Entrevista: Vanguart

Produção e lançamento do quarto disco, “Beijo Estranho”, são comentados pelo quarteto

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Fotos: Felipe Ludovice

Arrisco afirmar que Vanguart entrará para a história como a banda que, na última década, melhor conseguiu romper a bolha de um circuito Alternativo para, sem sair dele, conseguir uma grande projeção por todo o país ao investir em um som autoral e cheio de personalidade, com respaldo de crítica e grande devoção de seu público.

Na semana em que realiza show em São Paulo (veja informações abaixo, ao final do artigo), o quarteto sentou com a redação Monkeybuzz para um papo que contribuiu com a suspeita de que seu amadurecimento só colabora com sua energia criativa, e vice versa, como você pode notar pelo que Helio, Fernanda, David e Reginaldo contaram sobre o novo disco, Beijo Estranho, lançamento que adiciona muito à equação da relevância que o grupo possui no cenário brasileiro atual.

Monkeybuzz: Desde a primeira vez que ouvi o disco, tive a sensação que Beijo Estranho tinha uma pegada muito mais “de banda” do que Muito Mais que o Amor, que me parecia ser um disco mais de canções – como disse na resenha. Como foi o processo de produção?
Helio Flanders: Tá corretíssimo, é um super disco de banda, um disco que a gente fez tocando [no estúdio], mais do que com o violão em casa. Acho que a gente levantava as coisas e depois a gente ia para a casa e revia certas coisas. Tem canções como Pancada Dura que eu fiz no piano, e eu levei e disse “aqui tem uma parte instrumental”, e resultou no que hoje é talvez o grande solo da Fernanda no disco. Reginaldo Lincoln: É uma soma mesmo, as coisas foram acontecendo junto, e não um acontecimento prévio que gerou a música pronta, e a gente chegava no estúdio só para dividir o que cada um faria. Algumas músicas, a gente não tinha arranjado com a banda até estarmos no estúdio prontos tocando, aí ia arranjando ali com o rec apertado (risos). Fernanda Kostchak: Algumas músicas tiveram sua estrutura em função do instrumental, e não ao contrário. Aconteceu mais que no anterior, por exemplo, de alguma seção instrumental entrar como um personagem, como um discurso. Talvez isso que você tenha sentido quando estava ouvindo, que os instrumentos estão ali como vozes também. David Dafré: Antes, a gente ensaiava muito para entrar no estúdio e gravar. Dessa vez, a gente criou dentro do estúdio. Então, muito do que sai nos instrumentos é o que a música pede, não o que a gente fica premeditando. Então rolou essa vibe mais natural.

Mb: Vocês acham que gravarão de novo dessa forma nos próximos?
David : Acho super viável, ainda mais tivermos o estúdio sem limite de tempo (risos). Helio: A gente vem experimentando cada vez um modus operandi. No Boa Parte de Mim Vai Embora, foi assim como o David falou, a gente ensaiou exaustivamente, porque a gente queria gravar tudo ao vivo, então a gente gravou 19 músicas em três dias, com a voz valendo e tudo. No Muito Mais que o Amor, foi exatamente o contrário. A gente ensaiou, gravou bateria, depois ia e gravava um violão… não tinha muito como escapar, era um disco que a gente queria uma linguagem tão poeticamente, quanto esteticamente mais simples, mais direta. A gente achava que o Boa Parte de Mim Vai Embora tinha muita sobra, muita aresta. Nesse disco, foi uma terceira experiência nova: Banda, gig, Rock’n’Roll, todo mundo tocando junto, gravando. Esses três modos funcionam e deram bons resultados, a gente gosta muito dos três álbuns. A gente pode agora pensar em fazer uma outra coisa, tipo escrever os arranjos primeiro. É muito legal a gente escolher como vai trabalhar. Por mais que a gente já tenha quatro álbuns, a gente tá muito aberto a reinventar tudo de novo.

