Entrevista: Trupe Chá de Boldo

Marcos Ferraz e Pedro Gongom, sax e bateria na banda, comentam sua história e o álbum “Presente”

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São três álbuns, quase dez anos de atividades e treze músicos trabalhando juntos. Trupe Chá de Boldo é uma banda que conquista cada vez mais seu espaço dentro e fora do cenário paulitano ao criar com liberdade sons que se inspiram em estéticas contemporâneas de referências múltiplas – como seu recém-lançado Presente mostra.

Para entendermos melhor o processo de criação de um grupo tão múltiplo, o baterista Pedro Gongom e o saxofonista Marcos Grinspum Ferraz fizeram uma visita à redação Monkeybuzz e contaram sobre sua história, o trabalho com Tom Zé e sua dinâmica de trabalho.

Monkeybuzz: Quando vocês pensam na primeira vez em que entraram em estúdio e agora, ao fazer Presente, como enxergam o crescimento da banda?
Pedro Gongom: Pra começar, a gente deu uma envelhecida (risos). A banda já existia desde antes do Bárbaro (seu primeiro álbum, de 2010). A gente uma vez gravou um EPzinho em S. José do Rio Preto (SP), quando mal sabia gravar, mal sabia o processo. Bárbaro veio quando a gente decidiu que precisava ter material, esse EPzinho não servia.
Marcos Grinspum Ferraz: É, ele era bem tosquinho, tinha até uma música do Caetano, algo que você nem pode lançar. Mas ele não era comercial nem nada. E aí o Bárbaro é o primeiro, tanto que a gente conta o EP como o “disco zero” – a gente fala que a gente tem três discos, mas tem o zero ali atrás. A banda já tinha uns quatro anos quando a gente lançou o disco, então ele tem lados bem diferentes. Tem coisa lá do comecinho e outras de um mês antes de entrar em estúdio. Ele é meio que um apanhadão do que a gente tinha até ali.
Pedro: A gente era mais molecão, tinha um frescor de tocar mais desorganizado que era legal, era uma coisa bem da época.
Marcos: É, e no Nave Manha (2012), as músicas surgiram num tempo menor, foi a primeira vez que a gente pensou “que que a gente quer comunicar aqui?”. Aí a gente chamou o Gustavo Ruiz, que a gente tinha conhecido pela Tulipa, pra produzir. Tem gente que não gosta de usar essa palavra, mas acho um disco mais “maduro”.
Pedro: Do Bárbaro pro Nave Manha, a gente conheceu uma galera e deu pra trocar várias coisas e pensar em coisas novas. Do Nave Manha pro Presente, deu pra gente viajar bastante.

Mb: No que o tamanho da banda implica na dinâmica de trabalho?
Marcos: O Galo compõe muito, então a maioria das faixas, principalmente nos outros discos, são dele, e sempre chegou com as músicas super desapegado. Ele nunca fala qual o caminho, ou como a base deve ser, é um desapego total. Até por isso que a gente é uma banda, é essa a graça. A partir do momento que chega uma composição, é todo mundo dando pitaco, propondo caminhos, o que às vezes flui e vai super rápido, às vezes dá briga pra caramba, mas é um processo muito coletivo de fato – o que é uma loucura, é um processo que a gente nem sabe explicar direito, mas uma hora sai. Não tem um maestro, entendeu? Não tem alguém que fale “é por ali”. É um trabalho de desapego, mas também de saber bater o pé quando acredita em alguma ideia. Ao mesmo tempo, acho que a gente tem uma sintonia pra gostar do que os outros trazem.

