido como “Sopros Moderninhos Folk Pop”). Eu não tenho certeza o que isso quer dizer, mas eu gosto da ideia de ter “sopros moderninhos”. Acho que é isso aí.

Mb: Parece que o consumidor de música hoje está cada vez mais aberto aos sons que desafiam a categorização comum. Você acha que isso está acontecendo porque há uma oferta maior de bandas ou por termos mais músicos habilidosos do que nunca?

Ellis: Acho que tem a ver com a forma que a música é distribuída hoje em dia. É muito fácil achar com a Internet achar qualquer tipo de músico com poucos cliques, enquanto antes as pessoas costumavam ouvir música nova apenas pelo rádio mainstream. Há menos pressão para fazer coisas que são radiofriendly. E ajuda que há menos expectativa que as bandas vão fazer seus selos enriquecerem vendendo discos, então podemos ser mais experimentais e não nos preocuparmos tanto com vendas.

Mb: Ter um diploma em Música pela universidade de Yale é um fato que parece ser repetido sempre que alguém quer apresentar seu trabalho e a banda. Quanto do que ouvimos em San Fermin é uma consequência direta da sua formação? Ou como o álbum seria se não fosse por isso?

Ellis: (Risos) Cansa mesmo ouvir isso toda vez. Enquando isso de Yale é um assunto fácil, eu diria que o mais relevante é que eu passei grande parte de quatro ou cinco anos pensando em aprender como escrever para estes instrumentos. Quando eu faço os arranjos de uma música, eu tento pensar nos instrumentos como vozes, do mesmo jeito que os cantores são vozes. Percebo que você consegue mais sutileza e interesse se os instrumentos tem o seu lugar específico para com a letra, sublinhando ou suavizando o que os cantores estão dizendo. Então, eu acho que meu tempo gasto lá foi necessário para escrever esse disco, com certeza.

Mb: Quando você está em turnê pelos Estados Unidos, você visita cidades que são verdadeiros pólos culturais espalhados pelo país, como Nova York, Chicago e Portland. Você sente que, agora que todos estão conectados a uma só Rede, a produção musical ficou mais homogênea ou que as características individuais de cada lugar ainda existem?

Ellis: É difícil dizer! Quando estamos em turnê, temos quase nenhum tempo de explorar os lugares onde vamos, então muito do que vemos acaba sendo o primeiro lugar de fast food que encontramos no caminho e a casa onde tocamos, o que é uma pena. Musicalmente, acho que está tudo misturado. Eu não acho que que eu saberia te dizer de onde vem metade das minhas bandas favoritas. Estamos em uma época em que influências podem vir de qualquer lugar, e de qualquer era, e isso não importa. Fico feliz com isso!

Mb: Hemingway é uma inspiração evidente para o álbum. O que mais te inspira a fazer música?

Ellis: Eu gosto de poder me comunicar com as pessoas em um nível significativo. E um jeito de experimentar as sensações da vida em um jeito especialmente intenso.

Mb: Ouvimos as notícias sobre o trailer ter sido roubado. As pessoas estão engajadas nas doações? Além do óbvio (não ter os instrumentos), que impacto essa situação teve na banda?

Ellis: Sim, tivemos algumas doações, embora ainda não seja o suficiente. Foi um infortúnio, porque nossa banda é muito grande, então nossos gastos já são sempre muito grandes, daí perder 20 mil dólares em equipamentos adia coisas que poderíamos fazer por algum tempo, já que todo o dinheiro que ganhamos é usado para repor os instrumentos. Mas tem sido maravilhoso ver a chuva de apoio que veio daí. Foi uma boa recordação de que as pessoas se importam com o que fazemos. Esse é provavelmente o aspecto mais positivo do que foi uma situação muito difícil.

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ARTISTA: San Fermin
MARCADORES: Entrevista

Autor:

Comunicador, arteiro, crítico e cafeínado.