Mb: Como vocês avaliam as experiências que tiveram desde o último disco, incluindo trabalhos solo, em relação a um amadurecimento que gerou este novo?
Helio: Estúdio para mim é tipo horas de voo: Quanto mais tempo você passa nele ao longo de sua vida, você começa a desvendar e desmitificar coisas, aprender a ser mais produtivo e a ganhar tempo, perder umas questões emocionais de medo de estúdio, de perfeccionismo exacerbado, nóia, repetição… A gente vem de uma experiência de estúdio cada vez mais legal. O fato da gente ter gravado individualmente no estúdio, todo mundo viveu um processo diferente em outro lugar, o que também foi rico. David: Também o nosso histórico dentro do estúdio juntos, que a gente já espera certas coisas um do outro. Tem coisa que ainda surpreende, mas tem a coisa de “eu sei que fulano vai fazer tal isso e aquilo”.

Mb: É uma dinâmica interessante, essa de ainda ser uma banda relativamente nova, mas já experiente, sabendo o que quer. Reginaldo: A gente já soube mais. Helio : A gente percebeu com o passar do tempo que isso não interessa, que é uma besteira. Às vezes, é melhor não saber, testar algo no estúdio e se abrir para algo que você nunca faria, para criar algo mais genuíno que vai inclusive te dar mais tesão de estar produzindo aquilo do que estar cheio de certezas, virar um esteta. Eu adoraria ser o Thiago Pethit, ter umas fotos lindas, chegar no estúdio e falar para o meu guitarrista com o disco do Brian Eno e dizer “eu quero essa guitarra”. Eu adoro isso, eu adoraria ser assim, mas eu não sou. É muito legal você ver os outros tipos de modo de trabalho, mas também estar mais livre. A gente sempre foi meio orgânico, nesse sentido, sabe? Reginaldo: E saber o que não quer às vezes é mais importante, né? Helio: É que o saber no ato criativo… ele é tolo, é irrelevante. Não é disso que se trata. Você pode até saber, mas se isso vai resultar em algo legal, ou tocar as pessoas, não é garantia nenhuma. Fernanda: E a gente está vivendo um momento tão bom com quebras de paradigma com os artistas que estão aparecendo agora, ressignificando complexidade, ressignificando simplicidade… em vista de tudo isso, o que é saber alguma coisa?

Vanguart

Mb: Pensando nesse momento em que o disco foi lançado, ele traz versos como “meu coração queimou devagar”, “vem e me abala a fé”, “sou um trem desgovernado” e “meu coração mais aberto que o mar da Bahia”, que são frases totalmente em par com o que Vanguart é e já foi, mas também parecem seguir o clima de intensidade que vivemos. Como vocês veem essa relação?
Helio: É tudo épico, né? Isso é um ato político. E aí é que tá, eu acredito na revolução dos sentimentos. Todo mundo tá falando do papel político do artista e eu tô esperando também, porque eu vi pouca coisa até o momento. A gente vive um momento de muita contradição, de muita confusão, em que a gente precisa primeiro de tudo parar e ouvir. É um momento muito delicado, por isso acredito que a verdadeira revolução é a dos sentimentos, a do respeito, da aceitação, de ouvir e do afeto. E o meu ato político hoje, como letrista, é falar essas coisas, posso usar só isso que você citou para dizer como ele é. A gente tem exemplos infelizes de panfletarismo, nada foi suficiente para mexer em nada, felizmente a gente tem nomes como Criolo, Emicida, Rincon Sapiência, pessoas que estão fazendo algo que não é nada panfletário, mas que promove uma revolução afetiva das coisas. Fernanda: A gente tá vendo que o campo da razão não é suficiente para motivar as transformações, então é preciso algo muito mais profundo do que a razão. E isso não é uma espécie de anarquia, nem uma negligência que negue a razão, pelo contrário, mas pensar como que a gente vai usá-la. Helio: Acho que o próprio questionamento é saudável. A gente vem de um álbum que diz que o amor é a base de tudo, muito embora tenha a provocação do título, “mais que o amor”, ou seja, ele não é o bastante. Mas esse disco tem essa frase que você citou: “Vem e me abala a fé que tenho no amor”. Acho que só o amor pode abalar sua própria fé nele próprio. Mas agora a gente já tá viajando, né? (risos) Reginaldo: Acho que em nossa pequena república democrática aqui (aponta para a banda), a gente tenta se respeitar ao máximo, para isso começar pela gente. Porque o mais fácil é não respeitar, é tacar o “foda-se”, é o “cala boca”, mas a gente tenta fazer o esforço para, na nossa vez, fazer diferente. É o amor mesmo, que é o único que pode dar jeito, e o respeito.