Mb: E dentro disso, vocês pensam em vocês como “coletivo” pelas semelhanças que unem vocês ou no sentido de como as diferenças se completam?
Pedro: Os dois caminhos acontecem. A gente funciona porque, no fim das contas, a gente é amigo. Era mais uma banda de amigos do que uma banda de músicos. Um monte de gente da banda foi se aprofundar mais nos instrumentos depois que começou a tocar na Trupe. Começou com três pessoas e foram entrando os amigos, a dinâmica era meio essa, fazer algo com pessoas que você gostava. Voltando no assunto de se organizar, dificilmente a gente chega no lugar aonde quer chegar. Eu penso na bateria “essa música podia ter essa cara”, aí, depois que passa pela máquina maluca de muita gente dando um monte de ideia, quando tá pronto tá muito longe de como você pensou no começo. A graça é um pouco essa.
Marcos: É verdade, a música nunca resulta naquilo que você imaginou, sempre é uma novidade. Tem também um monte de erro no meio, às vezes por não saber como resolver alguma coisa, tocar de um jeito diferente e perceber que assim fica melhor. Também tem uma coisa aí que é da gente não querer ficar preso dentro de algum formato, de algum gênero, uma coisa de liberdade criativa muito grande, sem preconceitos. A gente sabe que tudo pode surgir misturado.
Pedro: É, a gente não tá nem um pouco preocupado em “preservar” nada. Não é desrespeito, é que a gente não parte do pressuposto de resgatar nada, nem de continuar um ritmo puro.
Marcos: Nem acha que vai ser a vanguarda, que vai recriar nada. Voltando à questão do preconceito, a gente tem a cabeça muito aberta. Pode vir influência de Axé, de Pop, de Eletrônico, de Carimbó, de Rock. Ninguém taxa, “esse estilo aqui, nada a ver”. O que trouxer, pode ou não rolar, tá aberto. Também não tem uma coisa nacionalista, “somos uma banda de música brasileira”, vem influência do que a gente achar legal.

Mb: Já aconteceu de vocês tentarem um desafio diferente, de decidir criar um gênero específico?
(Os dois riem)
Marcos: Já, a gente falou “dessa vez, vamos fazer um Tango”, aí, no fim, a gente vê que não sabe fazer um Tango, aí vira um Tango à la Trupe Chá de Boldo, que já vem com outras coisas.
Pedro: Tem o lance da linguagem ser meio que sobre as limitações, vem mais do que você não sabe fazer do que pelo que você sabe fazer bem. “Não saber fazer e a coragem de fazer mesmo assim”.
Marcos: É, mas isso não costuma acontecer, a gente fechar um estilo e criar em cima dele. Eu não sei se seria mais fácil ou mais difícil, talvez a gente não conseguisse, talvez fosse mais fácil porque existe “um jeito de fazer samba”. Mas não sei, a Trupe não é por aí. A gente deu o Nave Manha pro Tom Zé, isso antes de gravar com ele e tal, e ele me mandou um email comentando sobre No Escuro, “como vocês conseguem fazer um Samba, mas um Samba de um jeito totalmente diferente” – eu não lembro que palavras ele usou, mas era um elogio de como a gente dava um novo sentido para aquilo.

Mb: Falando em Tom Zé, como é trabalhar com ele?
Pedro: Antes de gravar com ele, desde a época do Nave Manha, eu e algumas pessoas da banda, a gente trabalhou no Teatro Oficina, com o Zé Celso, que é da mesma geração, um cara que fez no teatro algo muito parecido com o que o Tom Zé fez na música – Tropicalista e tal. Então, a gente já começou a beber dessa água ali e tentou trazer um pouco disso pra banda, mesmo sem pensar, e vice-versa. Mas aí, quando a gente foi trabalhar com o Tom Zé, primeiro que afetivamente isso é muito forte. É muito louco entrar na casa dele, trocar ideia com o cara. E as histórias que ele conta, tudo que aconteceu de legal era em volta dele.
Marcos: Em nossa primeira reunião na casa do Tom Zé, ele começou a ensinar o Rafinha, que é o percussionista da Trupe, a postura pra melhorar a respiração. Aí engraçado você pensar que é o Tom Zé que tá ali falando “senta aqui, respira assim”, fazendo massagem nele.
Pedro: Ele é muito genial e genioso também. Ele não tem linearidade no raciocínio, ele trabalha em outro lugar, sabe? E tudo bem, é o cara!
Marcos: Ele deu uma puta liberdade pra gente também. A gente fez os arranjos e ele quase não opinou.
Pedro: Isso era muito louco, ele mandava umas gravações dele cantando voz e violão na década de 70, que ele nunca tinha gravado. Então tem ele cantando em um tom alto, com voz de moleque, e a gente fez um arranjo mais alto também. Chegou lá, disseram “ele não vai cantar assim, não vai atingir essa nota” e a gente tinha que fazer de novo (risos). Mas ele confiou muito na banda. A gente fez e gravou, e ele topou.
Marcos: E acho que tem dois lados de evolução pra banda, tanto nisso do Tom Zé quanto do Zé Celso. Um é esse que foi conviver com artistas que até hoje são cabeça aberta, nessa coisa não-linear, e que continuam se transformando e digerindo o mundo, uma influência nesse sentido artístico-criativo, até porque a gente não quer ser uma banda que fica estagnada. E, por outro lado, tem a responsa que é trabalhar com esses caras. De repente, eles eram a banda fixa do Teatro Oficina, o Botelho (Felipe, o baixista) era o maestro. A gente, com o Tom Zé, de repente tá fazendo arranjo e gravando pros discos dele, que a gente sempre ouviu e achando o máximo. Isso faz a banda crescer no sentido de “opa, isso é um passo importante”.

Mb: Voltando ao Presente, como foi conceber esse disco?
Pedro: Acho que foi o que a gente mais fez “do zero”. A gente não tinha nada, só umas composições esparsas. A gente foi viajar, a banda inteira, até pra gente não perder isso de estar feliz em estar junto, porque é uma banda de amigos, mas também pra pensar no disco. Aí começaram uns ensaios de base, umas trocas de referências. Foi difícil, teve muita coisa que não estava dando certo. Foi o que a gente mais trabalhou pra rolar.
Marcos: Sim, porque eram músicas que a gente não tinha ainda, só umas duas estavam no repertório dos shows. As duas viagens que fizemos foram fundamentais, essa em janeiro, e outra seis meses depois, pra um sítio, já com o Gustavo Ruiz junto. Boa parte do repertório já existia, outras nasceram lá, mas já foi uma viagem mais focada. Ali, o disco ganhou uma cara.
Pedro: A gente pensou muito em voltar pro Bárbaro, no sentido de fazer uma coisa um pouco mais suja. O Nave Manha é muito limpo, mas o Bárbaro é mais sujo no sentido de todo mundo tocando ao mesmo tempo, meio adolescente verborrágico sem saber o que tá falando, e tem uma força e uma beleza nisso, mas a gente limpou isso. Nesse novo, a gente falou “vamos fazer uma coisa mais estranha, descer a mão igual a gente fazia antes”, porque isso é bom, tem uma força aí.
Marcos: Mas tem uma evolução musical, são cinco anos de diferença em que todo mundo estudou muita música, tocou junto. E outra coisa que eu acho que rolou nesse disco e ele ser diferente dos outros é que a composição foi mais coletiva. No outro, tem mais composições do Galo, e nesse tem mais gente trazendo música. Desde a matéria prima, ele já começou com mais fontes diferentes, com mais cabeças trazendo coisas. Aí soa diferente, são estilos de composição diferentes.

Mb: Vocês trocam muitas referências entre si?
Marcos: Bastante, acho que a gente fez ainda mais isso nesse disco do que nos outros. E aí também vem as particularidades de cada um. Eu gosto muito de música dos Balcãs, talvez eu traga um pouco isso. O Cuca [Ferreira], o outro sax da banda, é do Bixiga 70, então tem uma coisa de Afrobeat que ele traz.
Pedro: E ele trouxe algo de música instrumental que foi muito legal. Isso foi muito louco pra esse disco, essa coisa de “vamos tocar alto”. A gente sempre foi preocupado com letra por ser uma banda de canção, sempre tentou segurar pra não virar uma barulheira e servir melhor à canção – que precisa entender o que está sendo dito. Aí, o Cuca trouxe muito da experiência do Bixiga que é já começar lá no alto. A gente ficou mais livre pra equilibrar melhor o instrumental, então tem horas que o arranjo tá mais à frente.
Marcos: Mas cada um vem com coisas muito diferentes, muita coisa pra ouvir e trocar.

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MARCADORES: Entrevista

Autor:

Comunicador, arteiro, crítico e cafeínado.