Mb: Como foi a escolha de Beijo Estranho como faixa-título e como abertura do álbum?
Helio: Acho que ela é a maior música do disco no sentido de símbolo, quase como um paralelo entre Semáforo, que abre o primeiro disco, e ela. E o nome do disco é esse porque ela tem uma força conceitual. Se a gente tivesse a oportunidade de mostrar para alguém o que é Vanguart hoje, ela seria a que mais teria um fator de novidade, que diria que estamos fazendo coisas que não são necessariamente confortáveis para a gente a priori, mas que são fortes, e experimentando coisas novas. É uma música totalmente inédita no sentido de sonoridade, de registro, de voz, de forma…

Mb: Mas ainda é muito Vanguart. Helio: Pra caramba, e esse foi um dos fatores que pontuaram para ser a primeira canção, para ser símbolo do álbum. E o fato do restante ser tão diferente dela e tão diferente de si só enriquece o enredo. Se a gente tivesse essa música abrindo, mais umas quatro parecidas no disco, ela não teria tanta força. Ela tem um caráter épico que já teve na discografia anterior, mas não dessa forma, e que acho que só vai se repetir na última faixa, que não tem nada a ver com ela, mas que tem a ver com uma grande espera, um suspiro final.

Mb: Como vocês explicariam a estética da banda hoje?
Helio: Acho tão simples, é uma canção e nossa ótica sobre ela. E como a gente tem uma pluralidade na composição, a gente coloca tudo isso que a gente ama: Schumann, Beach Boys, Ratos de Porão, Brian Eno, Tom Waits, Clube da Esquina… E aí é a gente brincando de criar mundos. Quando a gente fica pensando as complexidades em torno das coisas, elas quase nunca acontecem. Por isso é difícil explicar. A gente toca há tanto tempo, quando a música acontece, a gente sabe. Quando tem que pensar muito, a gente descarta. David: A gente quer, no fundo, no fundo, “arrepiar”. E acho que o termômetro pra isso somos nós mesmos. Se o Reginaldo tocar algo no violão que nos arrepia, a gente já sabe que deve seguir esse caminho e tentar amplificar isso na melhor forma que a gente consegue.

Mb: Como vocês enxergam seu público? Vocês acham que as pessoas se encantam por Vanguart mais por forma ou conteúdo?
Helio: Ambos. Acho que os melhores momentos são quando a gente consegue reunir essas duas coisas, quando a gente consegue colocar aquela letra que tem profundidade, que não é um lugar comum, com uma melodia e harmonia simples, ou vice versa, quando a gente coloca uma harmonia super complexa com uma letra que qualquer pessoa vai entender. Nosso objetivo é sempre esse, a comunicação acima de tudo. Reginaldo: Acho que a gente tem um público que vê as coisas com uma pluralidade também, que não só gosta de uma coisa ou de outra, como a gente é também. Por isso, existe uma coisa de olhar o quadro inteiro, de ver desde a moldura até um pinguinho de tinta que tem ali. Helio: A gente foi aprendendo isso com o tempo, com a resposta dos fãs. Tinha aquela minha música super estranha, obscura, e tinha uns fãs que tatuavam a letra. Aí tinha aquela outra super mais simples, toda Hey Jude, e alguém chegava e dizia “eu casei com essa música” (risos). Fernanda: Eles prestam muita atenção em detalhes. Eles estão ligados nos aspectos que para a gente às vezes não são tão relevantes, ou que nem chamariam atenção, mas eles reparam. Reginaldo: Quem vê de fora sempre fala “nossa, vocês têm um público muito fiel”, e é verdade. A gente vive uma intensidade como se a gente tivesse dois milhões de seguidores, mas com um respeito gigantesco. Helio: Nós somos pessoas muito comuns e a gente se identifica muito com os fãs por isso, a gente nunca se coloca em um lugar de indiferença.

Vanguart em São Paulo

Data: Sábado, 22 de julho Local: Estúdio (Av. Pedroso de Moraes, 1036 Pinheiros) Horário: Abertura da casa às 18h, show Vanguart às 21h Ingressos: Clube do Ingresso Evento: Facebook

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ARTISTA: Vanguart
MARCADORES: Entrevista

Autor:

Comunicador, arteiro, crítico e cafeínado.